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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, julho 25, 2010

Chega-se a um ponto onde estudar, ou pesquisar, ou aprender, já não são um esforço, mas sim um prazer.






Palavras de Mujica, presidente do Uruguai

Nesta vida, não se trata somente de produzir: também é preciso desfrutar.



Tradução: Renzo Bassanetti


Vocês sabem melhor do que ninguém que no conhecimento e na cultura não há só esforço, mas também prazer.
Dizem que as pessoas que correm pela Rambla (avenida à beira-mar em Montevidéu) chegam num ponto em que entram em uma espécie de êxtase, onde já não existe o cansaço e fica somente o prazer.
Creio que com o conhecimento e a cultura acontece a mesma coisa. Chega-se a um ponto onde estudar, ou pesquisar, ou aprender, já não são um esforço, mas sim um prazer.
Que bom seria se esses manjares estivessem à disposição de muitas pessoas!
Que bom seria se, na cesta de qualidade de vida que o Uruguai pode oferecer à sua gente houvesse uma boa quantidade de consumos intelectuais, não para ser elegante, mas sim para dar prazer.
Porque pode se desfrutar disso com a mesma intensidade com que se pode desfrutar um prato de talharim.
Não há uma lista obrigatória das coisas que nos fazem felizes!
Alguns podem pensar que o mundo ideal é um local repleto de shoppings centers. Nesse mundo, as pessoas são felizes porque todos podem sair cheios de sacolas de roupa nova e de caixas de eletrodomésticos.
Não tenho nada contra essa visão, digo somente que essa não é a única possível.
Digo que também podemos pensar em um país onde as pessoas escolhem arrumar as coisas em vez de jogá-las fora, escolher um carro pequeno em vez de um grande, escolher agasalhar-se em vez de aumentar a intensidade da calefação.
Desperdiçar não é o que fazem as sociedades mais maduras.
Vão para a Holanda e vejam as ruas repletas de bicicletas.
Lá vocês vão se dar conta de que o consumismo não é a escolha da verdadeira aristocracia da humanidade.
É a escolha dos noveleiros e dos frívolos.
Os holandeses andam de bicicleta, usam-na para trabalhar mas também para ir aos concertos ou aos parques.
Isso é por que chegaram a um nível em que sua felicidade quotidiana se alimenta tanto de consumos materiais como intelectuais.
Dessa forma, amigos, vão e contagiem o prazer pelo conhecimento.
Paralelamente, minha modesta contribuição será de tratar de que os uruguaios andem de bicicletada em bicicletada.
A EDUCAÇÃO É O CAMINHO
E, amigos, a ponte entre este hoje e este amanhã que queremos tem um nome e chama-se EDUCAÇÃO (com maiúsculas). E olhem que essa é uma ponte comprida e difícil de atravessar, porque uma coisa é a retórica da educação e outra coisa é que nos decidamos a fazer os sacrifícios que implicam em lançar um grande esforço educativo ou sustentá-lo através do tempo.
Os investimentos em educação são de lento rendimento, não atraem a nenhum governo, mobilizam resistências e obrigam postergar outras demandas, mas é necessário fazê-los.
Devemos isso a nossos filhos e nossos netos.
E é preciso fazê-lo agora, quando ainda está fresco o milagre tecnológico da Internet e abrem-se oportunidades nunca vistas de acesso ao conhecimento.
Eu me criei com o rádio, vi nascer a televisão, depois a televisão colorida, depois as transmissões via satélite.
Depois, resultou que na minha televisão apareciam quarenta canais, incluindo os que transmitiam diretamente desde os Estados Unidos, Espanha e Itália.
Depois, vieram os celulares e depois o computador, que no início só servia para processar números.
Em cada uma dessas vezes, fiquei com a boca aberta.
Mas agora, com a Internet, esgotou-se a capacidade da minha surpresa.
Sinto-me como aqueles humanos que viram a roda pela primeira vez.
Ou como os que viram o fogo pela primeira vez.
Estão se abrindo as portas de todas as bibliotecas e de todos os museus; vão estar à disposição todas as revistas científicas e todos os livros do mundo.
Provavelmente também todas os filmes e todas as músicas do mundo.
É estarrecedor.
Por isso, necessitamos que todos os uruguaios e, sobretudo, os uruguaiozinhos, saibam nadar nessa corrente.
É preciso entrar nessa corrente e navegar nela como um peixe na água.
Conseguiremos isso se está sólida a matriz intelectual da qual falamos antes.
Se nossas crianças sabem raciocinar nesse sentido e sabem fazer-se as perguntas que valem a pena.
É como uma rodovia de duas pistas, lá em cima o mundo do oceano da informação, aqui em baixo preparando-nos para a navegação transatlântica.
Escolas de turno integral, faculdades no interior, ensino superior massificado. E, provavelmente, inglês desde o pré-escolar no ensino público, porque o inglês não é o idioma que falam os ianques, é o idioma com o qual os chineses se entendem com o mundo. Não podemos ficar de fora.
Essas são as ferramentas que nos habilitam a interagir com a explosão universal do conhecimento. Esse mundo novo não nos simplifica a vida, mas a complica. Nos obriga a ir mais longe e mais fundo na educação.
Não há tarefa maior diante de nós.
doblogdoturquinho

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