Nada mais que o impossível
JANIO DE FREITAS
Cético desde sempre e para sempre, trago aqui meus desejos situados acima de toda possibilidade para 2012
As coisas que podem ser alcançadas, mude ou não o calendário, não
precisam de tantos votos e pedidos na passagem de ano. O impossível
desejado, aí sim, vale empenhar uma esperança contra a sua própria
certeza. Cético desde sempre e para sempre, por natureza e convicção,
trago aqui, para abordar 2012, meus desejos situados acima de toda
possibilidade. Poderiam ser milhares, mas os três selecionados já
sobrecarregam de desesperança as vãs esperanças.
Os três são simples. Tanto que o primeiro é só o desejo de uma pergunta
alheia, que pode mesmo ser silenciosa. Não importaria se a fizesse uma
autoridade paulista em nível estadual ou municipal.
É necessária uma explicação preliminar. Embora a riqueza paulista,
algumas das favelas de São Paulo estão entre as mais desumanas nas
milhares de favelas espalhadas pelo Brasil. Igualam-se, porém, às suas
vizinhas menos degradantes nesta peculiaridade: em nenhum outro lugar as
favelas são tão atingidas por incêndios como as de São Paulo.
A sequência é assombrosa. Ainda que não para os jornais, que nem se
dispõem a substituir uma vulgaridade em suas primeiras páginas (estarei
sendo redundante?) por documentos fotográficos da pobreza e da miséria
incandescentes, literalmente como o inferno em vida.
A naturalidade com que os poderes públicos acompanham a sequência única
de incêndios corresponde à rotina do fogo e da destruição. Vão os
bombeiros, "o fogo é muito forte", "estamos tomando todas as
providências", depois o rescaldo, as carcaças de fogões e de algumas
geladeiras, o chão calcinado -pronto. Agora é aguardar o incêndio
seguinte, para que tudo seja igual.
O desejo impossível é, então, o de que em 2012 alguma autoridade
estadual ou municipal, sem furtar de seu tempo mais do que rápidos
segundos, de repente se fizesse esta pergunta: "Por que será que há
tantos incêndios de favelas aí pela Grande São Paulo?" Por que será?
Neste final de ano, o Rio ganhou dois presentes extraordinários. Aliás,
extraordinário seria qualquer presente para a cidade que há muito tempo
deixara de receber algum. O prefeito Eduardo Paes, cuja administração
dinâmica injeta novidades valiosas e variadas em grande parte da cidade,
adotou duas decisões muito muito inovadoras.
Uma: estudar a adoção de bondes modernos na região central da cidade e
algumas adjacências. A outra: transferências da finalidade de lojas no
Leblon (por ora, aí) não dependerão só das exigências burocráticas, mas
de uma aprovação especial. Assim será evitado que livrarias, o comércio
tradicional e serviços essenciais à vida de bairro continuem
desaparecendo, devorados por mais agências bancárias e farmácias, já em
número sufocante.
O desejo versão 2012: prefeitos e governadores admitirem não pensar em
metrôs, só por serem obras de fácil (e aparente) justificação e alta
rentabilidade para os bolsos próprios e alheios. E se interessarem pelo
estudo de bondes modernos, tão menos custosos e de tanta eficiência para
o público, como provam as deliciosas Amsterdã e San Francisco, entre
outras. E ainda o estudo da ONU sobre transporte urbano, que qualificou o
bonde moderno como o melhor em todos os sentidos.
Por fim, Marco Aurélio Villa, professor de história da Universidade
Federal de São Carlos e colaborador de jornais, escreve que o
best-seller "A privataria tucana", do repórter Amaury Ribeiro Jr., "foi
produzido nos esgotos do Palácio do Planalto".
Aí há duas possíveis metáforas e uma informação. As primeiras são "nos
esgotos" e o próprio historiador e professor de história. É a informação
que justifica o desejo inalcançável: ver provar-se, por qualquer meio
inequívoco, que "A privataria tucana" "foi produzido" no Palácio do
Planalto, mesmo que na garagem ou no abrigo das emas.
Como os desejos impossíveis não impedem os realizáveis, agradeço a cada
leitor a presença de sua leitura, mesmo que por uma só vez, e espero que
seja protegido pela sorte em 2012.
*esquerdopata
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