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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, novembro 12, 2013

Açúcar, droga pesada


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Indústria de refrigerantes dissemina epidemia global de obesidade, cinco vezes mais onerosa que o tabagismo. Brasil é segundo país mais afetado 
Por Ricardo Abramovay, em Página 22
A alimentação talvez seja o exemplo mais emblemático da distância que pode existir entre riqueza e prosperidade. Parte importante daquilo que o sistema econômico oferece à vida social agrava problemas cujas soluções vão ficando cada vez mais difíceis e caras.
Não há dúvida de que para eliminar a vergonhosa existência de 1 bilhão de pessoas em situação de fome é necessário dispor de alimentos. Mas a verdade é que há, no mundo contemporâneo, 500 milhões de obesos. Somados às vítimas do sobrepeso, é um contingente que supera e cresce muito mais que o de famintos.
As doenças do excesso ameaçam mais gente que as enfermidades da falta. Os riscos sociais que decorrem daí são crescentes e repercutem sobre a própria viabilidade de financiamento dos sistemas de saúde em diferentes países.
Esta é a razão pela qual o tema desperta o interesse não só dos especialistas em saúde pública, mas também de organizações financeiras globais.
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O Credit Suisse acaba de publicar um importante relatório, cujo objeto é aquele que, isoladamente, pode ser considerado o principal vetor da epidemia global de obesidade: o açúcar. Não o contido naturalmente nas frutas ou no leite, mas o que se adiciona aos alimentos, o que inclui o xarope de milho, muito usado nos Estados Unidos e, em menor proporção, no México, na Argentina e no Canadá. No início dos anos 1980 o consumo de açúcar (incluindo o xarope de milho) chegava a 48 gramas per capita. Hoje, já está em 70 gramas. Isso corresponde a 280 calorias.
Só que o consumo de açúcar não se distribui de forma homogênea. A média per capita chinesa é de 115 calorias diárias de açúcar. A dos Estados Unidos sobe a nada menos que 658. O Brasil é o segundo consumidor, superando as 600 calorias diárias, seguido por Austrália, Argentina e México, todos na faixa de 600 calorias diárias ou mais. Em 2009, a Associação Americana de Cardiologia (Heart American Association) recomendava não mais que 150 calorias diárias de açúcar adicionado para homens e 98 para as mulheres.
Nos Estados Unidos (e não só lá, é claro) é nos refrigerantes que está a maior proporção do açúcar contido em produtos alimentares: nada menos que 33% do total.
Mas o metabolismo do açúcar diluído em refrigerantes – e também nos sucos, é importante assinalar– é diferente daquele consumido sob a forma de doces, balas, sorvetes, iogurtes ou molhos: a informação que o corpo recebe do consumo de açúcar em forma líquida não o induz a reduzir proporcionalmente o consumo de outras formas de calorias. Ou seja, refrigerante não mata a fome e tudo indica que, ao contrário, estimula o apetite.
A responsabilidade das empresas

As maiores marcas globais insistem na existência de um componente genético da obesidade. Apesar disso, o estudo do Credit Suisse mostra imensa convergência da literatura científica que associa as doenças da obesidade ao consumo de açúcar: 98% dos médicos entrevistados no âmbito da pesquisa acreditam que o açúcar está na origem da obesidade, e 96% deles associam-no à diabetes tipo 2.

Essa é uma doença que atinge hoje 370 milhões de pessoas no mundo. No México, já é a principal causa de mortalidade. O país está entre os campeões de obesidade (inclusive infantil) e é o segundo consumidor mundial de refrigerantes.
Os custos do tratamento da diabetes 2 para o sistema global de saúde já chegam a US$ 470 bilhões. Só nos Estados Unidos, são US$ 140 bilhões, mais que os US$ 90 bilhões que se gastam com doenças decorrentes do consumo de tabaco. Globalmente, o horizonte é que, em 2020, o sistema de saúde gaste US$ 700 bilhões para tratar o que poderá ser 500 milhões de habitantes atingidos por essa doença.
As grandes marcas globais que se voltam à produção de refrigerantes e sucos levam adiante ações relevantes para a conservação e a recuperação da água, para estimular a reciclagem de suas embalagens e até para fortalecer o empreendedorismo.
Por mais importantes que sejam, tais iniciativas empalidecem diante da tentativa permanente de negar o vínculo, corroborado por robustas evidências, entre o produto que elas oferecem e algumas das mais graves patologias epidêmicas de nossa época.

* Professor titular do departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA) e do Instituto de Relações Internacionais da mesma universidade. Autor de Muito além da Economia Verde e Lixo Zero: gestão de resíduos sólidos para uma sociedade mais prospera.

*FlaviaLeitao
*outraspalavras.net

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