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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, novembro 02, 2013

Escarcéu do IPTU de São Paulo prova que elites não querem ceder nada de seus privilégios


A cidade de São Paulo possui mais de 11 milhões de habitantes, distribuídos em 96 distritos.

Nos últimos dias muito se tem debatido sobre o aumento do IPTU na cidade de São Paulo. A discussão tem sido feita como se os dados sobre o aumento por distrito fossem todos iguais.

Segundo uma tabela publicada aqui mesmo no Viomundo, 50% dos 96 distritos do município não foram afetados pelo aumento do IPTU.

Isto é:  25 distritos sofreram redução de IPTU (variando de –0,6% a –12,1% de desconto); 23 foram reajustados na faixa da inflação anual, sendo que destes somente 4 foram reajustados na casa dos 5%; 19 tiveram reajuste abaixo da inflação; 14 tiveram aumento que varia de 6,6% a 9,8%.  Apenas 34 distritos sofreram reajuste superior a 10,5%, sendo 19,8% o teto.

Só que os dados assim apresentados não mostram com clareza a justeza da proposta aprovada na Câmara Municipal.

Por isso, resolvi cruzar a faixa de aumento com o número de habitantes por distrito e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de cada localidade.

Cheguei à  conclusão que, muito diferente do que vem sendo veiculado na imprensa, o aumento do IPTU da forma proposta pelo governo Haddad, traz elementos importantes para o desenvolvimento de uma política distributiva.

Peguemos o caso dos  34 distritos que tiveram aumento superior a 10,5%. Pois em 25 deles, o IDH é muito elevado. Correspondem a 67,65% dos distritos desta categoria de aumento, sendo que os 9 que não estão nesta lista possuem IDH elevado conforme a tabela abaixo.


Conforme o quadro abaixo, a população da cidade de São Paulo beneficiada com a fórmula adotada pela prefeitura Haddad (tiveram redução do valor ou somente a correção da inflação) é de 64,24%, ou seja, pouco mais de 7,2 milhões de habitantes da capital. Somados àqueles que tiveram aumento inferior a 10% chegamos a 77,2% da população que não tem porque reclamar do aumento do IPTU levado a efeito pela prefeitura.


Moro, por exemplo, no mesmo bairro que o prefeito Haddad, somos vizinhos e vamos arcar com um aumento de 19,8% no valor do IPTU.

Porém, em nosso distrito o lixo é recolhido todos os dias, o caminhão que recolhe lixo reciclável passa duas vezes por semana, o policiamento é ostensivo e nada violento com a população do bairro, as ruas são recapeadas sistematicamente (e isso desde que moro aqui), a luz falta muito pouco e quando falta é de forma programada e normalmente volta dentro do estabelecido no comunicado.

Além disso, a  água diminui a pressão à noite, mas é raro faltar, o bairro é todo iluminado, possuímos parques próximos, várias opções de supermercados de médio e grande porte, alguns 24 horas, feiras em quase todos os dias da semana, farmácias 24 horas aos montes, metrô à mão e toda infraestrutura de lazer, com cinemas, bares, restaurantes e lanchonetes e etc…

É preciso frisar que mesmo nos distritos de maior IDH, como o que eu vivo com minha família e vizinhos, as residências de valor inferior a 160 mil reais estarão isentas. De modo que os 19.8% não são aplicados, por exemplo, às poucas favelas e pequenos comércios que existem por aqui.

Isto mostra o acerto distributivo da gestão Haddad na formulação da recomposição do imposto IPTU em nossa cidade. O escarcéu que está sendo feito por setores privilegiados de nossa cidade só mostra porque vivemos em um país profundamente violento e desigual. As elites não querem ceder nem uma fração de seus privilégios.

Imagine se houvesse uma atualização real do valor venal das casas e apartamentos em nossa cidade para servir de base para este cálculo?

Foi um passo importante para a nossa cidade.

Agora é preciso recompor a tarifa da condução, ampliar a frota dos ônibus, municipalizar o transporte público, afastar aqueles que se locupletam do dinheiro público e fazer com que os benefícios a todas as  regiões da cidade atinjam os patamares dos distritos com maior IDH, cujos moradores chiam hoje com o aumento do IPTU.

Marcelo Zelic é vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Coordenador do Projeto Armazém Memória
* Viomundo

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