O libertário dramaturgo, diretor e ator Zé Celso Martinez
Corrêa se diz integrante da esquerda criativa, defende Lula, ataca as
utopias e o gosto de classe burguês
Por Camila Souza Ramos e Glauco Faria
Aos 72 anos, José Celso Martinez Corrêa concedeu entrevista à Fórum
depois de participar durante algumas horas da gravação de um programa
televisivo. Logo após conversar conosco, se preparava para atuar no
espetáculo O Banquete, que será encenado minutos depois no Teatro
Oficina. Elétrico, com gestos expansivos, transparece uma energia que
vai muito além da sua idade. Justificada, segundo ele, porque
“desenvolvi pelo teatro um atletismo afetivo. Não fiz musculação, fiz
outra coisa”.
À frente do grupo Uzyna Uzona, Zé Celso não só continua levando a sua
arte antropofágica adiante como também não se nega a participar da vida
política e cultural brasileira, como mostra a entrevista a seguir. Ele
fala sobre o artigo que escreveu para o Estadão em reposta a Caetano
Veloso – que chamou Lula de analfabeto – e define o presidente como
alguém “brilhante, que fala muito bem, fala como povo brasileiro, como
todos nós falamos”.
Zé Celso também critica o que ele chama de linha de esquerda
“ressentida”. “Toda essa ideologia da esquerda compõe esse discurso que é
extremamente contra a cultura, porque não tem arte. Não entende que a
própria arte em si é um poder”, pondera. “Sou da esquerda, mas sou da
esquerda produtiva, criativa, que acredita na arte em si como política.”
Caetano Veloso e o presidente analfabeto
O [Gilberto] Gil é muito legal, porque ele sempre tem uma
interpretação maravilhosa, e o importante não é aquilo que se diz, mas
as interpretações em torno daquilo que se diz. Segundo Gil, o Caetano
quis dizer – olha que coisa engraçada – que o Brasil era maravilhoso
porque um sujeito pouco letrado podia chegar à presidência. Claro que é
uma forçação de barra porque ele chamou Lula de “analfabeto”. Mas é uma
coisa que às vezes, na entrevista, isso sai.
Por exemplo, o Caetano, quando veio aqui ver Selva das Cidades, que
tinha uma cena muito impressionante, com cenário da Lina Bo Bardi, e foi
encenada durante a destruição das árvores para a construção do
Minhocão. Ela pegou umas seis árvores e o cenário era um ringue de boxe;
no meio, várias coisas iam sendo destruídas: uma biblioteca, uma
fábrica, uma família, um bordel. Aí chegou o momento da área verde, em
que ela botou os maquinistas com fios de aço trazendo árvores enormes, e
de repente essas árvores caíam. Era muito emocionante porque dava uma
percepção da destruição daquelas árvores naquele momento.
Por conta disso, Caetano, na música “Sampa”, se referiu à gente como
“oficina de florestas”. E aí o que aconteceu? Nós passamos a batizar de
Oficina de Florestas todo esse nosso projeto de verde para a área. E
veio o Aziz Ab’Saber, que foi quem tombou o Oficina, um grande geógrafo,
e disse “não é de florestas, é oficina de bosquetes, porque aqui em São
Paulo não tem florestas”. Mas é uma liberdade poética do Caetano quando
ele disse isso.
Quando ele falou que Lula era um analfabeto, claro que ele é sensato o
suficiente para saber que o Lula não é um analfabeto, porque, se não
fosse letrado, não conseguiria lidar com essas estruturas. Mas acho a
fala dele [Lula] maravilhosa. Teve uma polêmica porque nós somos muito
amigos e nossos pensamentos coincidem, por isso tenho certeza que ele
não acha o Lula um analfabeto. Mas às vezes, numa entrevista, a gente
fala uma porção de coisas, que vem no fluxo da conversa, e às vezes o
repórter deu uma ênfase, e eu sei que o Caetano ficou possesso com isso,
com o que foi dado de destaque.
Lula, o estrategista
Agora agradeço isso [a entrevista de Caetano] porque
me permitiu dizer uma série de coisas sobre esse governo, que eu acho,
sem dúvida, o melhor governo que o Brasil já teve. Esse governo está no
nível do Getúlio Vargas, do João Goulart e do Juscelino Kubitschek, que
para mim foram os três grandes presidentes do Brasil. São muitas as
contradições que tem esse governo – e elas têm que existir –, porque
dentro da República tem um elemento subversivo ao conceito de res
publica: a oligarquia. E, para governar no Brasil, o Lula foi obrigado a
usar essa oligarquia. Ele tem que usar, como ele usa o Sarney
descaradamente.
Lula é um político excelente e o político tem que ter jogo de
cintura. Se quiser democracia, então… é um jogo terrível. Na democracia
você tem que admitir coisas absurdas, precisa ser um grande
estrategista. O fato de o presidente chamar o Gilberto Gil e não chamar
todos os movimentos tradicionais do PT que fizeram um congresso,
reuniões e apresentaram um projeto para a cultura, foi uma jogada
inteligentíssima. Porque discordo inteiramente de uma certa linha da
esquerda em relação à cultura, que quer instrumentalizá-la, que usa a
cultura e a arte com outros objetivos que não a própria cultura, e cai
numa burocratismo, numa visão rancorosa do mundo, ressentida, negativa.
A esquerda e o Prometeu
Gosto muito do trabalho do [Augusto] Boal, mas
discordo do Teatro do Oprimido porque teatro tem que ser o da
libertação. Toda essa ideologia da esquerda compõe esse discurso que é
extremamente contra a cultura, porque não tem arte. Não entende que a
própria arte em si é um poder.
Por exemplo, há um certo tempo me apareceu um movimento que queria
unificar os grupos de teatro em uma luta comum, mas vinha um documento
tão absurdo, tão mal escrito e com essa ideologia de Prometeu
acorrentado, de oprimido, só reclamando… Aliás, Prometeu que, no final,
nem as águias, nem as aves iam depois bicar o fígado dele porque todos
enjoaram daquela reclamação constante. Acabou esse período. Sou da
esquerda, mas sou da esquerda produtiva, criativa, da esquerda que
acredita na arte em si como política.
O PSDB “tranca”
Tenho muito receio de um partido como o PSDB que, quando toma o
poder, “tranca”. E não precisam de ninguém, porque eles são tecnocratas e
sabem tudo, então eles dispensam o resto. Não tenho acesso ao governo
Serra, não tenho acesso à Secretaria de Cultura, do João Sayad, que é
chamada de “Sibéria”. Fiquei oito anos sem pisar no Ministério da
Cultura durante o governo Fernando Henrique, era aquele sociólogo
ignorante [Francisco Weffort] que estava no ministério. Agora é
completamente diferente. O governo Lula é muito aberto. Do pessoal do
Ministério de Cultura, pode-se dizer que é uma vanguarda no Brasil. Tem
um pessoal jovem maravilhoso.
Política de solidariedade
O Celso Amorim criou essa política, que também é uma revolução
cultural, a política de solidariedade, de não-represália, de
não-vinganças. Qualquer outro governo teria invadido a Bolívia, teria
invadido o Equador no episódio da Petrobras. Mas ele teve uma sabedoria
enorme. E com essa relação que ele tem com todos os países do mundo. Até
com a Coreia do Norte, que foi mandar o [Arnaldo] Carrilho, que é um
sujeito que vem do cinema, um boêmio, um sujeito engraçadíssimo, que não
tem nada a ver com aquele regime, mas por isso mesmo precisa do
contato. Ele disse que o ditador gosta muito de música, então se leva a
música brasileira, se leva a esperança à Coreia do Norte, porque é
nesses lugares em que é preciso ter uma relação humana. Por exemplo, se
os Estados Unidos agora suspendessem o bloqueio a Cuba, tenho certeza
que haveria uma democratização muita rápida, pela própria relação
humana… Isso é uma novidade na esquerda, essa política de Lula,
culturalmente falando. Mas tudo vem de uma transvalorização da cultura.
A polêmica do filme
Eu não vi o filme [Lula, filho do Brasil], mas imagino que seja um
filme popular. Acho maravilhoso que haja um cinema assim. Eu vi milhares
de filmes americanos que contavam a vida de presidentes e acho isso
muito normal, um presidente como o Lula, que tem uma vida realmente
maravilhosa, que prova que no Brasil existe uma certa verticalidade,
sendo que o governo dele trouxe uma certa ascensão social pela primeira
vez em muitos governos. No tempo do Getúlio, foi uma coisa maravilhosa,
urbanizaram o Brasil, criaram leis trabalhistas, teve o peleguismo,
coisas terríveis, mas houve um avanço na sociedade brasileira. A mesma
coisa com o governo do Juscelino, que apesar do erro enorme de ter
investido tudo só no transporte à gasolina, foi um governo que teve uma
liberdade muito grande, em que a própria arte foi cultivada de uma
maneira muito bonita. Brasília, com todas as suas contradições, é uma
beleza, acho linda a mistura do Niemeyer com aquela coisa do barroco. O
Niemeyer, que é comunista, tem uma arte que exteriormente é muito bela.
E o Lula é brilhante, fala muito bem, fala como o povo brasileiro
fala, como todos nós falamos. Isso que agrada muito todo mundo, porque
você vê que é um homem igual a você que está ali. Logo quando eu voltei
ao Brasil do exílio, fiquei escandalizado, porque a propaganda do PT e
dos movimentos do ABC era inspirada no filme 1900, do Bertolucci. Não
havia nem o próprio retrato de si mesmo ali. E o Lula foi sofrendo uma
evolução. Inclusive durante muito tempo ele não foi eleito porque era
carrancudo, bravo, e tinha um pouco dessa ideologia. De repente o
marqueteiro viu que ele tinha um potencial, que ele era aquele cara do
ABC que bebia, que conversava com os colegas sobre futebol, mas era um
excelente negociador sindical.
Antropofagia
Eu sou da Tropicália, a estreia do Rei da Vela, no
dia 19 de agosto de 1967, foi um marco, porque nós colocamos o Oswald em
cena. Não conhecia o Oswald de Andrade, conheci pelo Rei da Vela. E ele
nos remeteu aos antropófagos, porque a nós era ensinado que os índios
deviam se submeter ao Anchieta, que a cultura brasileira estava no padre
Anchieta. O Décio de Almeida Prado dizia que o teatro brasileiro tinha
origem nele, que estava fazendo a lavagem cerebral nos índios.
Toda a cultura era baseada nisso. Oswald de Andrade muda o eixo e diz
que não, que tem que buscar lá atrás, na antropofagia. Aquele bispo quis
buscar em Roma as mulheres brancas para cruzarem com portugueses,
porque não queriam um Brasil mestiço. Não é o quadro da primeira missa
que representa o início do país, é o quadro da antropofagia. A história
do Brasil é a história da devoração. Saiu um livro maravilhoso que diz
que a maioria da população daqui é indígena, tem sangue indígena. Por
mais tribos que tenham sido massacradas, elas permanecem nos nossos
genes. Até o século XVIII, no Brasil, a língua mais falada era o tupi,
até o Marquês de Pombal proibir e impor o português como língua
dominante. Era uma coisa que até a minha geração nós ignorávamos. A
gente era colonizado mesmo.
E toda a obra do Oswald de Andrade foi o que fez essa antena, que nos
plugou a todos como movimento. O Hélio Oiticica, o Glauber Rocha, o
Caetano, que viu o Rei da Vela; o Gilberto Gil, o Plínio Marcos através
da Pagu. Sim, a grande iniciadora do Plínio Marcos foi a peça Pagu, que
explodiu em 1967 trazendo uma língua brasileira falada já antes dessa
língua que o Lula fala. Claro, o Lula não fala com o brilho da palavra
do Plínio Marcos, pega a língua do povo como Nelson Rodrigues e coloca
numa síntese perfeita.
Oswald e a descolonização do Brasil
O Oswald de Andrade, quando escreveu o manifesto, em
1928, disse: “eu não sou mais modernista, eu sou o primeiro
pós-moderno”. Porque ele não passou só a acreditar naquilo que nunca
tinha acontecido, que era o moderno, ele foi buscar nos índios, ele e a
Tarsila [do Amaral]. Foram descobrindo as semelhanças, a antropofagia, e
descobriram nessa cosmovisão que os índios não comiam por fome, para
matar o apetite, era uma instituição cultural. Tem uma americana que fez
uma tese muito bonita em 1967, no ano em que acontecia a Tropicália,
sobre a última tribo antropófaga da Amazônia. Ela esteve numa
conferência internacional de antropofagia e contou que viu uma família
que comia os cadáveres apodrecidos porque queria ter dentro os filhos,
comia por amor. E também só comiam o inimigo forte.
Isso tudo metaforicamente passou a significar a descolonização do
Brasil. O fato de você poder se beneficiar de tudo o que é criado no
mundo, mas à sua maneira. Você vai comendo aquilo, vai digerindo. E a
união entre as pessoas, isso é muito ligado à mestiçagem brasileira.
Nesse sentido, a antropofagia está sendo estudada no mundo inteiro, eu
mesmo fiz várias conferências na Alemanha sobre a antropofagia. Numa
delas estava um sujeito que disse “mas eu sou um sobrevivente, eu comi
carne humana”, foi daquele acidente que aconteceu nos Andes, e fazendo o
maior drama. Eu falei: “cara, você está vivo! O que mais você quer?
Você está vivo, agradece!”.
Tem o lado de você realmente não recusar nada, não resistir, você
re-existe. Porque essa cultura da esquerda está muito ligada a essa
coisa de resistência, endurecer. Não pode, tem que inventar. A
Tropicália recuperou o [Vicente] Celestino, a Rádio Nacional. Saiu um
livro muito bom do Chris Dunn, professor de literatura da Tulane
Universidade de New Orleans, chamado Jardim Brutalidade, baseado num
poema do Oswald de Andrade, que depois o Torquato Neto usou numa música.
É o melhor livro sobre a Tropicália, porque ele coloca a Tropicália não
só exclusivamente no que emergiu na música, porque havia as
multinacionais que conseguiam ganhar com a música, mas como um fenômeno
enraizado em toda a cultura brasileira, de que faz parte Oswald de
Andrade, a cultura indígena e afro-brasileira.
Se não fosse a cultura afro-brasileira, o culto aos antepassados, nós
não entenderíamos os gregos. Os gregos não entendem nada deles, porque
são dominados pelos ortodoxos. Eles criaram um bando de pedra, e a
mitologia é uma coisa teórica. Não sabem o valor que tem um Dionísio, um
Apolo. Aqui a gente sabe o valor que tem um Orixá, o Exu, o dia de
Santa Bárbara, aprendemos com esses povos. Portanto, um filme como esse
do Lula, popular, faz parte do mundo que a Tropicália, o mundo
pós-moderno. Não é uma pós-modernidade sofisticada da torre de marfim, é
aquela que vai buscar também o passado mais primitivo e o que está nos
nossos genes atualmente. E o lado popularesco, o populismo, [do qual]
muitos têm horror, é uma qualidade imensa.
Não espere o messias
Acho que o livro do Dunn sobre a Tropicália revela a política de
esquerda atual, que a esquerda tradicional não compreendeu. Aquela
esquerda que vaiou o Caetano, o Gil, e que exaltava a música do Geraldo
Vandré cantada daquela maneira, como se fosse uma procissão: “Caminhando
e cantando e seguindo a canção…”, aquela coisa pesada… E descobri que a
música é até legal: “Vem, vamos embora que esperar não é saber / Quem
sabe faz a hora, não espera acontecer”. Isso é outra coisa, não é
triste, [voltado] para o futuro, messiânico, que vai vir depois, quando a
sociedade for justa, quando for pro céu. É aqui e agora, já.
Mas a interpretação era pesada, invocava o dia em que ia acontecer… E
não existe esse dia e aí está a contribuição de Oswald, a vida é
devoração, não espere o messias de jeito nenhum. É ação direta que você
pode fazer a cada instante, principalmente com o que você cria no seu
trabalho. A revolução é esta.
Cultura burguesa X Multidão
Claro que tem um gosto de classe no Brasil. Tem uma
bossa nova que é totalmente bossa velha, uma reciclagem da bossa nova,
uma gente entediada, niilista, trancada com ar condicionado, presa em
condomínio e com uma cultura de classe que não vê esse lado. A cultura
burguesa, de direita, hoje, é muito forte já que essas pessoas
enclausuradas abdicam da vida e querem coisas mais céticas… Tem uma
certa linha na Folha de S. Paulo, de Pinheiros, que é de ceticismo e de
fazer charme disso, com horror a qualquer coisa que tenha cheiro de
multidão.
Adoro multidão, meu sonho é um estádio-teatro. Se os Rolling Stones
cantam para milhões em Copacabana por que o teatro não pode? Pode. Quero
fazer um espetáculo para 25 mil pessoas em Manaus. Hoje impera a
ditadura do monólogo, devem existir uns cem monólogos sendo encenados, é
um caça-níqueis, né? E é uma desistência de se trabalhar com o
coletivo, com o outro.
O teatro é a emoção do público, é a catarse tocando nos tabus. Sou
capaz de ensaiar dez horas, tenho 72 anos, mas desenvolvi pelo teatro um
atletismo afetivo. Não fiz musculação, fiz outra coisa. O teatro dá uma
saúde enorme. Então é a multidão que vê o filme do Lula, que comemora
no carnaval, que comemorou espontaneamente quando o Rio de Janeiro foi
escolhido sede das Olimpíadas. É a multidão em que você não se anula,
você se encontra, se identifica. Não é o rebanho, é o oposto do rebanho,
é a multidão desperta.
A religião do capitalismo e a Parada Gay
Pastor evangélico é… tipo, o capitalismo arrumou
uma religião pra eles. Você vê no interior do Brasil, o cara tem que
abdicar de tudo, não pode mais beber, trepar direito, não pode mais
namorar, só pode subir na vida e ganhar dinheiro, construir a casinha
dele e tal. Papai-e-mamãe… O pederasta inato, como diria [Antonin]
Artaud. Aquele cara quer subir na vida de qualquer maneira e vai abdicar
de todo o prazer que a vida dá. E vai entregar pro bispo.
É uma cultura de quinta categoria. Mas não só eles. Sou gay, adoro a
cultura gay, mas detesto a Parada Gay porque acho que é uma coisa
mecanizada, meio de rebanho. Se fosse pra valer, o Senado estaria
aprovando o projeto que pune quem pratica homofobia. É uma coisa que
veio dos americanos, copiaram aquela música disco tocando o tempo todo,
aquela coisa mecânica… A Parada Gay devia ser um carnaval, muito mais
bonito, representar uma revolução, espontânea.
Augusto Boal e o Fórum Social Mundial
O Boal sacrificou um pouco a arte dele ao Teatro do
Oprimido e acho que o que redime o indivíduo é a arte. Para lutar
contra a opressão é preciso um cavalo pra isso e esse cavalo é a arte, a
criatividade, que é mais importante que só a consciência social. A arte
iguala todo mundo.
Mesmo no Fórum Social Mundial, acho muito careta o discurso, a
maneira de falar, como foi um pouco na Amazônia. Quando vai uma pessoa
do povo, um índio, é uma coisa; mas quando vai um sujeito de classe
média, com um discurso de classe média chato pra caralho, ninguém ouve.
Porque é preciso ter carisma, é preciso ter oratória, é preciso ter
arte, não pode ser só ideologia. Esse Fórum precisa de arte, se ele não
despertar pra arte, pra cultura, ele vai se esgotar em si mesmo.
Acredito nisso.
Vivemos um período superdemocrático, em que a corrupção está vindo à
tona, em que a política internacional está maravilhosa, o país está
crescendo, existe avanço social, e não está havendo a repressão que
querem que haja contra o movimento sem-terra e os sem-teto. Quero que
isso continue. Se não for com o Lula, com a Dilma… tenho um pouco de
receio com a Marina [Silva] por ela ser evangélica… é claro que existem
evangélicos legais, mas a questão da célula-tronco, do aborto, as
pessoas têm o direito de fazer o que querem com seus corpos. Isso me
assusta, mas sei que ela pode se transformar porque está sendo bem
assessorada.
Quero ver se me encontro com a Dilma porque ela não se tocou, parece
muito um “Serra de saias”. Ela pode ter mais carisma porque ela vem de
Getúlio, vem do PDT que tinha o melhor programa político-cultural já
escrito no Brasil, por Darcy Ribeiro. É maravilhoso! Sei que a própria
doença dela lhe deu uma humanizada, mas ela tem que incluir entre seus
pontos principais a cultura, a educação e a natureza.
Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum 81.
Páginas
Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
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