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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, março 10, 2012

Os covardes e seu medo do passado e da verdade

 

 

Luiz Eduardo Rocha Paiva (foto) é um dos que negam o passado. E, não satisfeito, vai além: trata de negar a verdade, que não costuma merecer o respeito dos covardes. Nega que Vladimir Herzog tenha sido trucidado na tortura. Diz duvidar que a presidente Dilma Rousseff tenha sido torturada. Nega que este país viveu debaixo de uma ditadura ao longo de longos 21 anos. E diz tamanhos disparates ao mencionar ações da resistência armada à ditadura que fica difícil concluir se mente de verdade ou apenas está enganado, por falta de conhecimento.
Eric Nepomuceno, via Carta Maior
Em dezembro, o Uruguai, em respeito a acordos internacionais assinados pelo País reconhecendo que crimes de lesa-humanidade cometidos por agentes do Estado são imprescritíveis, abriu brechas em sua esdrúxula lei de anistia para investigar sequestros, assassinatos e torturas cometidos durante a última ditadura militar e punir os responsáveis. Na ocasião, o general Pedro Aguerre, comandante do Exército uruguaio, disparou uma frase contundente: “Quem nega o passado comete um ato de covardia.” [ver vídeo abaixo]
Lembrei da frase ao ver a formidável demonstração de covardia que está embutida na insolência do manifesto assinado por oficiais da reserva e, muito especialmente, pela impertinente mostra de cinismo oferecida por um general também da reserva, chamado Luiz Eduardo Rocha Paiva.
Antes de abandonar a caserna, esse cidadão passou 38 de seus 62 anos de vida como oficial da ativa. Espetou no peito as condecorações de praxe, ocupou postos de destaque (entre janeiro e julho de 2007, por exemplo, na segunda presidência de Lula da Silva, foi secretário-geral do Exército), fez um sem-fim de cursos altamente especializados. Ou seja: tem trajetória e transcendência dentro do Exército.
Luiz Eduardo Rocha Paiva é um dos que negam o passado. E, não satisfeito, vai além: trata de negar a verdade, que não costuma merecer o respeito dos covardes. Nega que Vladimir Herzog tenha sido trucidado na tortura. Diz duvidar que a presidente Dilma Rousseff tenha sido torturada. Nega que este país viveu debaixo de uma ditadura ao longo de longos 21 anos. E diz tamanhos disparates ao mencionar ações da resistência armada à ditadura que fica difícil concluir se mente de verdade ou apenas está enganado, por falta de conhecimento.
Não acontece por acaso essa insubordinação de militares da reserva (um dos arautos do movimento se vangloria de ter contado 77 oficiais generais entre os que assinaram a nota criticando duramente a presidente e desautorizando o ministro da Defesa, embaixador Celso Amorim). Além dos generais e brigadeiros (nenhum almirante), o manifesto reúne um significativo número de assinaturas de oficiais superiores (338 até a segunda-feira 5 de março) e outras muitas dezenas de subalternos. Pelo andar da carruagem, mais assinaturas se somarão. Com isso, torna-se cada vez mais difícil, em termos práticos, aplicar a correspondente punição, como pretende a presidente Dilma Rousseff. Mas há aspectos que chamam a atenção.
Chama a atenção, por exemplo, a inércia dos comandantes da ativa diante desse ato de nítida insubordinação. Afinal, onde está o tão incensado senso de disciplina que norteia os fardados? Desde quando passou a ser permitido a militares da reserva repreender rudemente a comandante suprema das Forças Armadas, prerrogativa Constitucional de Dilma Rousseff, ou negar autoridade ao ministro da Defesa?
Chama a atenção a não-coincidência de tudo isso acontecer às claras, rompendo as fronteiras dos comunicados, notas e manifestos que costumam coalhar a internet nas páginas mantidas pelas viúvas da ditadura, sempre em circuito fechado: agora, procuraram chegar à opinião pública mais ampla, e conseguiram.
Chamam a atenção a desfaçatez da afronta e a insolência da insubordinação, como se seus praticantes estivessem ancorados na certeza cabal da impunidade.
Chama a atenção, além do mais, o nítido e furioso temor da caserna diante da instalação da Comissão da Verdade que investigará os crimes praticados pelo terrorismo de Estado. É como um aviso: não cheguem perto que reagiremos, ao amparo da impunidade que consideramos direito adquirido.
Chama a atenção, enfim, que tudo isso ocorra quando um promotor da Justiça Militar, Otávio Bravo, tenha decidido abrir investigação sobre o sequestro e desaparecimento de quatro civis por integrantes das Forças Armadas durante a ditadura. Há, é verdade, muitos outros casos, mas para começar foram escolhidos quatro especialmente emblemáticos: Rubens Paiva, Stuart Angel Jones, Mario Alves e Carlos Alberto Soares de Freitas. Há provas e indícios de que eles desapareceram depois de terem estado em instalações militares. Não há dúvida de que foram assassinados, mas tampouco há provas: seus restos jamais apareceram.
O promotor segue o exemplo de tribunais chilenos, que driblaram a lei local de anistia com um argumento cristalino: se o desaparecido não aparece, o sequestro permanece, ou seja, trata-se de um crime contínuo, que não pode ser prescrito ou anistiado. Caso apareçam os cadáveres estará configurado o crime de ocultação, que tampouco terá prescrito ou sido anistiado.
Esse o passado que a caserna quer negar. Essa a covardia dos que temem a verdade. Essa a razão do que está acontecendo com os oficiais da reserva e com Luiz Eduardo Rocha Paiva, o mais prepotente dos impertinentes: além de negar o passado, ele nega a realidade.

*Limpinhoecheiroso 

A resposta da Comissão da Verdade

Por Marcelo Semer, no blog Sem Juízo:

Militares reformados causaram alvoroço na semana que passou ao lançar manifesto em que afrontam a presidenta Dilma Rousseff.

Ressentidos e receosos, reagem a declarações de ministras pelo estabelecimento da Comissão da Verdade e o esclarecimento dos abusos e violências dos anos de ditadura.

Mais do que a indignação dos democratas ou as punições das chefias, o que a farda aposentada merece, neste episódio, é, sobretudo, o desprezo.

É verdade que a saudade do tempo em que tinham voz de comando ainda vitamina muitos discursos de vivandeiras dos quartéis. Mas hoje, militares são apenas servidores, não autoridades.

A política não depende mais de suas ordens do dia e a nostalgia da repressão é uma história que se repete como farsa.

A força retórica da reação do governo representa quase nada, todavia. Por que é justamente a tibieza com o trato dos crimes do passado que tem permitido que os reformados aumentem constantemente seu tom de voz.

A demora na instalação da Comissão da Verdade e as diversas concessões na sua formatação estimularam os militares, que permanecem se sentindo intocáveis, como se ainda devêssemos lhes pedir licença para investigar ou punir.

Os demais países do continente, que também suportaram ditaduras, já estão faz tempo acertando contas com o passado. Torturadores e assassinos foram identificados e vários deles processados, presos e condenados.

Com acusação formada, direito de defesa e penas previamente previstas, está se fazendo justiça, não revanchismo. Atribuem-se a réus as garantias que aqueles que lutaram contra a opressão, punidos em excesso nos anos de chumbo, jamais tiveram acesso.

Nesse campo, o Brasil caminha a passos trôpegos, com a omissão e leniência dos últimos governos, ainda constrangidos com a "questão militar", e a complacência da Justiça.

A função de uma Comissão da Verdade é esclarecer fatos que pela covardia dos agentes que os praticaram e diante da força do regime autoritário ficaram por décadas escondidos.

Defender esta ocultação é prestar reverência à censura. É um paradoxo louvar a liberdade de expressão e ao mesmo tempo opor-se ao conhecimento da verdade.

A punição dos sequestradores e torturadores, que não é função da Comissão da Verdade, ainda é uma questão em aberto.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos não reconhece qualquer ato de autoanistia que impeça o julgamento de crimes contra a humanidade. Trata-se de uma jurisprudência internacional fortemente consolidada, que, aliás, extravasa aos exemplos da América Latina.

No julgamento do caso Araguaia, mesmo ciente da decisão do STF de não rever a lei da anistia, a Corte da OEA expressamente determinou que todos os agentes públicos do país, aí incluídos os membros do Ministério Público, devam afastar os obstáculos para a apuração e julgamento dos delitos.

Torturadores no governo militar escolheram a violência e os porões para tentar extorquir verdades; a democracia vai fazê-lo em público, sem dor nem sofrimento, nos termos da lei.

O país não pode conviver com filhos que até hoje não sabem o destino de seus pais, porque aqueles que os sequestraram viveram de esconder seus atos, e com estes, os corpos de suas vítimas.

A resposta do governo ao espernear de saudosos da ditadura deve ser firme: instalar e fortalecer a Comissão da Verdade.

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