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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, setembro 12, 2013

PUTIN E A SÍRIA: O DECLÍNIO DE UM IMPÉRIO


O Presidente da Rússia assumiu o centro do palco. E não será para um monólogo. Putin não vai interpretar um monólogo.

O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, escreveu artigo na página de Opinião do New York Times com o título “um apelo à cautela (na Síria)”.
Na primeira página, o título principal do New York Times diz que, enquanto Obama suspende a ação militar, Putin toma o centro do palco.
O NY Times não embarca na cantilena conservadora reproduzida nos telejornais americanos: que Obama é um fraco, que tem uma política externa de zig-zag.
O jornal prefere se referir ao fato de que o mundo mudou e, inevitavelmente, Obama muda com ele.
Que não há mais espaço para um valentão do Texas, George W. Bush, que, foi para o Iraque e o Afeganistão à revelia da ONU – e teve que sair de lá sem resolver os problemas que ele próprio criou.
O artigo de Putin é sinal de que hegemonia americana começa a ser contestada de forma vigorosa no meio de uma crise política e militar.
Putin se dirige à sociedade americana – através do NY Times – para dizer umas verdades que ninguém ousou dizer, com o dedo em riste, desde que o Muro de Berlim caiu.
Potencialmente, diz Putin, um ataque à Síria disseminaria o terrorismo, impediria um acordo sobre a questão nuclear iraniana e o conflito entre Israel e os palestinos.
Desestabilizaria o Norte da África e o Oriente Médio.
Putin lembra que não tem nenhum democrata na Síria – não se trata de atacar para preservar a Democracia.
Trata-se de uma Guerra Civil entre o Governo e a oposição de um pais multi-religioso.
Vários membros da Al Qaeda lutam contra o Governo.
Ninguém duvida que se tenha usado arma química na Síria.
Mas, Putin acredita que tenha sido usada pela oposição, para provocar a intervenção de seus poderosos patrocinadores estrangeiros, que estariam, então, se aliando aos fundamentalistas.
Putin lembra que as intervenções no Iraque, no Afeganistão e na Líbia resultaram em desastres.
Por isso, ele prega o respeito à lei, ou seja, à ONU e ao Conselho de Segurança da ONU.
O fecho do artigo é uma lição, que os colonizados do trópicos, os colonistas (*) deveriam considerar:
“É extremamente perigoso encorajar as pessoas a acreditar que são excepcionais. Há países grandes e pequenos. Ricos e pobres. Com longa tradição democrática e outros que ainda procuram seu caminho para a Democracia. Suas políticas diferem. Somos todos diferentes, mas, quando pedimos a benção de Deus, não podemos esquecer que Deus nos criou iguais.”
Mais do que o “excepcionalismo” americano, o que Putin dramatiza é o início do fim da hegemonia americana.
Se já não era exclusiva, agora, passa a ser compartilhada, progressivamente, primeiro pelos que têm a bomba atômica – como Putin e a China – e, pouco a pouco, também pelos que ainda não têm a bomba, mas dispõem de outras poderosas armas – como a força econômica.
O Brasil, por exemplo.
Que só a Big House não leva sério.
O declínio do Império Americano será mais rápido do que a capacidade de a elite brasileira percebê-lo.
Putin assumiu o centro do palco.
Mas, não interpretará um monólogo.
É uma das estrelas de um elenco variado – e poderoso.
 
Fonte: Análise de Conjuntura

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