Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, agosto 17, 2010

O trabalhismo nunca morre











Emir Sader

Este é um momento bom para ler a imprensa – que é a pior coisa que o Brasil tem. Um momento cômico.

Como explicar que, tendo razão em tudo o que escrevem há anos, e dispondo de um candidato insuperável, contra um “poste”, se aproximam de uma catástrofe irremediável?

As explicações não faltam, algumas conhecidas, outras criativas. A imaginação e a racionalização não têm limites para quem não quer reconhecer que estão de costas para a realidade.

Para alguns, apegados a uma leitura esperançosa do final do primeiro turno de 2006, nem tudo estaria perdido. Não se dão conta do que mudou de 2006 para 2010 no Brasil. Se apóiam na suposta onipotência da manipulação midiática, que lhes rendeu frutos, quando a Globo deixou de dar o até então mais grave acidente aéreo no Brasil, para ressaltar um foto que teria lhes rendido o segundo turno. Não se dão conta que o seu repertório se esgotou – repetem “a terrorista”, as Farc, etc., etc., – e já não surte efeitos.

É que o problema de fundo: a situação social do país mudou e isso é o fator fundamental da vitória da Dilma. às vezes tentam negar o óbvio – os programas sociais do governo são uma farsa – outras, se atribuem os méritos – fomos nós (eles) que estabilizamos a economia e começamos essas políticas. Então resta ao povo mal agradecido ou enganado, não reconhecer esses méritos.

Desalento, bronca com os partidos do bloco direitista, denúncia da suposta utilização da máquina do Estado – esse o tom atual, quando a derrota de avizinha de forma irremediável. Artigos dirigidos diretamente ao candidato, à direção dos partidos que o apóiam. Outros, de ódio, dirigidos ao Lula, à Dilma, aos que a apóiam.

Mas o principal é que lhes falta a consciência de classe do que fizeram com este país ao longo do tempo. Com ditadura e com democracia, com a direita tradicional e com a nova direita, com os militares, com Sarney, com Collor e com FHC. Governavam aparentemente sem riscos, primeiro com a força das armas, depois com a força dos monopólios, em particular com a da imprensa. Quase tudo parecia sob controle.

A virada internacional de 1989 lhes deu ainda mais segurança de que seus tempos seriam infinitos. A esquerda parecia derrotada e desmoralizada. Já não era necessário nem o Estado de bem estar social, nenhum risco os assustaria mais. Poderiam aparecer agora como os “modernos”, deixaram para os outros o passado, acusá-los de “jurássicos”.

Foram vitimas dos seus próprios enganos. A esquerda nasce e renasce das próprias contradições do capitalismo, o socialismo é antes de tudo o anti-capitalismo. Inconscientes, promoveram o capitalismo no seu estado mais puro: a generalização das relações mercantis. Chega de Estado, de regulação econômica, de políticas sociais, de concessões a forças populares que já não teriam futuro. Trataram de fazer com que, definitivamente, nossas sociedades passassem a ser verdadeiros shopping-centers, em que tudo se vende, tudo se compra, tudo tem preço, tudo é mercadoria. Voltada para poucos, mas exibindo as riquezas e o luxo para todos, para mantê-los atrelados à quimera de um dia ter acesso e acenando sobre a única felicidade possível – a de ter acesso a esses bens de ultima geração.

Até intelectuais, outrora críticos, foram se conformando a ter que conviver com o capitalismo, que passava a parecer então um destino inexorável. Optam pelo liberalismo, como se se tratasse da forma mais “civilizada” do capitalismo, dão as costas para a grande maioria da nossa população, produzida e reproduzida como pobre pelo capitalismo.

A mídia coopta os que se deixam levar pela vaidade de uma aparição pública, ao preço de voltar-se contra a esquerda, contra os sindicatos, contra as lutas populares. No caso do Brasil, contra o governo Lula, contra o PT, contra as centrais sindicais, contra o MST, contra as universidades públicas, contra tudo que apareça como alternativa à sociedade mercantil que eles produzem e reproduzem.

Há um coro de choradeira, de desalento, de frustrações, que prenuncia uma derrota de grandes proporções.

Eles não podem se dar conta do essencial: os brasileiros caíram na real. Se deram conta que o principal problema do país é a desigualdade, a injustiça. Se deram conta, na comparação entre o governo FHC e o governo Lula, das diferenças substanciais, em todos os planos, a favor deste. Que o primeiro governou para poucos e que Lula governa para todos, privilegiando os mais necessitados. Simples. Inquestionável. Essa a causa do apoio inédito do governo Lula e da liderança da Dilma nas pesquisas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário