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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, novembro 17, 2013

num país em que a mídia de direita é mais forte do que os partidos e as instituições republicanas.

Tarso Genro: STF que condenou Genoíno “protege” torturadores





A segunda tortura de José Genoíno
Genoíno foi torturado na ditadura e seus torturadores seguem impunes, abrigados por decisões deste mesmo tribunal que condena sem provas militantes do PT.
Tarso Genro (*), na Carta Maior
Ernst Bloch, na sua crítica aos princípios do Direito Natural sem fundamentação histórica, defendeu que não é sustentável que o homem seja considerado,  por nascimento, “livre e igual”, pois não há “direitos inatos, e sim que todos são adquiridos em luta”.
Esta categorização, “direitos adquiridos em luta”, é fundamental  para  compreender as ordens políticas vigentes como Estado de Direito, que proclamam um elenco de princípios contraditórios, que ora expressam com maior vigor as conquistas dos que se consideram oprimidos e explorados no sistema de poder que está sendo impugnado, ora expressam  resistências dos privilegiados, que fruem o poder real: os donos do dinheiro e do poder.
Esta dupla possibilidade de uma ordem política,  inscrita em todas as constituições, mais ou menos democráticas, às vezes revela-se mais intensamente no contencioso político, às vezes ela bate à porta dos Tribunais.
A disputa sobre o modelo de desenvolvimento do país, por exemplo, embora em alguns momentos tenha sido judicializada, deu-se até agora, predominantemente, pela via política, na qual o PT e seus aliados de esquerda e do centro político foram vitoriosos, embora com alianças pragmáticas e por vezes tortuosas para ter governabilidade.
Já a disputa sobre a interpretação das normas jurídicas que regem a anistia em nosso país e a disputa sobre as heranças dos dois governos do presidente Lula tem sido, predominantemente,  judicializadas.
São levadas, portanto, para uma instância na qual a direita política, os privilegiados, os conservadores em geral (que tentaram sempre fulminar o Prouni, o Bolsa Família, as políticas de valorização do salário mínimo, as políticas de discriminação positiva, e outras políticas progressistas), tem maior possibilidade de influenciar.
Quando falo aqui em “influência” não estou me referindo a incidência que as forças conservadoras ou reacionárias podem ter sobre a integridade moral do Poder Judiciário ou mesmo sobre a sua honestidade intelectual.
Refiro-me ao flanco em que aquelas forças — em determinados assuntos ou em determinadas circunstâncias –  podem exercer com maior sucesso a sua hegemonia, sem desconstituir a ordem jurídica formal, mantendo mínimos padrões de legitimidade.
O chamado processo do “mensalão” obedeceu minimamente aos ritos formais do Estado de Direito, com atropelos passíveis de serem cometidos sem maiores danos à defesa, para chegar a final previamente determinado, exigido pela grande mídia, contingenciado por ela e expressando plenamente o que as forças mais elitistas e conservadoras do país pretendiam do processo: derrotados na política, hoje com três mandatos progressistas nas costas, levaram a disputa ao Poder Judiciário para uma gloriosa “revanche”: ali, a direita derrotada poderia fundir  (e fundiu) uma ilusória vitória através do Direito, para tentar preparar-se para uma vitória no terreno da política.
As prisões de Genoíno e José Dirceu foram celebradas freneticamente pela grande imprensa.
Sustento que os vícios formais do processo, que foram corretamente apontados  pelos advogados de defesa  – falo dos réus José Genoíno e José Dirceu — foram  totalmente secundários para as suas condenações.
Estas, já estavam deliberadas antes de qualquer prova, pela grande mídia e pelas forças conservadoras e reacionárias que lhe são tributárias, cuja pressão sobre a Suprema Corte — com o acolhimento ideológico de alguns dos Juízes –  tornou-se insuportável para a ampla maioria deles.
Lembro: antes  que fossem produzidas quaisquer provas os réus já eram tratados diuturnamente como “quadrilheiros”, “mensaleiros”, “delinquentes”, não somente pela maioria da grande  imprensa, mas também por ilustres figuras  originárias dos partidos derrotados nas eleições presidenciais e pela banda de música do esquerdismo,  rapidamente aliada conjuntural da pior direita nos ataques aos Governos Lula.
Formou-se assim uma santa aliança,  antes do processo, para produzir  a convicção pública que só as condenações resgatariam a “dignidade da República”, tal qual ela é entendida pelos padrões midiáticos dominantes.
Em casos como este, no qual a grande mídia tritura indivíduos, coopta consciências e define comportamentos,  mais além de meras convicções jurídicas e morais, não está em jogo ser corajoso ou não, honesto ou não, democrata ou não.
Está em questão a própria funcionalidade do Estado de Direito, que sem desestruturar a ordem jurídica formal pode flexioná-la  para dar guarida a  interesses políticos estratégicos  opostos aos que “adquirem direitos em luta”.
Embora estes direitos sejam conquistas que não abalam os padrões de dominação do capital financeiro, que tutela impiedosamente as ordens democráticas modernas, sempre é bom avisar que tudo tem limites.
O aviso está dado. Mas ele surtirá efeitos terminativos?
Este realismo político do Supremo ao condenar sem provas, num processo que foi legalmente instituído e acompanhado por todo o povo — cercado por um poder midiático que tornou irrelevantes as fundamentações dos  Juízes — tem um preço: ao escolher que este seria o melhor desfecho não encerrou o episódio.
Ficam pairando, isto sim, sobre a República e sobre o próprio prestígio da Suprema Corte, algumas comparações de profundo significado histórico, que irão influir de maneira decisiva em nosso futuro democrático.
José Genoíno foi brutalmente torturado na época da ditadura e seus torturadores continuam aí, sorridentes, impunes e desafiantes, sem  qualquer ameaça real de responderem, na democracia, pelo que fizeram nos porões do regime de arbítrio, abrigados até agora por decisões deste mesmo Tribunal que condena sem provas militantes do PT.
José Dirceu coordenou a vitória legítima de Lula, para o seu primeiro mandato e as suas “contrapartes”,  que compraram votos para reeleger Fernando Henrique (suponho que sem a ciência do Presidente de então), estão também por aí,  livres e gaudérios.
O desfecho atual, portanto, não encerra o processo do “mensalão”, mas reabre-o em outro plano: o da questão democrática no  país, na qual a “flexão” do Poder Judiciário mostra-se unilateralmente politizada  para “revanchear” os derrotados na política.
Acentua, também, o debate sobre o  poder das mídias sobre as instituições.
Até onde pode ir, na democracia, esta arrogância que parece  infinita de julgar por antecipação, exigir condenações sem provas e  tutelar a instituições através do controle e da manipulação da informação?
Militei ao lado de José Genoíno por mais de vinte anos, depois nos separamos por razões políticas e ideológicas,  internamente ao Partido. É um homem honesto, de vida modesta e honrada, que sempre lutou por seus ideais com dignidade e ardor, arriscando a própria vida, em momentos muito duros da nossa História.
Só foi condenado porque era presidente do PT,  no momento do chamado “mensalão”.
Militei sempre em campos opostos a José Dirceu em nosso Partido e, em termos pessoais, conheço-o muito pouco, mas não hesito em dizer que foi condenado sem provas,  por razões eminentemente políticas, como reconhecem insuspeitos juristas, que sequer tem simpatias por ele ou pelo PT.
Assim como temos que colocar na nossa bagagem de experiências os  erros cometidos que permitiram a criação de um processo  judicial ordinário,  que se tornou rapidamente um processo político, devemos tratar, ora em diante, este processo judicial de sentenças tipicamente políticas, como uma experiência decisiva para requalificar, não somente as nossas instituições democráticas duramente conquistadas na Carta de 88, mas também para organizar uma sistema de alianças que dê um mínimo respaldo, social e parlamentar,  para fazermos o dever de casa da revolução democrática: uma Constituinte, no mínimo para uma profunda reforma política, num país em que a mídia de direita é mais forte do que os partidos e as instituições republicanas.

(*) Governador do Rio Grande do Sul
*Viomundo

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