Os covardes e seu medo do passado e da verdade
Luiz Eduardo Rocha Paiva (foto) é um dos que negam o passado. E, não satisfeito,
vai além: trata de negar a verdade, que não costuma merecer o respeito dos covardes.
Nega que Vladimir Herzog tenha sido trucidado na tortura. Diz duvidar que a presidente
Dilma Rousseff tenha sido torturada. Nega que este país viveu debaixo de uma ditadura
ao longo de longos 21 anos. E diz tamanhos disparates ao mencionar ações da resistência
armada à ditadura que fica difícil concluir se mente de verdade ou apenas está enganado,
por falta de conhecimento.
Eric Nepomuceno, via Carta
Maior
Em dezembro, o Uruguai, em respeito a acordos internacionais assinados pelo
País reconhecendo que crimes de lesa-humanidade cometidos por agentes do Estado
são imprescritíveis, abriu brechas em sua esdrúxula lei de anistia para investigar
sequestros, assassinatos e torturas cometidos durante a última ditadura militar
e punir os responsáveis. Na ocasião, o general Pedro Aguerre, comandante do Exército
uruguaio, disparou uma frase contundente: “Quem nega o passado comete um ato de
covardia.” [ver vídeo abaixo]
Lembrei da frase ao ver a formidável demonstração de covardia que está embutida
na insolência do manifesto assinado por oficiais da reserva e, muito especialmente,
pela impertinente mostra de cinismo oferecida por um general também da reserva,
chamado Luiz Eduardo Rocha Paiva.
Antes de abandonar a caserna, esse cidadão passou 38 de seus 62 anos de
vida como oficial da ativa. Espetou no peito as condecorações de praxe, ocupou postos
de destaque (entre janeiro e julho de 2007, por exemplo, na segunda presidência
de Lula da Silva, foi secretário-geral do Exército), fez um sem-fim de cursos altamente
especializados. Ou seja: tem trajetória e transcendência dentro do Exército.
Luiz Eduardo Rocha Paiva é um dos que negam o passado. E, não satisfeito,
vai além: trata de negar a verdade, que não costuma merecer o respeito dos covardes.
Nega que Vladimir Herzog tenha sido trucidado na tortura. Diz duvidar que a presidente
Dilma Rousseff tenha sido torturada. Nega que este país viveu debaixo de uma ditadura
ao longo de longos 21 anos. E diz tamanhos disparates ao mencionar ações da resistência
armada à ditadura que fica difícil concluir se mente de verdade ou apenas está enganado,
por falta de conhecimento.
Não acontece por acaso essa insubordinação de militares da reserva (um dos
arautos do movimento se vangloria de ter contado 77 oficiais generais entre os que
assinaram a nota criticando duramente a presidente e desautorizando o ministro da
Defesa, embaixador Celso Amorim). Além dos generais e brigadeiros (nenhum almirante),
o manifesto reúne um significativo número de assinaturas de oficiais superiores
(338 até a segunda-feira 5 de março) e outras muitas dezenas de subalternos. Pelo
andar da carruagem, mais assinaturas se somarão. Com isso, torna-se cada vez mais
difícil, em termos práticos, aplicar a correspondente punição, como pretende a presidente
Dilma Rousseff. Mas há aspectos que chamam a atenção.
Chama a atenção, por exemplo, a inércia dos comandantes da ativa diante
desse ato de nítida insubordinação. Afinal, onde está o tão incensado senso de disciplina
que norteia os fardados? Desde quando passou a ser permitido a militares da reserva
repreender rudemente a comandante suprema das Forças Armadas, prerrogativa Constitucional
de Dilma Rousseff, ou negar autoridade ao ministro da Defesa?
Chama a atenção a não-coincidência de tudo isso acontecer às claras, rompendo
as fronteiras dos comunicados, notas e manifestos que costumam coalhar a internet
nas páginas mantidas pelas viúvas da ditadura, sempre em circuito fechado: agora,
procuraram chegar à opinião pública mais ampla, e conseguiram.
Chamam a atenção a desfaçatez da afronta e a insolência da insubordinação,
como se seus praticantes estivessem ancorados na certeza cabal da impunidade.
Chama a atenção, além do mais, o nítido e furioso temor da caserna diante
da instalação da Comissão da Verdade que investigará os crimes praticados pelo terrorismo
de Estado. É como um aviso: não cheguem perto que reagiremos, ao amparo da impunidade
que consideramos direito adquirido.
Chama a atenção, enfim, que tudo isso ocorra quando um promotor da Justiça
Militar, Otávio Bravo, tenha decidido abrir investigação sobre o sequestro e desaparecimento
de quatro civis por integrantes das Forças Armadas durante a ditadura. Há, é verdade,
muitos outros casos, mas para começar foram escolhidos quatro especialmente emblemáticos:
Rubens Paiva, Stuart Angel Jones, Mario Alves e Carlos Alberto Soares de Freitas.
Há provas e indícios de que eles desapareceram depois de terem estado em instalações
militares. Não há dúvida de que foram assassinados, mas tampouco há provas: seus
restos jamais apareceram.
O promotor segue o exemplo de tribunais chilenos, que driblaram a lei local
de anistia com um argumento cristalino: se o desaparecido não aparece, o sequestro
permanece, ou seja, trata-se de um crime contínuo, que não pode ser prescrito ou
anistiado. Caso apareçam os cadáveres estará configurado o crime de ocultação, que
tampouco terá prescrito ou sido anistiado.
*Limpinhoecheiroso
A resposta da Comissão da Verdade
Por Marcelo Semer, no blog Sem Juízo:
Militares reformados causaram alvoroço na semana que passou ao lançar manifesto em que afrontam a presidenta Dilma Rousseff.
Ressentidos e receosos, reagem a declarações de ministras pelo estabelecimento da Comissão da Verdade e o esclarecimento dos abusos e violências dos anos de ditadura.
Mais do que a indignação dos democratas ou as punições das chefias, o que a farda aposentada merece, neste episódio, é, sobretudo, o desprezo.
É verdade que a saudade do tempo em que tinham voz de comando ainda vitamina muitos discursos de vivandeiras dos quartéis. Mas hoje, militares são apenas servidores, não autoridades.
A política não depende mais de suas ordens do dia e a nostalgia da repressão é uma história que se repete como farsa.
A força retórica da reação do governo representa quase nada, todavia. Por que é justamente a tibieza com o trato dos crimes do passado que tem permitido que os reformados aumentem constantemente seu tom de voz.
A demora na instalação da Comissão da Verdade e as diversas concessões na sua formatação estimularam os militares, que permanecem se sentindo intocáveis, como se ainda devêssemos lhes pedir licença para investigar ou punir.
Os demais países do continente, que também suportaram ditaduras, já estão faz tempo acertando contas com o passado. Torturadores e assassinos foram identificados e vários deles processados, presos e condenados.
Com acusação formada, direito de defesa e penas previamente previstas, está se fazendo justiça, não revanchismo. Atribuem-se a réus as garantias que aqueles que lutaram contra a opressão, punidos em excesso nos anos de chumbo, jamais tiveram acesso.
Nesse campo, o Brasil caminha a passos trôpegos, com a omissão e leniência dos últimos governos, ainda constrangidos com a "questão militar", e a complacência da Justiça.
A função de uma Comissão da Verdade é esclarecer fatos que pela covardia dos agentes que os praticaram e diante da força do regime autoritário ficaram por décadas escondidos.
Defender esta ocultação é prestar reverência à censura. É um paradoxo louvar a liberdade de expressão e ao mesmo tempo opor-se ao conhecimento da verdade.
A punição dos sequestradores e torturadores, que não é função da Comissão da Verdade, ainda é uma questão em aberto.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos não reconhece qualquer ato de autoanistia que impeça o julgamento de crimes contra a humanidade. Trata-se de uma jurisprudência internacional fortemente consolidada, que, aliás, extravasa aos exemplos da América Latina.
No julgamento do caso Araguaia, mesmo ciente da decisão do STF de não rever a lei da anistia, a Corte da OEA expressamente determinou que todos os agentes públicos do país, aí incluídos os membros do Ministério Público, devam afastar os obstáculos para a apuração e julgamento dos delitos.
Torturadores no governo militar escolheram a violência e os porões para tentar extorquir verdades; a democracia vai fazê-lo em público, sem dor nem sofrimento, nos termos da lei.
O país não pode conviver com filhos que até hoje não sabem o destino de seus pais, porque aqueles que os sequestraram viveram de esconder seus atos, e com estes, os corpos de suas vítimas.
A resposta do governo ao espernear de saudosos da ditadura deve ser firme: instalar e fortalecer a Comissão da Verdade.
Militares reformados causaram alvoroço na semana que passou ao lançar manifesto em que afrontam a presidenta Dilma Rousseff.
Ressentidos e receosos, reagem a declarações de ministras pelo estabelecimento da Comissão da Verdade e o esclarecimento dos abusos e violências dos anos de ditadura.
Mais do que a indignação dos democratas ou as punições das chefias, o que a farda aposentada merece, neste episódio, é, sobretudo, o desprezo.
É verdade que a saudade do tempo em que tinham voz de comando ainda vitamina muitos discursos de vivandeiras dos quartéis. Mas hoje, militares são apenas servidores, não autoridades.
A política não depende mais de suas ordens do dia e a nostalgia da repressão é uma história que se repete como farsa.
A força retórica da reação do governo representa quase nada, todavia. Por que é justamente a tibieza com o trato dos crimes do passado que tem permitido que os reformados aumentem constantemente seu tom de voz.
A demora na instalação da Comissão da Verdade e as diversas concessões na sua formatação estimularam os militares, que permanecem se sentindo intocáveis, como se ainda devêssemos lhes pedir licença para investigar ou punir.
Os demais países do continente, que também suportaram ditaduras, já estão faz tempo acertando contas com o passado. Torturadores e assassinos foram identificados e vários deles processados, presos e condenados.
Com acusação formada, direito de defesa e penas previamente previstas, está se fazendo justiça, não revanchismo. Atribuem-se a réus as garantias que aqueles que lutaram contra a opressão, punidos em excesso nos anos de chumbo, jamais tiveram acesso.
Nesse campo, o Brasil caminha a passos trôpegos, com a omissão e leniência dos últimos governos, ainda constrangidos com a "questão militar", e a complacência da Justiça.
A função de uma Comissão da Verdade é esclarecer fatos que pela covardia dos agentes que os praticaram e diante da força do regime autoritário ficaram por décadas escondidos.
Defender esta ocultação é prestar reverência à censura. É um paradoxo louvar a liberdade de expressão e ao mesmo tempo opor-se ao conhecimento da verdade.
A punição dos sequestradores e torturadores, que não é função da Comissão da Verdade, ainda é uma questão em aberto.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos não reconhece qualquer ato de autoanistia que impeça o julgamento de crimes contra a humanidade. Trata-se de uma jurisprudência internacional fortemente consolidada, que, aliás, extravasa aos exemplos da América Latina.
No julgamento do caso Araguaia, mesmo ciente da decisão do STF de não rever a lei da anistia, a Corte da OEA expressamente determinou que todos os agentes públicos do país, aí incluídos os membros do Ministério Público, devam afastar os obstáculos para a apuração e julgamento dos delitos.
Torturadores no governo militar escolheram a violência e os porões para tentar extorquir verdades; a democracia vai fazê-lo em público, sem dor nem sofrimento, nos termos da lei.
O país não pode conviver com filhos que até hoje não sabem o destino de seus pais, porque aqueles que os sequestraram viveram de esconder seus atos, e com estes, os corpos de suas vítimas.
A resposta do governo ao espernear de saudosos da ditadura deve ser firme: instalar e fortalecer a Comissão da Verdade.
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