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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 30, 2015

Acordo com ditadura possibilitou eleição de Havelange à FIFA
Acordo entre o dirigente e a ditadura previainvestimento do Estado no futebol
A associação entre esporte e política durante o regime miliar brasileiro possibilitou a eleição de um dos presidentes da Fédération Internationale de Football Association (FIFA) que mais tempo esteve à frente da entidade: João Havelange. Essa é uma das conclusões do mestrado “A Bola e o Chumbo: Futebol e Política nos anos de chumbo da Ditadura Militar Brasileira”, apresentado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Segundo o cientista político Aníbal Chaim, autor da pesquisa, a aproximação entre o poder político e o esportivo ocorreu no momento em que os governantes militares vivenciavam uma situação de insegurança e indefinição quanto ao futuro. Menos de duas semanas antes da publicação do Ato Institucional (AI-5), que dava ao presidente da República poderes excepcionais, o então presidente do Brasil, Arthur Costa e Silva, se reuniu com João Havelange, na época presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) — atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF) —, e os dois fecharam um acordo que previa investimento do Estado no futebol nacional.
Do lado do governo, o intuito era associar sua imagem à do futebol brasileiro em busca de estabilidade política e aceitação popular do regime, já que o esporte era a representação nacional com maior poder simbólico junto ao povo, principalmente pelas conquistas da Copa do Mundo em 1958 e 1962. Para Havelange, o acordo seria o apoio necessário para alcançar seu plano pessoal: ser eleito presidente da FIFA.
“João Havelange usou dinheiro da ditadura militar para se eleger para a FIFA, mas isso não quer dizer que a ditadura tenha lhe dado dinheiro diretamente com esse objetivo, isso não aconteceu. O investimento do governo na seleção e no futebol brasileiro, de forma geral, foi a chance de ouro para que Havelange obtivesse um suporte financeiro robusto o suficiente para executar seus projetos com vistas à conquista do cargo de presidente da federação internacional”, explica Chaim.
veja o vídeo a seguir ou pelo link:
FinanciamentoO primeiro resultado concreto do acordo com o governo militar foi a criação daLoteria Esportiva, que seria a principal fonte de recursos financeiros da CBD. “Com esse dinheiro, Havelange promoveu uma rigorosa preparação física para os jogadores da seleção de 1970. O principal objetivo do governo militar era associar-se ao sucesso do ‘Brasil’, fosse esse o país representado pelo Estado que dirigiam, fosse esse a seleção nacional de futebol. Não seria possível fazer propaganda de um time fracassado”, ressalta o pesquisador.
O tricampeonato no México converteu o futebol brasileiro em um valioso instrumento de promoção do regime militar, já sob o comando de Emílio Garrastazu Médici que assumiu a presidência da República em 1969. Após a conquista da Copa de 1970, o presidente da CBD lançou sua candidatura à FIFA e começou a promover excursões pelo mundo com a seleção brasileira e o Pelé com o objetivo de cativar potenciais eleitores para assembleia da entidade.
“Para chegar ao poder, ele teria duas alternativas: uma delas seria conquistar os presidentes das grandes confederações de futebol da Europa, o que seria uma tarefa muito difícil. A outra seria investir maciçamente no apoio de dirigentes esportivos dos países de terceiro mundo, ou seja, desafiar a hegemonia europeia na FIFA. Havelange optou pela segunda. A estratégia foi, então, utilizar o futebol brasileiro e seu astro maior, o ‘Rei Pelé’, como moeda de troca para a obtenção de votos dos países de terceiro mundo”, conta Chaim
ExcursõesDe acordo com o pesquisador, a prática da cobrança por parte da CBD para promover amistosos da seleção no exterior não era novidade. Na época, o preço praticado era de cerca de US$ 50 mil por jogo. Entretanto, para os jogos em que o dirigente brasileiro pretendia usar para construir apoio político, esse valor era reduzido para US$ 30 mil. “Como essa contava não fechava, era preciso utilizar dinheiro da CBD para cobrir o déficit com hospedagem, alimentação, transporte dos jogadores”.
Além das deficitárias excursões para o exterior, o dirigente brasileiro lançou, em 1972, a ‘Taça da Independência’, um torneio comemorativo em alusão aos 150 anos da Independência do Brasil. As principais seleções do mundo foram convidadas, mas as europeias, percebendo propósitos de Havelagne boicotaram a competição. “Eles acreditavam que, mais que um evento comemorativo, o torneio planejado por Havelange pretendia demonstrar para o mundo inteiro sua capacidade de liderar a organização de uma competição esportiva de alcance mundial, o que seria o passo final para consolidar seu prestígio político perante seus pares de todo o mundo”, relata.
Com a desistência dos europeus, participaram da Taça da Independência apenas os países cujos dirigentes já tendiam a apoiar o brasileiro para a FIFA, como os sul-americanos, os árabes e um combinado de jogadores de diversos países da África. “A África foi o principal lastro de votos do Havelange na eleição de 1974 à FIFA. Estimou-se que, dos 68 votos recebidos por Havelange no dia da eleição, 30 eram oriundos do continente africano. Com a debandada de seleções como Inglaterra, Itália e Alemanha, o apelo esportivo do torneio foi baixo e se mostrou um fracasso financeiro, mas por outro lado gerou uma base de eleitores importantíssima para o pleito da FIFA em 1974”, segundo Chaim.
DívidasErnesto Geisel, presidente que sucedeu Médici, desembolsou US$ 4 milhões para bancar o rombo que Havelange havia deixado na CBD. O regime militar iniciou investigações na confederação esportiva entre 1971 e 1972 e descobriu que o dinheiro da CBD financiava as excursões do Santos e da seleção fora do Brasil, além disso, por imposição de Havelange, era cobrado um preço inferior ao oficial. De acordo com o pesquisador, até mesmo Pelé, que havia celebrado uma aliança com o dirigente, baixava em US$ 4 mil o valor de seu cachê em jogos internacionais do Santos que interessavam ao candidato brasileiro à FIFA.
“É importante salientar que a CBD teve, a partir de 1970, o dinheiro oriundo da Loteria Esportiva como principal fonte de financiamento. Foi com o dinheiro dessa loteria que a CBD promoveu a maioria de suas atividades desde o início do ano de 1970. Pelo fato de a Loteria Esportiva ser um programa do governo federal para apoio ao esporte do Brasil, o mau uso de sua verba poderia render a Havelange sérios problemas com o governo. O governo militar tinha plena consciência do uso privado da verba pública que era feito pelo máximo dirigente esportivo do país, mas mesmo assim não o repreendeu por isso.”
Toda a pesquisa foi realizada a partir de informações de jornais, como a Gazeta Esportiva e Folha de S.Paulo.
Pedro Bolle / USP Imagens
Mais informações: email anibal.chaim@usp.br, com Aníbal Chaim
*agenciauspnoticias 

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