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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, maio 15, 2014

FHC tentou trazer a Copa e dançou!



Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:


Se houve um momento em que deveriam ter sido feitos protestos contra a realização de uma Copa do Mundo no Brasil foi em 1999, ano em que o governo do país consumou um dos maiores - se não o maior - estelionato eleitoral de sua história.

No ano anterior, o então presidente Fernando Henrique Cardoso se reelegera garantindo que, sendo reeleito, não desvalorizaria o real diante do dólar. Era mentira. Cerca de 60 dias após se reeleger ele desvalorizou a moeda e atirou o Brasil em uma terrível crise econômica.

No último ano da década de 1990, o desemprego alcançara incríveis 12% (contra 5,4% em 2013), a inflação batera nos 8,94% (contra 5,91% em 2013), 26.093 empresas quebraram (contra 1.758 em 2013). Ainda assim, FHC apresentou candidatura do país a sediar a Copa do Mundo de 2006.

A iniciativa de um governo que no primeiro ano de seu segundo mandato quebrara o país refletiu a própria incompetência na proposta que apresentou à Fifa.

O caderno de encargos apresentado pela CBF à Fifa em 1999 continha um festival de erros e contrastava com propostas minuciosas e bem apresentadas como a inglesa. Por conta disso, a proposta do Brasil perdeu de todas as outras de goleada.

O projeto apresentado pelo governo tucano começava pecando pela apresentação visual. A CBF enviara à Fifa uma brochura – que se desmontava com facilidade – e um fichário. A brochura indicava as cidades que receberiam a Copa de 2006 e discorria sobre aeroportos, estádios, pontos turísticos etc.

As fotos deixavam a desejar. Algumas eram em preto-e-branco, apesar de não serem antigas, denotando desleixo. E as legendas muitas vezes não condiziam com as fotos.

Sobre a infraestrutura de São Paulo, por exemplo, uma rodovia era apresentada duas vezes e, na primeira, a legenda dizia que a imagem era do Monumento dos Bandeirantes (São Paulo) e, na segunda, a capital paulista era chamada de “Atibaia”.

Já o metrô paulistano, que em 1999 já era o mais lotado e o menor do mundo – em se tratando de grandes centros urbanos –, além de tudo não aparecia completo. O mapa de sua extensão não citava estações como Tucuruvi e Parada Inglesa.

Mas foi na infraestrutura dos estádios que o Brasil passou vergonha. O “certificado de segurança” das instalações mandado à Fifa denotava a fragilidade da candidatura brasileira.

Sobre o estádio do Morumbi, foi apresentada carta da Secretaria de Habitação de São Paulo afirmando que o estádio comportava 80 mil torcedores, mas o mesmo documento continha informação de que metade da arquibancada térrea, até então interditada, não tinha cadeiras, obrigando os torcedores a verem os jogos em pé ou sentados no chão, o que infringia as exigências da Fifa.

Outro mico pago pelo Brasil foi sobre o estádio Vivaldo Lima, em Manaus. A brochura (mal encadernada) apresentada pelo governo FHC oferecia 20 lugares para deficientes físicos, ou 5% do que ofereciam os rivais do Brasil na disputa para sediar a Copa de 2006.

Além disso, os números da brochura tosca entregue pelo governo FHC à Fifa não batiam com os números que figuravam no fichário improvisado. Sobre o Maracanã, a documentação citava duas capacidades de público diferentes. Na brochura, 120 mil torcedores; no fichário, 100 mil torcedores.

Sobre o estádio da Fonte Nova, o material dizia que comportava “comodamente” 82 mil torcedores, mas que “boa parte” deles teria que ficar sentada no chão (!?).

Já o estádio Beira-Rio, em Porto Alegre, também teve capacidade inflada. Embora o material contivesse laudo atestando capacidade para 80 mil torcedores, a direção do estádio dizia que não cabiam mais de 70 mil.

O amadorismo da proposta do governo brasileiro foi tanto que um campo de treinos em Goiânia foi chamado de “Vila Nova”, mas esse era o nome de um time goiano. O campo de treinos era o do Estádio Serra Dourada.

A proposta inglesa continha 608 páginas, a alemã (que acabou vencendo) continha 1.200 páginas, a sul-africana continha 1.500 páginas. Todas bem encadernadas, com descrição detalhada das cidades-sede. A proposta brasileira, mal ajambrada, continha 208 páginas.

Por fim, a previsão de gastos apresentada pelo Brasil condizia com o estado de penúria econômica do país. O valor apresentado para “investimentos” era de US$ 360 milhões e não era detalhado. Na proposta inglesa, por exemplo, só para reconstruir o estádio de Wembley os gastos previstos eram de US$ 490 milhões, o que denotava o irrealismo da proposta brasileira.

Oito anos depois, mais exatamente em 30 de outubro de 2007, o Brasil apresentou a sua proposta para sediar a Copa de 2014.

A apresentação brasileira condizia com a euforia social e econômica que vigia no país. Agora, tínhamos inflação de 4,6%, desemprego (ainda alto, porém cadente) de 9,3% e o país sofrera com apenas 2.721 falências naquele ano.

O material primoroso apresentado previa prioridade para os investimentos privados na construção e na reforma dos estádios, deixando os recursos públicos para a modernização da infraestrutura (transporte, segurança etc.)

A apresentação ainda continha vídeos com depoimentos de artistas, cenas de paisagens naturais e narração em inglês. Ao fundo, a apresentação tocava samba.

Duas horas depois, Joseph Blatter, presidente da Fifa, disse que a escolha do Comitê Executivo da entidade fora unânime, confirmando a sede da Copa de 2014 para “o melhor futebol do mundo”.

Todos os governos brasileiros, ao longo da segunda metade do século XX, tentaram trazer para cá a Copa do Mundo. Porém, só o governo Lula conseguiu. No século XXI.

As obras de infraestrutura (aeroportos, meios de transporte etc.) ficarão e beneficiarão as populações das regiões que as receberam. Os estádios, em um país em que milhões comparecem a eles todas as semanas, continuarão recebendo o afluxo desses mesmos milhões de brasileiros. Só que com mais conforto.

Todos os recursos públicos gastos com a Copa voltarão (com lucro expressivo) através dos negócios com turismo. A realização de evento disputado há décadas por incontáveis países projetará o país no mundo.

É compreensível que as demandas sociais justas deste país sejam feitas. Quanto mais forem feitas, melhor. Porém, a Copa não irá tirar um único centavo do social. Pelo contrário: o lucro que a Copa de 2014 irá gerar ajudará a atender essas demandas.

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