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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, abril 25, 2015

O aeroporto de Cláudio, o helicóptero e a rota do tráfico de drogas

No caso do helicóptero dos Perrellas, uma dúvida: aeroportos irregulares serviram de parada para abastecimento?
Jornal GGN - Quando a apreensão de quase meia tonelada de pasta de cocaína transportada num helicóptero dos Perrellas veio à tona, no final de 2013, autoridades estadunidenses pisaram em solo brasileiro para ajudar na apuração da origem e destino da droga. Investigações apontavam que a demanda teria sido negociada com mexicanos, mas saído oficialmente do Paraguai, com forte suspeita de que a Europa era o norte.
Fato é que consta nos depoimentos de Rogério Almeida, piloto preso em flagrante pela Polícia de Espírito Santo com mais comparsas, que a aeronave do então deputado Gustavo Perrella (Solidariedade) viajou de Avaré paulista até o Campo de Marte (A). De lá, para Divinópolis(B), e da cidade mineira para Afonso Cláudio, no Estado vizinho.
Na época, a imprensa levantou dúvidas técnicas sobre o helicóptero.
Modelo R-66, a aeronave só sai do chão suportando o peso máximo de 1.225 quilos. O helicóptero consome 581 quilos desse limite. Com o tanque cheio, iriam mais 224 quilos. Sobrariam 420 para a carga restante, contandos aí os passageiros. Só de cocaína, a polícia informou  ter apreendido 445 quilos.
Com os cálculos feitos levando-se em conta a distância percorrida pelo helicóptero (entre os três pontos, pelo menos 1,17 mil quilômetros, em linha reta) e a autonomia da nave, duas hipóteses foram levantadas: ou o piloto mentiu e a droga foi carregada num local mais próximo da fazenda em Afonso Cláudio, onde pousou o helicóptero, ou menos combustível foi colocado para equilibrar o peso da nave. Consequentemente, mais paradas para abastecimento seriam necessárias.
Nesse último caso, aeroportos não fiscalizados seriam perfeitos. O de Cláudio (C), construído durante a gestão de Aécio Neves (PSDB) enquanto governador de Minas Gerais (2003-2010), até hoje não foi homologado pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). O órgão federal garantiu que faltam documentos para concluir esse processo.
A obra é questionada pelo fato de beneficiar, teoricamente, um município de 25 mil habitantes e pouca expressividade econômica. Além disso, Divinópolis, por onde passou o helicóptero dos Perrellas, fica a poucos quilômetros dali, e possui aeroporto bem equipado.
Aécio não comenta se já usou a pista em Cláudio para facilitar o acesso à Fazenda da Mata, que pertence à sua família há décadas, a seis quilômetros do aeroporto denunciado. Há vídeos nainternet comprovando que o espaço é utilizado para shows de aeromodelismo. Familiares de Aécio disseram à Folha que pelo menos um avião pousa por semana por ali. A Anac vai investigar.
Na versão de Aécio, o aeroporto de Cláudio integra o Proaero, um programa que em sua raiz visava intervenções em mais de 160 lugares. Seriam construídos aeroportos locais ou regionais, ou melhoradas as condições das pistas existentes.
Denúncias sobre aeroportos construídos ou pistas que receberam investimentos vultosos nos últimos anos pipocam na mídia todos os dias desde que a Folha de S. Paulo revelou, em 20 de julho, que o equipamento em Cláudio foi construído em um terreno que pertence ao tio-avô de Aécio, Múcio Guimarães Tolentino. É a família Tolentino que, segundo o jornal, cuida das chaves do aeroporto enquanto o imbróglio envolvendo a desapropriação do terreno não se resolve na Justiça.
Segundo a assessoria de Aécio, a família Tolentino exige R$ 9 milhões pelo terreno. O Estado depositou em juízo cerca de R$ 1 milhão. Nesta sexta-feira (25), o periódico informa que Múcio Tolentino, ex-prefeito de Cláudio, é alvo de uma ação por improbidade administrativa.
O tio-avô de Aécio construiu uma pista de avião nas proximidades de sua fazenda, na década de 1980, com ajuda do governo estadual. A Folha sugere que a desapropriação da área em Cláudio pode garantir a Múcio o dinheiro necessário para pagar a multa desse processo antigo.
Um Tolentino acusado de relações com o tráfico
Múcio não é o único membro da família de Aécio Neves que frequentou as páginas policiais nos últimos anos. O comerciante Tancredo Aladim Rocha Tolentino, primo do candidato a presidente pelo PSDB, foi denunciado em 2012 como membro de uma quadrilha que atuava justamente na cidade de Cláudio vendendo habeas corpus por até R$ 180 mil a traficantes de drogas.
Tancredo Tolentino intermediava o negócio diretamente com Hélcio Valentim de Andrade Filho, então desembargador do Tribunal de Justiça do Estado. Em meados de 2012, quando o caso ganhou parte da mídia, o magistrado não assumiu os crimes. Tancredo Tolentino, por sua vez,reconheceu que “pediu vários favores ao desembargador e ao ter sucesso lhe dava certa quantia em dinheiro, como forma de agradecimento”.
Na época, os jornais passaram a informação de que Tancredo Tolentino era primo distante de Aécio.
Quando estourou o caso do helicóptero do filho de Zezé Perrella, blogueiros estreitamente ligados a José Serra (PSDB) tornaram-se, de repente, especialistas em helicópteros e passaram a divulgar a hipótese de que a carga de cocaína tivesse sido embarcada em Divinópolis, nas imediações de Cláudio. Na época, Serra ainda aspirava a indicação do PSDB para a presidência.
Mais fatos sem explicações
Aécio, enquanto candidato a presidente, deixou a postura ofensiva contra o governo Dilma Rousseff (PT) para se defender dos escândalos que surgem diariamente. Além do aeroporto de Cláudio, o tucano agora é incitado a dar explicações sobre outro aeroporto construído sem critério técnico inteligível, o de Montezuma.
A cidade tem menos habitantes que Cláudio - cerca de 8 mil - e nenhuma expressão econômica que possa justificar o investimento de mais de 200 mil numa pista batida de terra local. A não ser, como sugere reportagem de O Globo também desta sexta-feira, a proximidade com a fazenda do ex-deputado Aécio Cunha, pai de Aécio Neves.
Até  agora não há nada que ligue Aécio às estripulias de seu primo ou às aventuras do helicóptero dos Perrellas. Mas a soma de circunstâncias certamente o levará, nos próximos dias, a aprofundar as explicações sobre o aeroporto.

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