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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, março 11, 2012

Relator da ONU critica Lei da Anistia brasileira


Em um dos ataques mais duros da ONU ao modelo de transição política no Brasil, o relator da entidade contra a tortura, Juan Mendez, acusa a Lei da Anistia brasileira de ter tido seu objetivo original “travestido” e de ter sido usada como “desculpa para proteger militares e policiais.”

A declaração do relator apela ainda para que a sociedade “não se deixe chantagear” pelo argumento de setores que insistem na ideia de que não seria conveniente reabrir o passado.

Em entrevista coletiva na sede da ONU, Mendez foi questionado pela imprensa estrangeira sobre o fato de o Brasil ainda ser um dos poucos países na América do Sul a não investigar seu passado. “No Brasil, na transição, houve um movimento para se ter uma lei de anistia, porque políticos perseguidos precisavam voltar e participar da vida política do País. Houve um movimento para se ter uma anistia. Era uma forma de abertura para a democracia. Mas, lamentavelmente, a lei foi aplicada para proteger os militares e a polícia de processos”, declarou Mendez.

Para ele, o objetivo original da anistia foi “travestido”. Segundo ele, isso significa que a lei foi criada com um propósito, mas foi aplicada em outro sentido. “Houve uma mudança de rumo na justiça, justamente no sentido contrário ao que ela originalmente estabelecia”, disse Mendez. “A lei foi estabelecida para tentar criar um espaço político, mas foi usada como argumento para impunidade.”
Essa distorção da lei também ocorreu em outros países sul-americanos, mas, de acordo com o relator, esses países latino-americanos já conseguiram superar os limites de suas leis de anistia. “Mas, lamentavelmente, o Brasil manteve a anistia para militares e policiais responsáveis por crimes sérios.”

Limitações
Para o relator, a Comissão da Verdade não irá superar, sozinha, as limitações da Lei da Anistia brasileira. “No entanto, se a comissão for conduzida de forma séria, abrirá possibilidades para processos em um segundo estágio”, declarou. “Se isso vai ocorrer eu não sei. Mas o direito internacional aponta nessa direção”, insistiu.

O relator elogiou o governo da presidente Dilma Rousseff na tentativa de reconduzir o assunto no Brasil. “Há, pelo menos, uma chance de olhar o passado. O governo mostra que está pronto para rever o passado, pelo menos dizendo a verdade agora.”

Na avaliação do relator, cabe também à sociedade tomar a decisão de olhar para o passado. “A experiência latino-americana mostra que não se pode deixar chantagear por aqueles aliados civis dos militares que dizem que é melhor não tocar no passado por conta das repercussões que isso pode ter. Essa chantagem não pode ser aceita”, concluiu Mendez.

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