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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, outubro 28, 2014

Vidas secas: retratos da dramática falta de água em Itu (SP)


ITU23

A população de Itu vive uma situação de calamidade pública. As represas da região, bastante usadas para nadar ou pescar, desapareceram. A Represa do Braiaiá, que é pequena, foi cercada pelo condomínio Terras de São José, que se expandiu em áreas do reservatório.
Há quatro anos, o prefeito Herculano Passos passou a administração da água para uma holding do grupo Bertum. Nada foi feito para melhorar a situação, que já é antiga e se agravou com a estiagem.
Neste momento a empresa Águas de Itu abastece a cidade com caminhões pipas, que retiram a água de uma empresa privada, a Rizzi, que a população tinha me indicado. Quando lá cheguei, vi que trata-se de poços artesianos, que há 40 anos abastecem as piscinas, lagos e caixas d´água da cidade.
Atualmente essa companhia foi requisitada, por decreto, a fornecer a água para Itu com os cinco poços ativos e uma fila de caminhões que saem a cada meia hora para a cidade.
Na praça principal, onde ficam o famoso orelhão gigante, o coreto e a igreja, as pessoas sentam-se desanimadas nos bancos à sombra. Passei na tradicional doceria Senzala, que produz as melhores queijadinhas do mundo, e lá tem uma piscina de plástico para as crianças se refrescarem, completamente vazia. O lavatório e os banheiros também sem nenhuma gota.
Uma senhora à janela de um dos antigos casarões me disse como lavava sua roupa: “Mando pra lavanderia”.
Nos bairros mais pobres, como o Jardim Eridano, a água não chega porque não tem força. Maria de Lurdes Oliveira, de 59 anos, carregava o balde até a cozinha e lavava a louça com uma caneca. Para cuidar da roupa o sacrifício é maior: ela carrega vários baldes até a máquina e aproveita a água desta lavagem para limpar o chão e o banheiro.
No bairro, por todo lado se vêem baldes e pequenas caixas vazias. Um grupo de mulheres e crianças aguardavam ansiosos a chegada de um caminhão para abastecer as suas casas. Uma dona de casa considerava uma vitória ter lavado a louça, outra compra garrafas de água mineral para cozinhar.
Nos reservatórios da Rizzi, muita gente enche garrafões e caixas em uma torneira. Há quem apareça com garrafas pet. Num sítio com poço artesiano, um casal vende o líquido de seu reservatório, mas não revelou o preço. Apenas que o dinheiro servia para pagar a energia.

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Bia Parreiras
Sobre o Autor
Fotógrafa desde 1968, Bia passou pelas redações de Última Hora, Veja (em duas fases), Exame, Vip, Playboy, Quatro Rodas, Viagem e Turismo e Guias Quatro Rodas.

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