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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, novembro 06, 2010

OAB nacional e de SP repudiam ofensas a Nordeste



‘É racismo, mas contra a procedência’, diz Ophir. No Facebook, usuários criam ato pela região amanhã

O GLOBO

Após a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Pernambuco ter entrado, anteontem, com notíciacrime contra os ataques aos nordestinos no Twitter em protesto à eleição de Dilma Rousseff, no domingo, agora a OAB nacional e a seção de São Paulo reagiram às mensagens. A OABSP divulgou nota repudiando os ataques, que teriam sido iniciados pela estudante de Direito Mayara Petruso, de São Paulo. A OAB-PE entrou com notícia-crime no Ministério Público Federal em São Paulo contra Mayara, por crime de racismo e incitação pública de prática de crime.
“Não podemos tolerar atitudes xenofóbicas, racistas, preconceituosas e intolerantes nas redes sociais”, afirma, na nota, o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D’Urso, que continua: “Insultar ou pedir a morte, de quem quer que seja, receberá nosso repúdio, especialmente vindo de uma estudante de Direito que, ao invés de buscar a paz social, por divergência política incitou outras pessoas ao ódio, cujo alvo foram os nossos irmãos do Nordeste”.
D’Urso destaca que “a reação generalizada de repúdio da sociedade sirva de exemplo a essa estudante e aos demais usuários dos sites de relacionamentos, para que tenham responsabilidade sobre as opiniões que expressam e o que escrevem”. No domingo, Mayara divulgou no Twitter frases como “Nordestino não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado!”.
O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, também condenou ontem as ofensas: — Temos que lamentar esse tipo de conduta. É uma espécie de racismo, mas contra a procedência. Um crime previsto, por exemplo, na lei 7.716/89, que já falava em punir a prática e a incitação de discriminação de raça, cor, religião e também procedência.
Presidente da OAB-RJ, Wadih Damous disse que hoje a seção Rio da OAB também divulgará nota se solidarizando à OAB-PE e condenando as mensagens: — Se essa estudante hoje tentasse ingressar na Ordem do Rio, eu indeferiria a inscrição.
Também ontem, usuários do Facebook começaram a divulgar ato em favor do Nordeste amanhã, “Dia do orgulho nordestino”.
Segundo o perfil de uma participante, amanhã devem ser postados “links, poesias, imagens qualquer coisa relacionada a essa maravilhosa região”. Até ontem, o ato tinha 1.830 usuários confirmados. No Twitter, os hashtags “#orgulhodesernordestino” e “#oab” já apareceram entre os mais citados da rede.
Apesar das mensagens contra o Nordeste no Twitter afirmarem que a região teria eleito Dilma, na verdade mesmo se os eleitores de Norte e Nordeste fossem excluídos, Dilma seria eleita, por diferença de 275 mil votos.
*luisfavreontem

Mais de 1.500 pessoas serão investigadas por racismo

Denuncie todo caso de intolerância e racismo
Polícia de SP abre inquérito para investigar suposto crime de racismo no Twitter. Um inquérito foi instaurado hoje pela delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância.
A Delegada pede que se denuncie todo caso de intolerância, racismo e preconceito, enviando fotos e nomes de perfis da rede social.
A Polícia Civil de São Paulo vai investigar a estudante Mayara Petruso e outras 1.500 pessoas suspeitas de praticar racismo contra nordestinos no Twitter.
Um inquérito foi instaurado hoje pela delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância para apurar o suposto crime cometido pela garota e a responsabilidade por um manifesto virtual intitulado "São Paulo para os paulistas", que, dentre outras coisas, diz reivindicar "o fim da repressão ao paulista sobre o tema da migração em sua própria terra".
O manifesto já foi assinado por quase 1.500 pessoas, que também podem vir a responder, como a estudante de direito, pelo crime de incitação ao racismo.
A garota poderá ser indiciada também por incitação ao crime por ter pedido no Twitter que seus seguidores "matassem um nordestino afogado".
Se condenada por incitação ao racismo, poderia pegar de dois a cinco anos de prisão. No caso da incitação ao crime, a pena é de três a seis meses de prisão ou multa.
É a primeira vez que a delegacia de crimes raciais de São Paulo vai investigar um caso de preconceito no Twitter.
Segundo a delegada Margarette Barreto, a apuração de autoria de crimes é mais difícil no mundo virtual porque os usuários costumam apagar seus perfis nas redes sociais quando casos polêmicos ganham notoriedade.
"Vamos fazer um trabalho sério dentro das possibilidades de prova", diz.
A delegada espera concluir a investigação em até três meses e afirma que os usuários das redes sociais podem contribuir com a polícia imprimindo imagens de frases de outros usuários que incitem o preconceito ou o crime e encaminhando-as à polícia.
Telefones
Estado de São Paulo 0800-15-63-15
São Paulo e região metropolitana 181
Pela Internet:
Denuncie por este link
Este serviço centralizado permite que qualquer pessoa forneça à polícia informações sobre delitos e formas de violência, com absoluta garantia de anonimato.

Pai envergonhado com a filha concede entrevista ao iG

Pai da estudante processada por discriminação se diz envergonhado
A pedido da OAB e da Procuradoria da República, Mayara Petruso será investigada por comentários contra nordestinos na internet
O empresário Antonino Petruso, morador de Bragança Paulista, no interior de São Paulo, soube pelos jornais que a filha mais nova, Mayara Penteado Petruso, está sendo alvo de investigação pela Procuradoria Geral da República por crime de preconceito. Ela é a estudante de Direito que, finalizada a apuração que apontou Dilma Rousseff (PT) como nova presidenta do Brasil, desancou a postar frases de preconceito e discriminação contra o povo nordestino na internet.
Nas frases postadas na rede de microblogs Twitter e no Facebook, a jovem sugere o extermínio dos nordestinos e pede o fim do direito de voto para quem não mora na região Sudeste.
Antonino Petruso se disse “surpreso, decepcionado e envergonhado” pela atitude da filha e lamentou que a menina tenha se deixado influenciar pelo “acirramento” do debate eleitoral. “Nunca fui chegado a política e nunca ensinei nada disso para as minha filhas. Tenho um enorme respeito pelos nordestinos e é graças a eles que consigo das uma vida digna para minha família e pagar a faculdade da Mayara”, disse Petruso ao iG, em entrevista por telefone.
Petruso é dono de uma rede de supermercados de Bragança e diz que tem vários clientes e empregados de origem nordestina. Pai de quatro filhos, ele trabalha mais de 15 horas por dia para administrar o negócio herdado do pai. Nos últimos anos, em virtude da melhora da economia, viu os negócios melhorarem graças às políticas econômicas do governo Lula. “Tenho muita simpatia pelo Lula. Ele não resolveu tudo, mas fez um excelente governo. Se a Mayara tivesse me consultado, teria pedido para ela votar na Dilma. Entre todos os candidatos, ela era a melhor opção para o País”, afirmou o empresário.
Relacionamento
Mayara é filha de um relacionamento de Antonino fora do casamento. Embora o empresário financie os estudos e a moradia da jovem em São Paulo, ele narra que o relacionamento com a filha é um pouco distante. “Desde quando ela foi morar em São Paulo, pouco nos falamos. Duas outras filhas também moraram na capital nesses últimos anos, mas ela não mantinha contato nenhum com as irmãs nesse período”, contou.
Desde quando soube do caso, Antonino tenta encontrar a filha para saber o que de fato aconteceu, mas não consegue localizá-la. Após tentar fazer contato com a garota pelo celular e até ligar para a mãe dela, não obteve retorno e se disse preocupado com o que possa estar acontecendo. “A internet tem muito problema de hacker. Eu mesmo já tive o e-mail invadido por eles.
Quero ouvir dela o que está acontecendo. Se ela fez mesmo essas coisas graves que os jornais estão dizendo, terá que pagar e responder na Justiça”, disse o pai. “Sou contra qualquer tipo de discriminação. É o pior crime possível e estou muito chateado que a minha filha esteja envolvida nesse tipo de coisa”, desabafou.
Mayara é estudante do sexto semestre de Direito da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas). Transferida de uma faculdade da região do Pari, passou a frequentar as aulas no campus da Liberdade apenas neste ano, no período noturno.
Na sala 203, no segundo andar, a estudante sentava no fundo da classe e conversava com alguns poucos colegas de classe, em virtude do pouco tempo na turma. Apesar de muito jovem, com 21 anos, ela já estagiava em um escritório de advocacia durante o dia, mas foi despedida da empresa por causa do episódio. Na classe, os colegas mais próximos dizem que a jovem nunca soltou qualquer comentário preconceituoso e mantinha o respeito com todos os colegas.
“Era uma jovem sorridente e concentrada nos estudos. Conversava com todo mundo que vinha puxar papo com ela, mesmo aqueles de origem nordestina”, disse o estudante identificado apenas como Carlos, que sentava na frente da jovem e fez trabalhos com ela pelo menos duas vezes neste ano.
“Acho que ela foi ingênua e infeliz ao fazer esse tipo de comentário. Foi uma coisa muito feia o que ela disse, mas sei que ela não deve ter agido por mal”, disse outra colega que se identificou como Aline.
A história de Mayara ecoou entre os alunos da FMU e foi o principal assunto nesta quinta-feira, data que a reportagem do iG esteve na faculdade. No intervalo, nos elevadores e em todas as salas de aula, as pessoas buscavam identificar quem era a garota apelidada de “Geyse da FMU”, em referência ao episódio da estudante Geyse Arruda, que foi hostilizada por colegas da Uniban por frequentar as aulas com um vestido cor de rosa curtíssimo.
“A Mayara é a maior celebridade do curso de Direito hoje”, brincou um jovem durante o intervalo das aulas, numa roda com outros cinco jovens do terceiro ano.
“Desde o dia em que o episódio de preconceito veio a tona, Mayara não apareceu mais na faculdade. As amigas mais próximas dizem que ela não atende ao telefone nem responde e-mails. Uma delas chegou até a visitar a república onde Mayara mora com outras duas amigas, mas foi informada de que a jovem teria voltado para Bragança, para a casa da mãe.
Os colegas de sala temem que ela abandone o curso. Todos lamentaram o episódio e disseram até que sentem dó pelo que Mayara está passando. “Ela é muito novinha. Não deve estar sendo fácil enfrentar toda essa pressão”, afirmou a representante de sala.
‘Case’ de Direito
O caso da jovem de Bragança Paulista está sendo tratado pelos professores como “case” das aulas de Direito Civil. Segundo os alunos, alguns professores até analisaram o caso da jovem pela ótica jurídica. “Um dos professores afirmou que ela pode responder processo por incitação à violência e discriminação”, disse Rafael Prado, estudante do quarto ano de Direito. “Os professores estão usando o caso para alertar os alunos sobre os limites da internet. É capaz até de as aulas de Direito Eletrônico ficarem mais animadas”, brincou o estudante.
Ameaças e preconceitos
A Segurança da FMU também está em alerta. Para evitar que a jovem sofra qualquer tipo de hostilidade caso volte às aulas, os seguranças passam pela sala 203 na hora da entrada, do intervalo e na saída. Numa dessas rondas, a reportagem do iG foi flagrada dentro da sala de aula, ouvindo os colegas da jovem na hora do intervalo. Ao convidar o repórter a se retirar da faculdade, um dos seguranças disse que os responsáveis pela segurança estão em alerta total porque um jovem de origem nordestina invadiu a universidade da última quarta, ameaçando agredir Mayara. “A sorte é que ela não tem vindo às aulas”, disse um dos seguranças.
O pai de Mayara afirma que o episódio causou muitos problemas para a família. Além de assunto entre a maioria dos jovens de Bragança, uma das irmãs de Mayara tem sido alvo de críticas e comentários preconceituosos na faculdade onde estuda, em Bragança. A jovem confessou ao pai que alguns professores também têm destratado a moça em virtude do episódio. “Gostaria que as pessoas não confundissem as coisas por causa de um sobrenome. A Mayara tem 21 anos e responde por seus atos. O que ela fez foi muito grave, mas nós, familiares, só podemos lamentar e ajudá-la a se livrar desse preconceito ruim”, avalia o pai. “Os que confundem as coisas, incorrem num erro ainda mais grave que o da minha filha”, sentencia.
Desculpas da família
Antonino Petruso soube pelo iG que a filha não está frequentando a faculdade. Com problemas de visão que o impedem de dirigir, o empresário deve viajar a São Paulo no final de semana com uma das filhas para encontrar a filha e tentar orientá-la.
A Procuradoria Regional da República de São Paulo já solicitou ao Ministério Público Federal (MPF) que abra investigação contra Mayara. O processo foi encaminhado para a procuradora Melissa Garcia Blagitz Abreu e Silva, do Grupo de Combate aos Crimes Cibernéticos).
O pai da jovem promete contratar um advogado para ajudar a filha, mas ressalta que a jovem terá que responder por seus atos. “Preconceito é um crime inaceitável. Se ela fez isso mesmo, terá que pagar. Como pai, peço apenas desculpas aos nordestinos, do fundo do meu coração. Amo o Nordeste e todos os nordestinos merecem o meu respeito”, declarou Antonino Petruso.
Lá fora
O caso chegou a repercutir na imprensa internacional. O site do jornal britãnico The Telegraph publicou reportagem do seu correspondente no Brasil a respeito do assunto. A matéria diz que se a jovem for condenada pela Justiça, poderá pegar uma pena de dois a cinco anos de prisão por racismo. Ou então, de três a seis meses – ou multa – por incitar o assassinato na internet.

Rodrigo Rodrigues, iG São Paulo


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