Relator da ONU critica Lei da Anistia brasileira
Em um dos ataques mais duros da ONU ao modelo de transição política no Brasil,
o relator da entidade contra a tortura, Juan Mendez, acusa a Lei da Anistia brasileira
de ter tido seu objetivo original “travestido” e de ter sido usada como “desculpa
para proteger militares e policiais.”
A declaração do relator apela ainda para que a sociedade “não se deixe chantagear”
pelo argumento de setores que insistem na ideia de que não seria conveniente reabrir
o passado.
Em entrevista coletiva na sede da ONU, Mendez foi questionado pela imprensa
estrangeira sobre o fato de o Brasil ainda ser um dos poucos países na América do
Sul a não investigar seu passado. “No Brasil, na transição, houve um movimento para
se ter uma lei de anistia, porque políticos perseguidos precisavam voltar e participar
da vida política do País. Houve um movimento para se ter uma anistia. Era uma forma
de abertura para a democracia. Mas, lamentavelmente, a lei foi aplicada para proteger
os militares e a polícia de processos”, declarou Mendez.
Para ele, o objetivo original da anistia foi “travestido”. Segundo ele,
isso significa que a lei foi criada com um propósito, mas foi aplicada em outro
sentido. “Houve uma mudança de rumo na justiça, justamente no sentido contrário
ao que ela originalmente estabelecia”, disse Mendez. “A lei foi estabelecida para
tentar criar um espaço político, mas foi usada como argumento para impunidade.”
Essa distorção da lei também ocorreu em outros países sul-americanos, mas,
de acordo com o relator, esses países latino-americanos já conseguiram superar os
limites de suas leis de anistia. “Mas, lamentavelmente, o Brasil manteve a anistia
para militares e policiais responsáveis por crimes sérios.”
Limitações
Para o relator, a Comissão da Verdade não irá superar, sozinha, as limitações
da Lei da Anistia brasileira. “No entanto, se a comissão for conduzida de forma
séria, abrirá possibilidades para processos em um segundo estágio”, declarou. “Se
isso vai ocorrer eu não sei. Mas o direito internacional aponta nessa direção”,
insistiu.
O relator elogiou o governo da presidente Dilma Rousseff na tentativa de
reconduzir o assunto no Brasil. “Há, pelo menos, uma chance de olhar o passado.
O governo mostra que está pronto para rever o passado, pelo menos dizendo a verdade
agora.”
Na avaliação do relator, cabe também à sociedade tomar a decisão de olhar
para o passado. “A experiência latino-americana mostra que não se pode deixar chantagear
por aqueles aliados civis dos militares que dizem que é melhor não tocar no passado
por conta das repercussões que isso pode ter. Essa chantagem não pode ser aceita”,
concluiu Mendez.
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