“Foda-se o Brasil”, gritava o rapaz em SP
Rodrigo Vianna
A
chegada ao viaduto do Chá foi surpreendentemente rápida. Trabalhadores e
lojistas tinha ido embora mais cedo, deixando o centro de São Paulo
estranhamente vazio às seis horas da tarde. Contornei o Teatro
Municipal, e segui a pé, para cruzar o viaduto rumo à Prefeitura – onde
os manifestantes se concentravam. Estava acompanhado da equipe de
gravação da TV.
nota
do bloguezinho mequetrefe: já circula a informação de que o sujeito
marcado na foto é um cabo de polícia infiltrado no movimento.
No
sentido contrário, a massa marchava. Pareciam estudantes razoavelmente
organizados: carregavam faixas de diretórios acadêmicos, bandeiras da
UJS, mas também muitos cartazes desenhados a mão: “O Brasil acordou”,
“Fora FIFA”, entre outros. Um rapaz me informou: ”estamos indo pra
Paulista porque o Haddad nem está mais aí na Prefeitura”. Haddad tinha
seguido ao encontro da presidenta Dilma, para uma reunião no Aeroporto
de Congonhas. Pensei em tomar o rumo da Paulista, mas meu chefe de
reportagem avisou pelo rádio: “acho melhor você ficar por aí, porque um
grupo pequeno resolveu ficar pra atacar a Prefeitura”.
Pouco
a pouco me aproximo do prédio. O grupo que ficou não era tão pequeno
assim. E o que vejo e ouço é estranho – pra dizer o mínimo. Há homens
mascarados, muita gente de coturno. E há também jovens que conversam com
a gíria típica da periferia paulistana. Misturados a eles, moleques com
jeito de playboys de classe média. Gritam palavras de ordem de forma
desorganizada e aleatória.
Um menino, a meu lado, grita “Fora, petralhada”, e “Fora, Dilma”. Puxo papo, e ele conta: “Sou do grupo Mudança Já, que luta por menos impostos e uma gestão eficiente”.
Esse não parece da periferia. Pelo papo e pelas roupas. De fato, mora
no Jabaquara – bairro de classe média. O menino fala mal do MPL –
Movimento Passe Livre, que puxou as manifestações desde o início. “Esses não me representam, são agitadores e falam com jeito de comunista”.
Êpa…
De
repente, o grupo dos mascarados se exalta e avança sobre os portões da
Prefeitura. Voam pedras, arrancadas do calçamento do centro antigo.
Pedras portuguesas. Jovens mascarados arremetem contra os homens da
Guarda Civil Metropolitana. Um deles usa camiseta branca justa, bota em
estilo militar e age com a volúpia típica dos provocadores que
conhecíamos tão bem nos anos 80 – quando a Democracia ainda
engatinhava. É o rapaz que aparece nas fotos acima…
Alguns
picham as paredes da Prefeitura. A turma mais moderada grita: “sem
vandalismo”. Os mascarados devolvem: “sem moralismo”. Um rapaz passa a
meu lado e grita: “vamos quebrar tudo”. E quebram mesmo.* Pedras voam
perigosamente sobre nossas cabeças.
Mas a imagem
mais chocante eu veria logo depois. Um grupo segura uma bandeira
brasileira e queima. Um rapaz grita: “foda-se o Brasil, Nacionalismo é
coisa de imbecil”. E aí tenho certeza que há um caldo de cultura
perigoso por aqui.
Um Brasil fraco, um Estado
nacional sob ataque, não será capaz de melhorar a vida do povo. Isso
interessa para os conservadores e para seus aliados nos Estados Unidos.
De
repente, chega um grupo novo, mais de cem pessoas. Trazem uma faixa
amarela, com a frase “Chega de Impostos – Mooca”. O bairro da Mooca é um
reduto da classe média – em geral, conservadora. A palavra de ordem é
“Fora, Dilma”.
Um funcionário da Prefeitura meio
gordinho aparece na janela. Ao meu lado, um grupo berra pra ele:
“Gordo, filho da puta, você vai morrer. Você come nossos impostos, filho
da puta”.
Penso com meus botões: essa turma
foi pra rua pra pedir serviços públicos de qualidade e, de repente, está
pedindo também menos impostos, menos Estado. E queimando a bandeira do
Brasil. O que é isso?
Ah, é o sintoma de uma
sociedade que incluiu jovens pelo consumo, sem politização. Ok. Isso
está claro. Desde 2010, dizíamos nos blogs que essa equação do lulismo
poderia não fechar. Despolitização? Ou pior que isso: um pé no fascismo?
O discurso que nega a Política é a melhor forma de deixar a avenida
aberta para uma Política autoritária.
Claro
que o povo na rua é muito mais que isso. O recorte que descrevo acima é
bastante específico. Entre os milhares que foram para a Paulista, na
segunda e na terça-feira em São Paulo, havia muita gente progressista,
disposta a mudar o Brasil. Mas ali também imperava o “Fora, Políticos”.
Ora, se todos foram eleitos, o que será que essa turma imagina? Sovietes
no Grajaú e no Morro do Alemão? Nada disso. A idéia de muitos por hora é
botar fogo em tudo. Qual será o fim disso?
A esquerda organizada, hoje tive certeza, precisa disputar as ruas. Lula precisa reaparecer e botar o bloco na rua.
Outro dia escrevi aqui: quando vemos esse clima de “Fora, todos os Políticos” podemos imaginar duas saídas possíveis
- a Argentina que escolheu os Kirchner para se recuperar depois do caos;
-
ou a Espanha, que levou jovens “indignados” para as praças (e lá também
bandeiras de partidos eram “proibidas”) mas no fim das contas elegeu os
franquistas do PP.
No Brasil, o jogo está sendo
jogado. A massa lulista – aquela massa forte das periferias das
capitais, e do Nordeste – essa massa não está nas ruas. Isso ficou claro
pelo que vi e ouvi nas ruas de São Paulo.
Nas
ruas há uma mistura: ultra-esquerda, nova esquerda, indignados em geral
e, infelizmente, também há o velho lúmpen que pode virar – fácil, fácil –
caldo de cultura para uma saída autoritária.
Quem
conhece bem a história do Brasil não ficaria surpreendido se, desse
processo todo, nascesse não “uma nova política”. Mas um governo (mais)
conservador, que botasse o Brasil de novo “nos trilhos” da submissão aos
EUA, jogando fora os tênues avanços da Era Lula.
Afinal,
“foda-se o Brasil”, não é? Essa cena não vou esquecer: a nossa
bandeira queimada por jovens tresloucados que afirmam querer mudar o
país. Foi estranho.
* Ao fim da manifestação,
parte dos jovens mascarados avançou em direção ao carro da TV Record que
estava diante da Prefeitura e tocou fogo no veículo. Tudo que parece –
ou é – símbolo de poder acaba virando alvo. Nenhum jornalista ficou
ferido. O alvo era a empresa.
*GilsonSampaio
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