Mensalão do PT não chega aos pés da privataria tucana
Eduardo Guimarães
O ano novo começa com a promessa de
uma disputa dolorosa para o país. O Brasil atravessará 2012 discutindo
se quem roubou mais foram os petistas e aliados envolvidos no
escândalo do mensalão ou se foram os tucanos envolvidos nas denúncias
contra as privatizações de patrimônio público durante o primeiro
governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Nos
próximos meses, portanto, o escândalo petista e o tucano estarão na
berlinda midiática, o que irá desencadear uma verdadeira guerra
política, pois os meios de comunicação aliados à oposição tentarão usar o
julgamento do mensalão para interferir nas eleições municipais.
Como
o inquérito do mensalão deve ser julgado durante o processo eleitoral
deste ano, prevê-se que a imprensa deve tentar pressionar o Supremo
Tribunal Federal a condenar expoentes governistas de forma a ajudar
PSDB, DEM e PPS a elegerem governos municipais a fim de driblarem o
processo de enfraquecimento pelo qual esses partidos vêm passando, com
significativa redução de suas bancadas no Congresso Nacional.
Por
outro lado, a base aliada, fustigada em 2011 por denúncias da mídia
oposicionista contra ministros indicados pelos partidos que apoiam o
governo federal, parece disposta a não apanhar sem reação. O previsível
uso político-eleitoral do julgamento do mensalão fará os governistas
se empenharem na CPI da Privataria, que já tem as assinaturas
necessárias e já está protocolada na Mesa Diretora da Câmara dos
Deputados.
Independentemente da
tragédia que será a contaminação das eleições de prefeitos e vereadores
devido à tentativa midiático-oposicionista de usar o julgamento do
mensalão como vitamina eleitoral para tucanos e aliados, vale comparar
o escândalo petista ao tucano. Afinal, a imprensa já tomou partido
nessa disputa patética e há anos vem tentando transformar o mensalão no
“maior escândalo de corrupção da história”.
Comparando-se
os dois escândalos, porém, essa teoria se torna risível. O mensalão,
basicamente, teria sido compra de apoio de parlamentares pelo governo
Lula para votarem a favor de suas proposições ao Congresso Nacional. As
cifras envolvidas, no entanto, mal se comparam às que transparecem no
livro A Privataria Tucana.
A tese
do mensalão é a de que a empresa de cartões de crédito Visanet (hoje
Cielo) teria recebido dinheiro público do Banco do Brasil e repassado
às agências de publicidade DNA e SMP&B, do publicitário Marcos
Valério, quem, através do Banco Rural, teria pago mensalidades a
deputados da base aliada do governo Lula.
Segundo
o relator do inquérito do mensalão no Supremo, ministro Joaquim
Barbosa, o montante de recursos públicos que pode ter abastecido o
suposto esquema do mensalão seria de R$ 73 milhões. Esse seria o que a
imprensa oposicionista chama de “maior escândalo de corrupção da
história”.
Abaixo, as
coincidências entre saques no Banco Rural e as votações do Legislativo
que o governo Lula teria vencido por subornar parlamentares e partidos
aliados.
1 – A reforma tributária
aprovada na Câmara em 24 de setembro de 2003 se conectaria a
pagamentos de R$ 1,212 milhão nos dias 23, 25 e 26 daquele mês e ano;
2
– A reforma tributária modificada no Senado em 17 de dezembro de 2003
se conectaria a pagamentos de R$ 470 mil no mesmo dia 17 e no dia 19;
3
– A Medida Provisória (MP) do salário mínimo aprovada na Câmara em 2
de junho de 2004 teria contrapartida de saques de R$ 500 mil no Banco
Rural na mesma data;
4 – A MP do
salário mínimo aprovada em 23 de junho de 2004 na Câmara após passar
pelo Senado coincidiria com saques no total de R$ 200 mil no mesmo dia;
5
– Votação do status de ministro para o presidente do Banco Central
ocorrida em 1º de dezembro de 2004 teria gerado pagamentos no total de
R$ 480 mil em 29 e 30 de novembro daquele ano.
6 – A MP dos Bingos aprovada em 30 de março de 2004 teria gerado pagamentos totais de R$ 200 mil no dia anterior.
7
– A Reforma da Previdência aprovada em primeiro turno na Câmara em 5
de agosto de 2003 teria tido a contrapartida de R$ 200 mil no dia
seguinte.
8 – A Reforma da
Previdência aprovada em 27 de agosto de 2003 teria gerado propinas no
valor de R$ 200 mil aos deputados governistas nos dois dias anteriores,
25 e 26.
9 – A Reforma da
Previdência aprovada no Senado em 26 de novembro de 2003 teria gerado
pagamentos totais de R$ 400 mil no mesmo dia e no dia seguinte.
10
– A Reforma da Previdência aprovada Senado em segundo turno em 11 de
dezembro de 2003 resultaria em pagamentos de R$ 120 mil um dia antes.
O
total de R$ 3,98 milhões sacados por parlamentares no Banco Rural
deixa muito a descobrir sobre o restante dos tais R$ 73 milhões a que
alude o ministro Joaquim Barbosa, mas mesmo que toda essa dinheirama
tivesse sido rastreada – e até já pode ter sido, mas só se ficará
sabendo quando ocorrer o julgamento do mensalão –, mal se compara às
cifras que foram COMPROVADAMENTE pagas aos parentes e assessores de José
Serra em períodos coincidentes com as privatizações do governo FHC.
O
livro-bomba da privataria mostra que valores como os que foram
detectados como tendo sido pagos a deputados “mensaleiros” (R$ 3,98
milhões) chegavam a ser pagos em poucas semanas, durante anos, a
parentes e assessores do ex-deputado, ex-senador, ex-ministro,
ex-prefeito e ex-governador tucano. O total de propinas nas
privatizações, calculado pelo livro, ultrapassa a casa dos 2 bilhões de
reais.
Além disso, as denúncias
contra as privatizações tucanas envolvem gigantescas movimentações
financeiras em paraísos fiscais por meio de contas e subcontas em
instituições financeiras nacionais e estrangeiras envolvidas com
lavagem de dinheiro do terrorismo e do tráfico de dogas. Isso sem falar
no aumento exponencial do patrimônio dos envolvidos.
Pode-se
dizer, tranquilamente, que evidências como as que pesam contra
petistas e aliados no escândalo do mensalão existem muito mais contra
tucanos no escândalo das privatizações. Na verdade, se a régua usada
para acusar os “mensaleiros” tivesse sido usada contra os
“privateiros”, teria havido – ou estaria havendo – também um inquérito
da Privataria no Supremo.
Para
entender por que um escândalo muito maior – que envolve quase cem
bilhões de reais de dinheiro público, o montante das privatizações
tucanas – jamais foi investigado e denunciado como foi o escândalo do
mensalão, há que voltar a agosto de 2007. Então, o ministro do Supremo
Ricardo Lewandovsky foi flagrado por jornalista da Folha de São Paulo
dizendo ao telefone que ele e seus pares haviam acabado de aceitar o
inquérito do mensalão por pressão da mídia, ou, como disse textualmente,
“Com a faca no pescoço”.
Como
se sabe, com exceção da Folha de São Paulo, que dedicou algumas
matérias críticas ao obscuro processo de privatizações do governo FHC, a
grande imprensa, hoje na oposição, jamais incomodou o governo tucano.
Pelo contrário: até por ter comprado boa parte do que foi privatizado
na telefonia, a imprensa defendia furiosamente aquele processo.
Nos
próximos meses, portanto, conforme for se aproximando o julgamento do
mensalão, a imprensa será inundada por pressões contra o Supremo
Tribunal Federal para que, em pleno processo eleitoral, condene
petistas graúdos como José Dirceu a fim de desmoralizar o PT e ajudar o
PSDB e aliados a recuperarem um pouco do poder que vêm perdendo.
Enquanto
isso, assim como a imprensa esconde ou desqualifica o explosivo livro A
Privataria Tucana, deverá tentar esconder ou distorcer a CPI que se
pretende instalar para investigar as denúncias que a obra do jornalista
Amaury Ribeiro Jr. contém. Se o PT e seus aliados não denunciarem
isso, o julgamento do mensalão poderá lhes produzir uma catástrofe nas
urnas.
Se o PT e seus aliados não
se acovardarem, portanto, o país descobrirá que o mensalão está muito
longe de ser o “maior escândalo de corrupção da história”, pois as
privatizações do governo FHC, sim, é que constituem não só o maior
escândalo político do Brasil, mas, muito provavelmente, um dos maiores
do mundo, se não for o maior.
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