A realidade da saúde brasileira apresentada para os profissionais inscritos no programa Mais Médicos parecia desoladora até para um médico que testemunhou os horrores do terremoto do Haiti, como é o caso do cirurgião palestino formado em Cuba Tarek Abuiada, que nessa semana começou a trabalhar na cidade de Esteio. No entanto, já no posto de saúde, descobriu que muito do que planejava fazer já tinha sido iniciado pela equipe da saúde da família. “Lá (em Cuba) não tem agente comunitário. Tem o consultório e enfermeira, isso aqui para nós é um luxo”.
“Mudou minha concepção do Brasil, e acho que temos que nos esforçar muito para levar nossa assistência médica à população mais carente e necessitada”, dizia Tarek, na recepção aos médicos estrangeiros organizada pelo governo do Rio Grande do sul no início de setembro. Dias antes de iniciar o atendimento, após encontrar com a equipe do posto onde trabalharia, o médico se dizia surpreso com o trabalho dos agentes comunitários.
“Antes de entrar no curso de acolhimento, cada médico já tinha na sua cabeça as ideias de como vai trabalhar, então eu estava pensando que teria que levantar o número de grávidas, fazer as visitas familiares, fazer o acompanhamento, mas descobri que os agentes comunitários já faziam isso tudo... a única coisa que falta é o médico”, disse no final do mês passado comemorando que no Brasil, os recursos para esse trabalho eram melhores do que o que ele viu na ilha dos irmãos Castro.
No dia 30 de setembro Dr. Tarek começou a trabalhar. Os funcionários do Posto de Saúde Votorantim se diziam impressionados com sua capacidade de manejo e elogiavam a forma humanizada de atender as pessoas. A fama do médico palestino parecia ter se espalhado pela comunidade, tanto que ao chamar os pacientes, já ouvia-se o comentário, “nossa, como ele é educado”.
Nunca neguei e nunca vou negar atendimento
Tarek AbuiadaMédico palestino formado em Cuba
Apesar de ter vindo de um local onde conflitos territoriais entre Palestina e Israel provocam muita revolta e violência, Tarek resolveu dedicar sua vida as causas humanitárias. Aproveitou a oportunidade de estudar em Cuba, onde conheceu sua mulher, a gaúcha Fernanda, e resolveu por conta própria ajudar no Haiti.
“Os estrangeiros que estão aqui tem um perfil ideológico solidário, de querer trabalhar, de ajudar a população carente e de baixa renda”, conta, dizendo que pagou do próprio bolso a passagem para o Haiti, onde junto com profissionais espanhóis trabalhou ajudando os feridos na tragédia. “Eu sempre gostei de ajudar as pessoas, fui voluntário lá, pagamos a passagem do nosso próprio bolso, mas é uma coisa que faz parte da pessoa”, conta.
Os estrangeiros que estão aqui tem um perfil ideológico solidário, de querer trabalhar, de ajudar a população carente e de baixa renda
Tarek AbuiadaMédico palestino formado em Cuba
Para ele, ser médico é quase uma forma de vida, e diz que na cidade de Rivera, no Uruguai, onde vivia antes de entrar no Mais Médicos, sua casa parecia mais um consultório que uma residência.
“Falei em uma entrevista que tinha vindo para ajudar, mas nos comentários algumas pessoas diziam que eu estava sendo pago para isso, outro dizendo que tinha que ajudar a Palestina... minhas carga horária é de oito horas diárias, mas trabalho de noite atendendo quem não pode vir, minha casa em Rivera parecia uma clínica, nunca neguei e nunca vou negar atendimento”, dizia.
Sua mulher foi selecionada para a segunda fase do Mais Médicos, já chegou ao Rio Grande do Sul, mas logo embarca para Brasília, onde deve passar por um treinamento de três semanas, além de mais sete dias de curso em Porto Alegre. “Foi por causa dela que eu escolhi vir para o Brasil, e graças a Deus ela foi selecionada para Esteio”, comemorava.
Dr. Tarek já conseguiu alugar uma casa na cidade, mas diz que teve um pouco de dificuldades com a busca de um avalista e com os seguros necessários para o contrato. No entanto, ele afirma que a prefeitura tem dado todo o suporte para que possa se acomodar.
“Acho que o que mais me agrada aqui são as pessoas. Estive em vários países da América Latina e do mundo, e o brasileiro é um povo muito sociável, me identifiquei muito rápido. Digo para minha mulher que quando tu vai a qualquer lugar o tratamento é único, só o brasileiro tem esse tratamento tão humano”, diz.
*Terra
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