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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, abril 16, 2015

A América Latina afirma sua soberania perante os Estados Unidos

Editorial do Portal Vermelho


A luta pela emancipação dos povos e nações das Américas viveu nos últimos dias um fato de transcendência histórica. Realizou-se, nos dias 10 e 11 de abril, na Cidade do Panamá, a 7ª Cúpula das Américas, que se transformou em cenário de uma nova batalha pela afirmação da soberania e a independência nacional dos países da região. 

O ideal do Libertador Simón Bolívar de criar a "grande Pátria Americana", que inspirou inúmeros combates e batalhas pela independência ao longo de dois séculos, esteve presente na reunião do Panamá, tanto no encontro dos movimentos sociais, que mobilizou centenas de ativistas e dirigentes, como na Cúpula dos chefes de Estado e governo.

O encontro do Panamá foi marcado por dois importantes fatos inéditos. Foi a primeira vez que os 35 países das Américas se sentaram em torno de uma mesma mesa, com o convite formulado a Cuba pelo governo do país anfitrião, depois de muitos anos durante os quais os governos progressistas exigiram a presença da ilha socialista que estava excluída deste tipo de conferência inaugurada em 1994 nos Estados Unidos. Foi também o momento em que os presidentes de Cuba e dos Estados Unidos se encontraram pela primeira vez em mais de cinco décadas, dando curso aos entendimentos para o estabelecimento de relações diplomáticas e para o fim do odioso bloqueio imposto pelo imperialismo estadunidense à maior das Antilhas.

De uma forma peculiar, a Cúpula das Américas ratificou uma tendência inexorável na evolução da luta política na região latino-americana e caribenha – a da afirmação das nações que a integram – como donas de seus destinos. A rigor, esta tendência revelou-se inexorável quando, a dois e três de dezembro de 2011, foi criada a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), em Caracas, o que inaugurou uma nova etapa na história de Nossa América.

Naquele instante, Fidel e Raúl Castro consideraram ser este o mais importante acontecimento institucional em dois séculos da luta dos povos latino-americanos, tornando-se patente a opção patriótica desses povos pela paz, o desenvolvimento, a integração, a cooperação, a solidariedade, a autodeterminação, a soberania, a independência, a identidade e o direito a escolher os próprios caminhos para soerguer sua vida política e social.

Na Cúpula do Panamá, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, entreve-se, diferentemente da maioria dos seus antecessores, não mais com ditadores ou governantes civis reacionários, fantoches do império, complacentes com as políticas de “canhoneiras”, da “boa vizinhança”, da “Aliança para o Progresso”, do “alinhamento automático” ou da Aliança de Livre Comércio das Américas (Alca). Desta vez, o chefe de turno da Casa Branca houve-se com líderes que dialogam de igual para igual e fazem ouvir a voz altaneira de representantes de povos dignos.

A Cúpula das Américas do Panamá entra para a história como o fórum em que se afirmou a solidariedade com a Venezuela Bolivariana, o rechaço ao intervencionismo e ao golpismo imperialista e oligárquico, aos intentos desestabilizadores e às injustas sanções; o compromisso com a solução pacífica do conflito colombiano, com uma paz democrática e pelo progresso social; o respaldo à luta pela independência de Porto Rico; a denúncia da ofensiva que consiste em tramar e fomentar os chamados “golpes suaves”, novos tipos de intervenção que utilizam os meios de comunicação privados e monopolistas e Organizações não Governamentais (ONGs) que atuam a soldo de potências imperialistas; a ratificação dos caminhos de integração escolhidos pelos governos progressistas, caminhos irreversíveis, que resultam na formação de novo polo geopolítico mundial a favor da paz, do desenvolvimento e do progresso social.

Neste quadro, ganham relevo as palavras do presidente cubano, Raúl Castro, sobre a nova realidade interamericana: “As relações hemisféricas, em minha opinião, hão de mudar profundamente, em particular nos âmbitos político, econômico e cultural; para que, baseadas no Direito Internacional e no exercício da autodeterminação e da igualdade soberana, se centrem no desenvolvimento de relações mutuamente proveitosas e na cooperação para servir aos interesses de todas as nossas nações e aos objetivos que se proclamam”.

A Cúpula das Américas foi também o cenário em que se reafirmou a opção por um novo caminho de desenvolvimento, em contraste com o modelo neoliberal. O novo paradigma é caracterizado pelo esforço para adotar um modelo nacional de desenvolvimento e implementar políticas centradas na busca da justiça social. Malgrado as dificuldades, este é o rumo que orienta a maioria dos países da região.

De acordo com a presidenta brasileira Dilma Rousseff, hoje “a América Latina e o Caribe têm menos pobreza, menos fome, menos analfabetismo e menos mortalidade infantil e materna. [...] Mas é preciso mais riqueza, dignidade, educação e é isso o que vamos construir nos próximos anos”, afirmou, mostrando-se, entretanto, atenta à “persistência de desigualdades, que ainda afetam, em diferentes graus, a todos os países do hemisfério”.

A 7ª Cúpula das Américas foi, em todos os sentidos, um fato alvissareiro, uma ocasião que propiciou avanços na caminhada para construir relações de respeito, cooperação e complementaridade, que assegurem o progresso e preservem a autodeterminação dos povos, assim como a ampla e profunda democracia.

Foi um sinal dos tempos, mais uma comprovação de que os povos da região estão vivendo uma época de mudanças e uma mudança de época.

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