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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, janeiro 13, 2012

Sobre a classe média e os intelectuais

Ontem, a presidenta Dilma Rousseff disse, na solenidade do lançamento de um programa de construção de 100 mil moradias em São Paulo – para pessoas com renda de até R$ 1,6 mil, com 75% de recursos da União e 25% do Estado – que “não queremos um país de milionários e de pobres e miseráveis, como existe em  muitas grandes nações. Queremos, sobretudo, um país de classe média”.
Também ontem, o principal assessor econômico de Barack Obama, Alan Krueger, afirmou que, nos EUA, a classe média “encolheu” e  que isso está “causando uma divisão negativa das oportunidades e é uma ameaça ao nosso crescimento econômico”.
Um pesquisa do Pew Research Center, reproduzida pela coluna Radar Econômico do Estadão, mostra que se acentuou ”o conflito entre ricos e pobres na sociedade” norte-americana, que seria percebido como “forte ou muito forte”. Na sociedade do “mérito e esforço pessoal”, cada vez mais pessoas acreditam que a riqueza é feita pela origem, não pelo trabalho.
“Segundo a pesquisa, 46% da população acredita que, nos EUA, a maior parte dos ricos o são “porque conhece as pessoas certas ou nasceu em família rica”; já 43% avaliam que as pessoas enriquecem “por causa de trabalho duro, ambição e educação”. O restante dos entrevistados acredita que a ascensão social ocorre pelos dois motivos ou por nenhum deles”.
Nós, brasileiros, sabemos quanto custa, depois de fixada, esta visão da “esperteza” como única alternativa para a “herança”. E como isso é um veneno para a formação intelectual de gerações que passam a ver nos “truques”, na exposição física-sensualidade-sexualidade a forma de reconhecimento, a enxergar na própria educação apenas um valor mercantil para sua capacidade de “vender-se” ao (ou no) mercado.
O grande processo de inclusão social vivido pelo Brasil a partir dos anos 30, com a urbanização da população, o reconhecimento do trabalho como fato gerador de direitos, a expansão dos meios de comunicação (o rádio, depois a TV e a massificação dos jornais impressos) .
Hoje, vivemos um momento parecido àquele, com a expansão de nossa classe média e, portanto, do contingente com padrões de sobrevivência minimamente necessários para a aquisição de bens não apenas materiais, mas também culturais.
Desafortunadamente, porém, não temos contado com uma elite cultural atenta a este processo de inclusão. E, ausente ela, não dá para esperar coisa alguma da mídia que não seja a mediocridade que assistimos.
Não se pode culpar o povo pelas novelas e pelos BBB. Consomem o que “o mercado” fornece, sob a complacência de uma intelectualidade preguiçosa e rendida à “realidade do mercado”, que considera “moderno” esquecer que é deste processo que pode emergir uma nova camada de pensamento humano, generosa e prolífica, como a que, flor brotada daquele processo de inclusão, emergiu no Brasil dos anos 50 aos 70. Tão forte, tão lúcida, tão generosa que uma ditadura não a venceu, senão depois de tanto tempo que a fez cansada e estéril  na democracia.
*Tijolaço

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