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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, julho 09, 2010

Por um Sonegômetro






Capital pego com a mão na botija apela por ordem legal


O título parece um paradoxo e é. O capital adora um sigilo para poder circular livremente pelo mundo, e, principalmente, escapar de taxações, mas se arrepia quando seus dados são descobertos e se tornam passíveis de fiscalização pelos Estados, a quem costumam ludibriar. E apela até para questões legais, como se o que fizesse não fosse burlar constamente as leis.

O Valor reproduz hoje uma história incrível, publicada originalmente pelo The Wall Street Journal, em que dois funcionários da área de private banking do HSBC forneciam uma extensa lista de clientes com contas na Suíça, oferecidas por e-mail anônimo com o sugestivo assunto “Evasão fiscal, lista de clientes disponível.”

Os e-mails foram enviados para as polícias alemã e francesas e para autoridades britânicas. Com base nos dados que acabou apreendendo na casa do funcionário do HSBC, no sul do país, o fisco francês recuperou 1 bilhão de euros em impostos sonegados e promete enviar os dados a outros países que queiram encontar sonegadores.

A Suíça entrou em pânico e quer barrar as investigações. Para uma país que vive do setor bancário, que movimenta US$ 2 trilhões, principalmente em contas secretas, ver reveladas as sonegações que acoberta é perigoso. Não que se envergonhe, apenas prejudica os negócios que cuidam com tanto zelo. Na Suíça, abrir dados bancários é crime. Assim, muito do dinheiro podre do mundo, proveniente do tráfico de drogas e armas e de ditadores e governantes corruptos, acaba nos bancos suíços.

“Se os governos estão no mercado de compra de dados ilegais, isso munda o mundo”, afirmou o presidente do UBS, Oswald Grubel. O que muda o mundo, senhor banqueiro, é o fim da impunidade das contas secretas, que o atual caso revela que tipo de dinheiro esconde.

A Suíça diz que não vai colaborar com nenhuma investigação com base no que considera um arquivo roubado, mas o promotor de Nice, Thierry de Montgolfier, não quer nem saber a origem dos dados. “O que importa para mim é se esses dados são genuínos e confiáveis. Até agora, não tenho dúvida de que são os dois.”

Itália, Espanha e Inglaterra estão investigando os dados e novos sonegadores tendem a aparecer. Os Estados nacionais travam uma luta de gato e rato contra sonegadores, que pouco se importam com as realidades de seus países e com a legalidade. Após uma longa batalha judicial, o UBS foi obrigado a entregar este ano a autoridadaes norte-americanas os nomes de 4.450 contribuintes dos EUA que evadiam impostos e escondiam o dinheiro na Suíça.

O episódio atual é apenas um pequeno golpe no negócio bancário das contas secretas, mas extremamente revelador do que elas protegem. O fim dos paraísos fiscais seria uma medida saneadora para o mundo, mas ela contradiz uma das máximas do capital, que é a de não ter pátria. Assim, ele ataca e rouba os Estados nacionais sem a menor culpa.

dotijolaço

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