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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, março 10, 2012

Mercados festejam o funeral da Grécia

Por Saul Leblon, no sítio Carta Maior:

Mercados e bolsas festejam o acordo fechado nesta 5ª feira entre a Grécia e os bancos credores, que concederam ao país um desconto médio de 50%, em troca de garantias e reformas que asseguram o pagamento do passivo restante.

Há razões para a banca comemorar: a adesão dos bancos ao desconto de 50% representa, no fundo, o oposto do que transparece e se alardeia. Trata-se de uma gigantesca transfusão, talvez a mais radical desde o Tratado de Versalhes, do sangue de um povo a credores pantagruélicos e interesses assemelhados. Uma derrota superlativa da democracia grega, que marcará a história do país por décadas; e provavelmente destruirá seu sistema representativo, marcado por traição nacional maiúscula.

As eleições parlamentares de abril agora podem funcionar como a espoleta dessa bancarrota. O processo consumado nesta 5ª feira compromete a vida da atual geração, a dos seus filhos e a dos netos que um dia eles terão. Em troca de um desconto sobre uma dívida impagável -- contraída num intercurso entre governos irresponsáveis e banqueiros cúmplices-- o Estado grego assinou uma espécie de testamento à favor dos mercados. Em seguida, consumou o suicídio político da democracia. A partir de agora, e por prazo indeterminado, a Grécia rende-se ao papel de protetorado das finanças internacionais. Um protetorado a ser alardeado como paradigma de bom comportamento.

Um diretório nomeado pelos mercados terá poderes legais para monitorar a tosquia do país, com direito a vetar orçamentos e redirecionar recursos prioritariamente ao pagamento de banqueiros. O que a coalizão socialdemocrata e conservadora fez foi municiar-se de um álibi internacional para sancionar um arrocho salarial indecente -o salário mínimo foi ineditamente reduzido; como ele, as pensões;demissões maciças da ordem de 150 mil funcionários públicos estão em marcha (15 mil já foram efetuadas este ano); privatizações e cortes na saúde e educação desencadearam surtos de suicídios e fome nas escolas. A entrega de crianças pobres a orfanatos é a tragédia mais recente protagonizada por famílias desesperadas.

Compare-se com o que fez a Argentina de Kirchner há nove anos para se ter a medida da regressividade acatada por Atenas. Em 2003, a Argentina era uma espécie de Grécia da América do Sul. Desacreditada aos olhos de seu próprio povo, balançava como um 'joão bobo' nas mãos do capital especulativo interno e externo. Nestor Kirchner herdou do extremismo neoliberal uma taxa de pobreza de 60% sobre uma população de 37 milhões de argentinos.

A dívida de US$ 145 bilhões, impagável, corroía seu sistema financeiro. Os credores sobrevoavam a nação argentina à espera do melhor momento para arrancar os seus olhos e o que lhe restasse ainda da carne, como fizeram nesta 5ª feira com a Grécia. O cerco internacional era avassalador. A diferença é que Nestor Kirchner não se dobrou: impôs um desconto unilateral e incondicional de 75% da dívida aos credores --ganhou margem de soberania, portanto, ao contráreio da rendição grega espetada em sacrifícios brutais. Com independência, a Argentina desvalorizou o câmbio, congelou tarifas, destinou a receita crescente a programas sociais e de fomento; não ao pagamento à banca, como reza a rendição grega.

A taxa de pobreza recuou a 10% da população. A economia argentina foi a que mais cresceu no hemisfério ocidental na última década. Cristina foi reeleita em 2011 com apoio esmagador. Os desdobramentos virtuosos desse braço de ferro são espertamente omitidos pela crítica conservadora que tenta desmerecer os ganhos econômicos e sociais da soberania argentina, ao mesmo tempo em que edulcora o escalpo da sociedade grega. E o faz por uma razão compreensível: eles realçam as dimensões catastróficas dos desastres em marcha na Grécia, Espanha, Portugal e outros, submetidos à dose dupla de um purgante ortodoxo inútil, que o êxito da nação latinoamericana derrotou e desmoralizou.

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