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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, outubro 17, 2014


rebeliao das tapuais“A primeira luta do povo brasileiro foi a do índio contra o invasor europeu. A visão tradicionalista passa a conhecer o Brasil a partir da chegada do colonizador. É com os olhos do que chega para saquear e escravizar um povo livre, portanto, que a História oficial começa a explicar o Brasil.” (Berta Ribeiro, em O índio e a História do Brasil.)
A rebelião teve início em 1687 na então capitania do Rio Grande do Norte. Mas a sua proporção foi imensa e se espalhou por quase toda a região Nordeste. Sem dúvida, um dos maiores levantes indígenas do País foi o dos tapuias. Mais conhecida como “a guerra dos bárbaros”, a resistência aos invasores por mais de 20 anos atingiu as áreas das capitanias do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas.
O levante alcançou uma envergadura imensa e reuniu as tribos Aucurus, Paiacus, Icós, Icopinhos, Bulbis, Arius, Pegas, Caracás, Canindés, Coremas, Caracarás e Bruxarás.
Foram quase 30 anos de reforços vindos do Ceará e da Paraíba e que de nada adiantaram diante da rebelião indígena. Só com a chegada dos assassinos, conhecidos na História como bandeirantes, os tapuias foram derrotados.
A proibição, em lei, da escravização do índio – a não ser em “guerra justa” – não passava de uma regulamentação da própria escravidão. Com o objetivo de obter escravos, o colonizador incitava a guerra contra uma determinada tribo. Assim, a morte e a escravização estavam legalizadas.
Com a expansão da criação de gado para o interior, o invasor expulsava os índios, roubando-lhes suas terras e escravizando os que resistiam. Esse processo se deu com muita violência e crueldade, e não tardou a eclodir a rebelião.
A violência com que os invasores tratavam os índios é testemunhada em uma carta do padre Antônio Vieira ao rei de Portugal, em que afirma:
“As causas de até agora se ter feito tão pouco fruto com estas gentes são principalmente as tiranias que com eles temos usado, havendo capitão que obrigou a atar dez morrões [pavios] acesos nos dez dedos das mãos de um principal [chefe indígena] de uma aldeia para que lhe desse escravos, dizendo que o havia de deixar arder, enquanto não lhes desse, e assim fez.”
A rebelião tapuia teve como estopim a morte de um líder da tribo da região de Açu. Como resposta, os índios tomaram armas e gado e derrotaram os opressores.
Quase em sua totalidade os tapuias se uniram e, em pouco tempo, dominaram as ribeiras do Açu e Apodi, chegando a cinco léguas de Natal. O capitão-mor Pascoal Gonçalves pede socorro a Pernambuco, Bahia e Paraíba. Pernambuco enviou cinco companhias, chefiadas pelo mestre de campo Jorge Luís Soares, com reforços da Paraíba.
Entretanto, a rebelião era intensa e muitos começavam a fugir de Natal mesmo com a ameaça de cadeia o e confisco dos bens de quem fugisse. Por essa altura, foi nomeado novo capitão-mor Agostinho César de Andrade. Este concede perdão aos criminosos que aceitassem combater os índios. Consegue uma vitória na Serra de Acauã, mas a rebelião prossegue.
Com o passar do tempo, mesmo com um poder formidável quando unidas as tribos, a superioridade bélica dos invasores se impôs. Algumas tribos foram praticamente dizimadas, e os que restavam eram “aldeados” sob o comando das missões jesuítas.
Os oficiais da Câmara de Natal enviaram uma carta ao rei relatando a guerra dos tapuias e a paz iniciada pelo capitão-mor Agostinho César e continuada pelo capitão-mor Bernardo Vieira.
Fica evidente que a História da colonização do Brasil pelo invasor português não é de heroísmo da parte deste nem muito menos de bondade da Igreja, haja vista o pedido do bispo de Pernambuco. A ação de assassinos como Domingos Jorge Velho, que veio a entrar para a História como o que derrotou o Quilombo dos Palmares, patenteia a prática genocida no roubar das riquezas, das terras e da escravização de seres humanos.
Se há algo a se reverenciar é a heroica resistência dos povos que habitavam este País muito antes de o europeu chegar. Ainda hoje estes povos padecem da perseguição e do extermínio de grandes latifundiários, que mantêm a prática, de séculos atrás, de roubar o que restou das terras indígenas.
Alex Feitosa
Fontes: Luiz Eduardo Brandão Suassuna, Marlene da Silva Mariz. História do Rio Grande do Norte, 2005, Júlio José Chiavenato. As lutas do povo brasileiro. Do “descobrimento” a Canudos, 1996.
*AVerdade

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