Classismo, sexismo, escravismo, racismo, xenofobismo, homofobismo e especísmo
O
teocentrismo dominou o pensamento ocidental por mais de mil anos. O
livro do Gênesis descreve a criação do mundo por Deus da seguinte forma:
No primeiro dia, Deus criou a luz. No segundo dia, criou o firmamento.
No terceiro dia, separou as águas da terra e mandou a terra fornecer
ervas, plantas e árvores frutíferas. No quarto dia, criou luzes no
firmamento para separar a luz da escuridão e marcar dias, estações e
anos. No quinto dia, mandou o mar se encher de criaturas vivas e os
pássaros voarem pelos ares. No sexto dia, mandou a terra produzir
criaturas vivas (animais domésticos, répteis e animais selvagens segundo
as diversas espécies) e, por último, criou o ser humano (primeiro o
homem e depois a mulher) à sua própria imagem e semelhança, ordenando:
"Frutificai, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre
os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se
arrastam sobre a terra." No sétimo dia Deus descansou.
Esse
teocentrismo traz em seu bojo uma visão antropocentrica
(teo-antropocentrismo), pois, segundo esse mito do surgimento do mundo, o
ser humano foi criado à imagem de Deus, possuindo uma missão de se
multiplicar e dominar a Terra e todas as espécies vivas do mundo. Mas,
na tradição bíblica, embora o “Homem” tenha sido criado à imagem e
semelhança de Deus ele não possui os poderes divinos, já que foi
condenado a ter uma vida de sofrimentos na Terra, devido ao Pecado
Original que provocou a expulsão de Adão e Eva do Paraíso. Somente pelo
esforço, as penitências, as orações, os sacrifícios e muito trabalho o
ser humano poderia conseguir a reabilitação divina e atingir, depois da
morte, a vida eterna no paraíso perdido. A principal lição do
teocentrismo-antropocentrico é que a natureza - criada por uma Força
Superior – é imutável e que o ser humano é incapaz de alterar a ordem
natural do mundo e tampouco a sua própria condição na Terra. Além do
mais, a ordem hierarquica da natureza se reproduzia na sociedade humana,
sendo que os reis (e a nobreza) tinham seus privilégios e riqueza
atribuídos à origem divina e o clero tinha os privilégios de quem,
supostamente, possuia contato direto com as leis divinas.
O
renascimento, o empiricismo e o iluminismo foram movimentos que
surgiram, no início da idade moderna, para se contrapor ao teocentrismo e
ao poder das religiões sobre os costumes, a organização social e a
ciência. Ajudados pela Reforma Protestante e por uma nova classe social
que não estava ligada à renda da terra, mas sim ao comércio
internacional e à industria, estes movimentos provocaram uma onda de
revoluções, cujos eventos mais marcantes foram a Revolução Gloriosa
(1688), na Inglaterra, a Independência dos Estados Unidos (1776) e a
Revolução Francesa (1789).
Com
base no empirismo e no iluminismo os pensadores progressistas dos
séculos XVII e XVIII buscaram combater os preconceitos, as superstições e
a ordem social do antigo regime. Trocaram o teocentrismo pelo
antropocentrismo. Ao invés de uma natureza incontrolável e caótica,
passaram a estudar suas leis e entender o seu funcionamento. Associavam o
ideal do conhecimento científico com as mudanças sociais e políticas
que poderiam propiciar o progresso da humanidade e construir o “paraíso
na terra”.
Entre os pensadores
iluministas podemos encontrar aqueles que eram contra os privilégios da
nobreza (classismo), contra a escravidão (escravismo), contra o racismo,
contra os privilégios masculinos sobre os femininos (sexismo) e contra o
preconceito contra estrangeiros e migrantes (xenofobismo).
Os
pensadores iluministas buscaram substituir o Deus onipresente e
onipotente da religião e das superstições populares pela Deusa Razão.
Eles acreditavam que semeando razão se colheria progresso. De fato, as
idéias iluministas foram fundamentais para o avanço da educação, da
ciência e tecnologia e para o desenvolvimento econômico dos povos do
mundo. Porém, a forma concreta como isto se deu foi por meio da
Revolução Industrial e todas as suas consequências.
Na
prática novas relações sociais foram implementadas com o
desenvolvimento da sociedade industrial e o classismo, o sexismo, o
racismo e o xenofobismo foram reconfigurados. O escravismo foi abolido
oficialmente no final do século XIX e o Brasil foi o último país a
acabar com a escravidão legal (embora ainda haja escravidão em escala
local).
Na verdade, a razão e o
progresso não foram implementados para o conjunto da humanidade e muito
menos para o conjunto dos seres vivos do Planeta. O novo
antropocentrismo passou a utilizar a razão, não como uma fonte
substantiva de pensamento finalistico e valorativo, mas sim como uma
razão instrumental a serviço da dominação da natureza e das espécies e
dos diversos segmentos da população humana. Assim como muitos crimes e
guerras foram cometidos em nome de Deus, também muitos crimes e guerras
foram cometidos em nome da Deusa Razão.
O
mundo continua um lugar perigoso, desigual e sem um rumo razoavelmente
definido. Mas entre os avanços conquistados, diveros estão consolidados
na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Os quatro
primeiros artigos da Declaração dizem o seguinte:
1°
- Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em
direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os
outros em espírito de fraternidade.
2°
- Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades
proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente
de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou
outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de
qualquer outra situação.
3° - Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
4°
- Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o
trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos.
Um
item que ainda está longe de conseguir legitimidade e uma legislação
adequada é o combate ao homofobismo e a todas as manifestações de
homofobia. Mas em outras áreas houve grandes avanços, embora a
civilização humana ainda esteje longe de tratar todos os seus membros de
forma justa e igualitária. Porém, existem instrumentos para se combater
as discriminações adivindas do classismo, escravismo, sexismo,
xenofobismo e homofobismo.
Contudo,
permanece a velha concepção antropocêntrica que se manifesta na
separação entre natureza e cultura e na falta de instrumentos para
combater o especísmo. Ou seja, o ser humano continua a discriminar os
animais sencientes, utilizando-os para a alimentação, para diversos usos
e a prática da “escravidão animal”. Muitas pessoas ainda acreditam que
pelo simples fato de serem humanos e racionais possuem mais direitos e
maior poder sobre a vida de outros seres vivos de outras espécies. É a
racionalidade instrumental a serviço do egoísmo humano e em nome da
dominação e exploração de outras espécies.
Ou
seja, é preciso colocar um fim ao especísmo. Os Direitos Humanos não
podem estar em contradição e em conflito com os direitos da Terra e os
direitos da biodiversidade. A humanidade precisa saber utilizar a sua
racionalidade, não para a dominação e a exploração predatória da Terra e
das demais espécies vivas, mas é preciso saber utilizar a razão para a
convivência pacífica e harmoniosa entre todos os seres vivos do Planeta.
*comtextolivre
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