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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, julho 06, 2010

A crise do Capitalismo (é falado em inglês muito bom e didático)


Crise capitalista não será curta e nem superficial

emigrantesmanifestam

Austeridade: Por que e para quem?
por Rick Wolff [*]
Trabalhadores emigrantes manifestam-se na Grécia. Claramente, a crise capitalista global começada em 2007 não será curta, nem superficial. O resgate governamental da indústria financeira dos EUA injectou bastante dinheiro extra na economia e reduziu taxas de juros o suficiente para dar aos bancos e ao mercado de acções a fortemente apregoada "recuperação" que começou em Março de 2009 e agora está acabada. O pior é que esta recuperação nunca atingiu grande parte do resto da economia. Esforços para ampliar a recuperação ou estende-la para além de um ano coxo também fracassaram. Este fracasso custou a Washington milhões de milhões (trillions) em fundos tomados de prestamistas que agora pedem garantias de que tais empréstimos lhes serão reembolsados com juros. Pedidos semelhantes agora confrontam muitos outros governos que igualmente contraíram empréstimos pesados para enfrentar a crise nos seus países.
A garantia pedida pelos prestamistas é a "austeridade". Os prestamistas querem que os governos aumentem impostos ou cortem despesas ou ambos. Os governos assim terão mais dinheiro disponível para pagar os juros dos empréstimos e para reembolsá-los. Governos que deixem de impor austeridade enfrentarão juros mais altos em novos empréstimos e renovados ou lhes serão negados empréstimos o que prejudicaria as suas operações habituais. A austeridade é ainda outro fardo extremo imposto à economia global pela crise capitalista (em acréscimo aos milhões que sofrem desemprego, redução do comércio global, etc).
Quem são estes prestamistas a exigirem austeridade? A empresas financeira ativas globalmente – principalmente bancos que entraram em colapso na crise e foram resgatados pelos seus governos – são, em conjunto, também os principais prestamistas daqueles governos. Os bancos possuem suas próprias dívidas do governo mas também de outros governos. Exemplo: os principais bancos em França e na Alemanha estão entre os principais credores do governo grego. Bancos dos EUA e empresas financeiras relacionadas possuem quantias significativas de dívidas de outros governos e bancos de outros países possuem grande parte da dívida do governo dos EUA.
A crise de 2007 do capitalismo global congelou o sistema de crédito que sustenta a produção capitalista. Tomadores privados de empréstimos – empresas e indivíduos – não podiam mais reembolsar empréstimos porque os seus investimentos haviam gerado muito pouco e os seus rendimentos deixaram de crescer bastante. Bancos falharam em avaliar riscos adequadamente ao decidir quanto emprestar a quem. Eles portanto cessaram de emprestar a tomadores privados porque se haviam tornado demasiado arriscados. Como tomadores privados de empréstimos incumpriram e novos empréstimos atrofiaram-se, o capital dos bancos e os seus lucros entraram em colapso. A totalidade do sistema capitalista rumou para uma travagem porque o crédito se tornara indisponível. A única solução que a maior parte dos líderes dos países capitalistas pôde conceber foi descongelar o crédito através da garantia governamental da solvência do banco, da garantia de muitas dívidas privadas, investindo maciçamente e emprestando a bancos privados e tornando-se os tomadores finais de empréstimos de uma enorme porção de fundos emprestáveis. Os bancos por toda a parte emprestaram aos governos porque se tornara inseguro emprestar a praticamente qualquer outro mutuário. Os governos por toda a parte utilizaram o dinheiro emprestado para resgatar bancos e outras empresas financeiras.
Esta peculiar "nacionalização" da dívida serviu ao capitalismo tendo o governo temporariamente a função de concessor e tomador de último recurso de empréstimos. A nacionalização descongela o sistema de crédito suficientemente para travar a crise impedindo o colapso do capitalismo global. Poucos decisores políticos (e poucos outros) em 2008 e princípio de 2009 preocuparam-se muito acerca das consequências de aumentar dívidas do governo tão maciçamente. O assomar do possível colapso do sistema capitalista sobrepujou preocupações acerca de qualquer "longo prazo".
Os bancos internacionais que foram resgatados (dos seus próprios maus empréstimos e investimentos) pelos governos agora receiam que os governos a que eles emprestaram não sejam capazes de reembolsá-los. Os bancos ameaçam tornar outra vez os empréstimos muito mais custosos ou mesmo impossíveis a menos que tais governos imponham "austeridade". A maior parte dos líderes políticos reconhece que as ameaças dos bancos, se executadas sob a supervisão deles, acabaria com as suas carreiras rapidamente e de mau modo. Todos os capitalistas vêm em possíveis incumprimentos governamentais o espectro de um outro congelamento de crédito com terríficas ramificações para o capitalismo global. Pior ainda para os bancos: governos em incumprimento provavelmente não seriam capazes de tomar emprestado outra vez para resgatar bancos mais uma vez.
Praticamente todos os atuais líderes políticos dos principais países capitalistas responderam positivamente ao pedido dos bancos por austeridade (como na recente reunião do G-20 no Canadá). Isto imediatamente levantou um conflito político básico sempre em lume brando dentro do capitalismo: quem pagará impostos acrescidos e quem sofrerá a redução de despesas do governo? Militantes na Europa já marcharam e manifestaram-se contra a austeridade como um plano inaceitável para fazer os trabalhadores pagarem o estrago das crises capitalistas; mais greves gerais estão previstas em muitos países europeus com uma greve geral à escala europeia agora programada para 29 de Setembro . Enquanto isso, capitalistas trabalham com políticos para definir como programas de austeridade "razoáveis em tempos de crise" combinariam aumentos de impostos (principalmente sobre trabalhadores) e cortes em despesas (principalmente sobre trabalhadores).
Como disse um camionista de Atenas: "Empregados públicos aqui não trabalham bastante duro, então é razoável cortar o seu pagamento". Um empregado administrativo de Partis considera "razoável adiar alguns anos a idade oficial de reforma; todos nós agora vivemos mais". Um empregado de escritório de Minneapolis concorda em que é "razoável, em tempos de crise, aguentar com menos serviços públicos". Um técnico de laboratório de Nova York apoia um novo imposto sobre telemóveis considerando-o "provavelmente razoável; afinal de contas as pessoas utilizam-no demasiado". Notavelmente, tais noções de "razoabilidade" silenciam acerca de outras possíveis e, para dizer o mínimo, mais "razoáveis" formas de austeridade.
Vamos considerar algumas espécies "razoáveis" de alternativas de austeridade (isto é, austeridade para outros) e então questionar a austeridade para si próprio. Esforços sérios para arrecadar impostos sobre o rendimento de corporações multinacionais baseadas nos EUA, especialmente aquelas que utilizam mecanismos internos de fazer preço para escapar à tributação estado-unidense, gerariam amplas novas receitas federais. O mesmo se aplica a indivíduos ricos. Os EUA não têm qualquer imposto federal sobre haveres em acções, títulos e contas à ordem (estados e localidades tão pouco impõem tais impostos sobre a propriedade). Se o governo federal impusesse um imposto de 1 por cento sobre ativos entre US$100 mil e US$499 mil, e de 1,5 por cento sobre ativos acima de US$500 mil, isso arrecadaria muita nova receita federal (os primeiros US$100 mil de toda a gente podiam ser isentos assim como o imposto sobre o rendimento atual isenta os primeiros poucos milhares de dólares de rendimento individual). Sair dos desastres do Iraque e do Afeganistão faria algo semelhante. Acabar com isenções de impostos para instituições educacionais privadas super-ricas (Harvard, Yale, etc) e para instituições religiosas (os frequentadores precisariam então pagar os custos das suas igrejas) estariam entre as muitas outras medidas de austeridade alternativa "razoáveis". Alternativas comparáveis aplicam-se – e há lutas em seu favor – em outros países.
Uma crise capitalista que gera uma crise tão maciça, propaga-a a nível global, e assim propor austeridade em massa para "ultrapassá-la" perdeu o direito a continuar incontestado. Não deveríamos nós estar a debater publicamente se a América (e o mundo) podem ficar melhor servidos ultrapassando o capitalismo? Podemos nós não aprender com os repetidos ciclos (fracassos) do capitalismo e mudar para um novo sistema, não capitalista? Tendo aprendido duras lições com as primeiras tentativas socialistas durante o século passado na Rússia, na China e alhures, podemos nós não nos levantarmos para o desafio de fazer uma nova tentativa que evite as suas falhas e construa sobre as suas forças? Quando melhor senão agora?
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[*] Professor de Economia na Universidade de Massachusetts – Amherst e professor visitante na New School University em Nova York. Autor de muitos livros e artigos , incluíndo (c/ Stephen Resnick) Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR (Routledge, 2002) e (c/ Stephen Resnick) New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006). Acerca da crise económica actual ver o seu filme documentário Capitalism Hits the Fan, em www.capitalismhitsthefan.com .
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/2010/wolff030710.html http://vimeo.com/1962208 http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=11577
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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