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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, novembro 02, 2011

Câncer do Lula.
O Brasil que odeia



O Conversa Afiada reproduz excelente artigo de Maria Inês Nassif, a partir do Blogger:

O JORNALISMO-URUBÚ E A DOENÇA DE LULA


Guia de boas maneiras na política. E no jornalismo

Maria Inês Nassif

A cultura de tentar ganhar no grito tem prevalecido sobre a boa educação e o senso de humanidade na política brasileira. E o alvo preferencial do “vale-tudo” é, em disparada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por algo mais do que uma mera coincidência, nunca antes na história desse país um senador havia ameaçado bater no presidente da República, na tribuna do Legislativo. Nunca se tratou tão desrespeitosamente um chefe de governo. Nunca questionou-se tanto o merecimento de um presidente – e Lula, além de eleito duas vezes pelo voto direto e secreto, foi o único a terminar o mandato com popularidade maior do que quando o iniciou.


A obsessão da elite brasileira em tentar desqualificar Lula é quase patológica. E a compulsão por tentar aproveitar todos os momentos, inclusive dos mais dramáticos do ponto de vista pessoal, para fragilizá-lo, constrange quem tem um mínimo de bom senso. A campanha que se espalhou nas redes sociais pelos adversários políticos de Lula, para que ele se trate no Sistema Único de Saúde (SUS), é de um mau gosto atroz. A jornalista que o culpou, no ar, pelo câncer que o vitimou, atribuindo a doença a uma “vida desregrada”, perdeu uma grande chance de ficar calada.


Até na política as regras de boas maneiras devem prevalecer. Numa democracia, o opositor é chamado de adversário, não de inimigo (para quem não tem idade para se lembrar, na nossa ditadura militar os opositores eram “inimigos da pátria”). Essa forma de qualificar quem não pensa como você traz, implicitamente, a ideia de que a divergência e o embate político devem se limitar ao campo das ideias. Esta é a regra número um de etiqueta na política.


A segunda regra é o respeito. Uma autoridade, principalmente se se tornou autoridade pelo voto, não é simplesmente uma pessoa física. Ela é representante da maioria dos eleitores de um país, e se deve respeito à maioria. Simples assim. Lula, mesmo sem mandato, também o merece. Desrespeitar um líder tão popular é zombar do discernimento dos cidadãos que o apoiam e o seguem. Discordar pode, sempre.


A terceira regra de boas maneiras é tratar um homem público como homem público. Ele não é seu amigo nem o cara com quem se bate boca na mesa de um bar. Essa regra vale em dobro para os jornalistas: as fontes não são amigas, nem inimigas. São pessoas que estão cumprindo a sua parte num processo histórico e devem ser julgadas como tal. Não se pode fazer a cobertura política, ou uma análise política, como se fosse por uma questão pessoal. Jornalismo não deve ser uma questão pessoal. Jornalistas têm inclusive o compromisso com o relato da história para as gerações futuras. Quando se faz jornalismo com o fígado, o relato da história fica prejudicado.


A quarta regra é a civilidade. As pessoas educadas não costumam atacar sequer um inimigo numa situação tão delicada de saúde. Isso depõe contra quem ataca. E é uma péssima lição para a sociedade. Sentimentos de humanidade e solidariedade devem ser a argamassa da construção de uma sólida democracia. Os formadores de opinião tem a obrigação de disseminar esses valores.


A quinta regra é não se deixar contaminar por sentimentos menores que estão entranhados na sociedade, como o preconceito. O julgamento sobre Lula, tanto de seus opositores políticos como da imprensa tradicional, sempre foi eivado de preconceito. É inconcebível para esses setores que um operário, sem curso universitário e criado na miséria, tenha ascendido a uma posição até então apenas ocupada pelas elites. A reação de alguns jornalistas brasileiros que cobriram, no dia 27 de setembro, a solenidade em que Lula recebeu o título “honoris causa” pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris, é uma prova tão evidente disso que se torna desnecessário outro exemplo.


No caso do jornalismo, existe uma sexta regra, que é a elegância. Faltou elegância para alguns dos meus colegas.


(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo

*PHA

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