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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, abril 24, 2015

Joaquim Barbosa rasga elogios à Rede Globo

'Rasgação de seda' de Joaquim Barbosa com a Globo não condiz com a verdadeira história de mazelas acumuladas pelo maior grupo midiático da América Latina. Postura do ex-ministro do STF se opõe ao sentimento daqueles que repudiam os oligopólios e lutam pela democratização da informação

joaquim barbosa rede globo
Elogios de Barbosa para a Globo provocaram descontentamento até mesmo entre os seus admiradores (Imagem: Pragmatismo Político)
As manifestações elogiosas de Joaquim Barbosa para a Rede Globo provocaram surpresas em alguns internautas esta semana. Em sua conta oficial do Twitter, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) parabenizou a emissora pelo aniversário de 50 anos. “Parabéns à cinquentona TV Globo e aos profissionais que a construíram pedra-sobre-pedra! A Globo aproximou milhões de brasileiros a outros brasileiros, via língua, cultura, sotaques jamais antes imaginados”, escreveu.
A referência do ex-ministro à ‘democratização dos sotaques’ implantada pela Rede Globo costuma ser criticada por especialistas em comunicação que enxergam, ao contrário de Barbosa, um crescente direcionamento imposto pela emissora em busca da padronização da língua falada. Esse tema foi abordado por Pragmatismo Político ainda em 2012. Relembre no texto Assassinato da língua: ‘padrão Globo de qualidade’ extermina a voz brasileira
Barbosa continuou. Não se limitou aos elogios, mas também criticou os concorrentes do maior conglomerado de comunicação da América Latina. “Globo: fez pouco, mas já fez mais do que seus concorrentes na ainda discreta porém consistente inclusão de negros no jornalismo”, enfatizou. Os principais rivais da Globo na disputa pela audiência na TV aberta são Record, SBT e Band.
A ‘rasgação de seda’ de Barbosa pode ser explicada pela ótica das eleições gerais de 2018. O ex-presidente do STF pretende se lançar candidato à Presidência da República. Para costurar seus objetivos de chegar ao posto máximo do executivo federal, aproxima-se da família mais rica e poderosa do Brasil: os Marinho.

Omissão conveniente

É evidente que alguém do quilate de Joaquim Barbosa, um profissional que chegou ao mais elevado posto jurídico do país, tem claro conhecimento a respeito de todas as mazelas que envolvem a Rede Globo desde a sua criação. O apoio da empresa de Roberto Marinho à ditadura militar que assolou o Brasil durante longos 21 anos foi estampado em editorial do jornal O Globo de 2 de abril de 1964.
Sabe-se mais: os empresários que apoiaram o golpe civil-militar que instaurou um regime de exceção no País construíram grandes fortunas com dinheiro público. De acordo com o pesquisador da PUC e professor Fabio Venturini, a economia brasileira, à época do regime, foi posta em serviço das grandes corporações nacionais e internacionais. Ou seja, dinheiro público transferido de forma institucionalizada para a atividade empresarial privada. Neste processo, a Globo foi a maior beneficiada.
Se uma empresa foi beneficiada pela ditadura, a mais beneficiada foi a Globo, porque isso não acabou com a ditadura. Roberto Marinho participou da articulação do golpe, fez doações para o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipes, que organizou o golpe). O jornal O Globo deu apoio durante o golpe. Em 65, o presente, a contrapartida foi a concessão dos canais de TV, TV Globo, Canal 4 do Rio de Janeiro e Canal 5 São Paulo”, lembrou Fabio Venturini.
Ninguém duvida também que Joaquim Barbosa saiba da investigação aberta pelo Ministério Público contra a Rede Globo por sonegação fiscal, que, em valores corrigidos, pode ultrapassar o valor de R$ 1 bilhão.
Se por um lado é compreensível que Barbosa não se pronuncie, por conveniência, sobre essas questões delicadas, seria sensato também, por outro lado, que não alçasse a Globo a um patamar de heroína indelével. Em linguagem popular: pega mal elogiar um grupo que nasceu à reboque de um regime ditatorial, acumula processos por sonegação fiscal e, mais grave, luta pela manutenção de um monopólio da comunicação enquanto no mundo inteiro a sociedade clama por mais pluralidade e horizontalidade.

Descrédito e protestos

O descrédito contínuo da Globo é medido em números. Nunca antes a emissora amargou índices tão baixos de audiência. Diante de um cenário desalentador, seria normal imaginar que a queda de audiência na programação da emissora implicasse, consequentemente, em perda de receita. Não é o que acontece. A Globo continua a faturar alto e os herdeiros de Roberto Marinho jamais estiveram tão ricos, como mostrou a revista Forbes em lista publicada em 2014.
Por ironia, no momento em que Barbosa elogiava a Globo no Twitter, a hashtag#BrasilSemRedeGlobo ocupava posição de destaque entre os assuntos mais comentados da Rede Social. Foram também registrados protestos contra a Globo no Congresso Nacional durante a sessão que celebrou o cinquentenário da emissora e que contou com a presença de João Roberto Marinho. Manifestantes chegaram a ser presos pela polícia legislativa.
Se até aqui o leitor não considerou plausíveis as razões apontadas para justificar a crítica a Joaquim Barbosa pelos elogios à Globo, é importante relembrar, para os que já conhecem, e apresentar, para os que não conhecem, o Caso Escola Base: um exemplo nítido de como o poder desmesurado de uma concessão pública é capaz de destruir vidas.
*PragmatismoPolitico





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