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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, julho 21, 2010

O Vice da Presidenta






As ideias e a postura de um vicepresidente




Entrevista: Temer diz que, como representante do PMDB na coalizão, negociará fatia do partido

“Quem tiver a maior bancada terá mais presença no governo”

Ruy Baron / Valor
Foto Destaque
Temer repudia a radicalização da campanha: “O que eleitor quer saber é quem vai lhe dar conforto”

Caio Junqueira e Paulo de Tarso Lyra, de Brasília – VALOR

Uma vez eleito vice-presidente na coligação encabeçada por Dilma Rousseff (PT), o presidente da Câmara dos Deputados e do PMDB, Michel Temer, garante que irá cumprir o papel que a Constituição lhe conferir: o de substituir o presidente da República em sua ausência. A afirmação, porém, não se sustenta por muito tempo, quando o próprio deputado expõe as credenciais que devem levá-lo a ser a eminência parda de um eventual governo Dilma.

Temer parece saber que sua disposição para o diálogo e conhecimento do Legislativo adquiridos no decorrer de 14 anos consecutivos como deputado federal, nove dos quais à frente do maior partido do país e seis como presidente da Câmara serão habilidades preciosas na ausência da popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva.

Declarações como “É muito provável que eu tenha um diálogo na formação do governo” ou “Eu acho que poderei ajudar (na relação do governo Dilma com o Congresso)” sinalizam que, ao contrário de Itamar Franco, Marco Maciel e José Alencar, o vice de Dilma tende a ser mais do que um vice-presidente.

Em entrevista ao Valor, ontem, concedida na residência oficial da Presidência da Câmara, Temer falou muito mais de 2011 do que de 2010, o ano em que deve ganhar a eleição para atuar no próximo. Fez prognósticos sobre a evolução que quer imprimir ao PMDB no caso de vitória da composição governista: de um partido sob a pecha de fisiológico para o de moderador das políticas públicas de um terceiro governo petista. Temer já descreve o critério para a divisão de poder com o PT: “O tamanho da bancada é o mais importante. O critério político é esse”.

O peemedebista deu sua visão de governo ao falar sobre a autonomia do Banco Central -que, segundo ele, não precisa ser formal, mas real-, e sobre as necessidades de que as reformas política e tributária sejam feitas já em 2011. Também disse não ver risco na crescente onda de aprovações ocorridas no Congresso que aumentam os gastos públicos. “A economia do Brasil tem retaguarda para isso”.

Valor: A vitória da chapa Dilma- Temer inauguraria no país o vice-presidencialismo, com um vice muito forte, fiador de uma titular com pouca experiência política?

Michel Temer: Essa tese parece ser a meu favor, mas é contra. O vice-presidente tem de cumprir as funções determinadas pela Constituição. A autoridade não vem da pessoa, mas da lei. Agora, é possível que pelo fato de eu ser presidente de um partido grande, forte, importante no país, eu tenha um diálogo no momento da formação do governo, já que vou ser o representante do PMDB nessa coalizão.

Valor: E na articulação com o Congresso?

Temer: Acho que poderei ajudar. Mas se eu exercerei essa função, não sei. Poderei ajudar pelo fato de ter sido três vezes presidente da Câmara. Tenho, graças a Deus, um bom diálogo com os colegas.

Valor: Há hoje briga de hegemonia entre o PT e o PMDB, que se reflete até em pequenas disputas de espaço no Congresso. É uma prévia do que vem por aí caso Dilma se eleja?

Temer: Vamos fazer uma parceria e creio que se depender do PT também há interesse. Não acredito que haverá dissonâncias quando estivermos no governo, vamos exercer funções de parceiros.

Valor: Mas o que vai definir a divisão de poder num eventual governo Dilma?

Temer: O tamanho da bancada é o mais importante. O critério político é esse. Quem tem a maior bancada tem maior presença.

Valor: Uma autoridade da campanha da Dilma disse que o apetite do PMDB por cargos terá de diminuir porque o partido já teria a vice-presidência…

Temer: Tudo isso terá que ser discutido depois. É preciso compor o governo de forma equilibrada entre os vários partidos. A função do vice é, simplesmente, substituir o presidente nas suas ausências. Só isso. Não vou poder, a todo momento, ficar ditando os rumos do governo. Creio que haverá um governo de colaboração dos vários partidos. É claro, pode ter uma ou outra postulação de cargo por um deputado, um senador. Mas não é a regra do conjunto do PMDB nem dos demais partidos.

Valor: Como o PMDB transformou-se de partido fisiológico em partido do poder moderador, como tem se definido?

Temer: Isso é fruto de um trabalho que fizemos ao longo do tempo para tirar do partido essa pecha. Mas eu quero dizer que ela não é justa. Nenhum governo hoje consegue levar adiante os seus programas se não fizer uma grande coalizão. E para isso sempre foi fundamental o PMDB. Nesses últimos quatro anos, passamos a ter uma interlocução que era mais programática do que fisiológica. Tanto que, nesse momento, não estamos esperando eleger o governo para participar do governo. Nós estamos fazendo uma coligação político-eleitoral-programática. Vamos trabalhar juntos para ganhar a eleição e vamos governar juntos.

Valor: Quais reformas são mais necessárias?

Temer: A da Previdência, tributária e política têm que ser feitas no primeiro ano. Não é que não tenham andado antes, deram alguns passos. Essas coisas na democracia fazem parte de um processo. Acho que estamos maduros para as três.

Valor: Uma reforma da Previdência é realmente prioritária para um governo Dilma? A aprovação da emenda que extingue a taxação dos inativos acima de 65 anos e a obstrução à previdência complementar para o funcionalismo não são um retrocesso?

Temer: Esta é apenas a tese do benefício de alguns setores. Mas a reforma da Previdência também envolve restrição de direitos. Qual o grande drama atual? A expectativa de vida. Você tinha uma expectativa de vida de 60, 65 anos e hoje você tem uma expectativa de vida de 80 anos. Qual é a nossa tese em matéria de previdência? Toda e qualquer modificação deve ser anunciada para aqueles que entram no serviço público.

Valor: Qual a reforma política defendida pelo PMDB?

Temer: Parto de quatro premissas. O poder emana do povo. A democracia é o regime das maiorias. Quem tiver maioria governa. Chega-se ao poder pelo voto das maiorias. Digo isso para desmerecer a idéia do quociente eleitoral, que visa basicamente a enaltecer os partidos políticos, mas é um equívoco em face da Constituição.

Valor: Por que?

Temer: Porque o correto é que quem teve mais votos seja eleito. Se conectarmos isso com a fidelidade partidária, você reduz a quantidades de partidos e ficam desnecessárias as coligações proporcionais, em que somos obrigados a nos coligar com partidos pequenos para atingirmos o quociente eleitoral e eleger nossos deputados. Minha posição é de que os deputados sejam eleitos pelo sistema majoritário. Por exemplo, que os 70 mais votados de São Paulo sejam os eleitos para a Câmara.

Valor: Então o sr., ao contrário do PT, defende o voto distrital?

Temer: Essa tese é a do chamado “distritão”. Cada Estado passa a ser um distrito para a disputa para a Câmara. Faz-se o mesmo nos municípios com mais de 200 mil eleitores. Você pega uma cidade como São Paulo e a transforma em distritos geográficos. É importante que tenha um vereador de Sapopemba, da vila Leopoldina, de Perdizes (todos os três, bairros paulistanos). Para as eleições para a Assembleia também, porque nos Estados às vezes tinha prefeito que não conseguia chegar a mim porque não tinha um representante para a Assembleia. Então se distritalizar no Estado também faz uma boa coisa.

Valor: O que acha do financiamento público de campanha?

Temer: É fundamental. Primeiro porque você não faz campanha se não houver contribuições. E quando tem contribuição, sempre há alguém que faz uma correlação com uma eventual empresa corruptora. Isso é um desastre.

Valor: Voto em lista também?

Temer: O voto em lista briga com essa teoria do mais votado. Se não prevalecer esse meu sistema eu apreciaria o voto em lista. Só que aí precisa de partidos mais solidificados.

Valor: Muitos defensores da reforma política alegam que esta melhoraria o nível dos representantes. O sr. é deputado desde 1986. De lá para cá caiu o nível do Legislativo?

Temer: Eu cheguei aqui com uma visão muito elitista do Legislativo. Achava que só os mais iluminados intelectualmente poderiam participar de uma casa dessas. Muitas vezes a gente trabalha com a teoria da representação popular e não observa a prática. Um dia um deputado me convidou para um churrasco na região dele em uma região muito pobre. Para mim foi um aprendizado. Ele conseguia representar o povo dali. Acho que a representação popular é o retrato do país. Agora como você modifica o retrato do país? Modificando os fotografados. O eleitor cada dia mais caminha para uma apuração dos costumes e a própria legislação caminha para essa direção. No instante em que se proíbe entrega de brindes nas eleições, por exemplo, está se apurando o sistema. Agora dizer que piorou ou não é muito subjetivo.

Valor: O sr. acha que o voto de de opinião está em extinção?

Temer: O voto de opinião perfila ao lado de todos os demais votos ligados a demais grupos de representação, como ruralistas, sindicalistas, economistas. São poucos os votos de opinião, mas eles existem.

Valor: E qual a fórmula política para que saia uma reforma tributária?

Temer: Uma verdadeira federação se faz pela repartição de competências tributárias e autonomia dos entes federativos. Você só é autônomo se tiver dinheiro no bolso. A federação se alicerça na autonomia política, mas esta está ancorada na autonomia econômica e financeira. Se você fizer uma repactuação tributária precisa descentralizar os recursos.

Valor: O aumento nos gastos públicos e os sucessivos reajustes ao funcionalismo são uma bomba relógio para o próximo governo?

Temer: Não acho. O país vai muito bem economicamente e tem condições de suportar os aumentos, por exemplo, do funcionalismo. Se o país estivesse por exemplo ainda devendo ao FMI, com problemas internos e sociais muito grande, teríamos um problema. Estamos diante da primeira eleição que o povo vai razoavelmente tranquilo para as urnas. Nas eleições anteriores tinha setores raivosos que iam para a eleição e setores não raivosos contemplados com o governo mas preocupados com aquela raivosidade. Hoje, não. O presidente Lula conseguiu pacificar as relações sociais. O empresariado satisfeito, a classe média foi ao paraíso, as classes D e E migraram para a classe C, o Nordeste cresceu.

Valor: O sr. aprova a atuação do BC, comandado pelo pemedebista Henrique Meirelles? O sr. defende autonomia formal do BC ou o formato que funciona hoje é o ideal?

Temer: A atuação do Meirelles foi corretíssima, eu não ouço uma crítica quanto a isso. Acho que tem de deixar uma autonomia real, não é preciso caminhar para uma autonomia formal, estabelecida por lei.

Valor: O que acha da omissão do parlamento ao atrasar a definição de uma política para o salário mínimo? Ou essa matéria pode continuar sendo regida por medidas provisórias?

Temer: Em primeiro lugar, eu quero registrar que o grande trabalho no passado foi o de equiparar o salário mínimo aos US$ 100. Hoje ele vale pouco mais de US$ 300. Avançou não só em relação ao trabalhador, que ganha mais, mas em relação à produção. Quem ganha mais, gasta mais e com isso, o Brasil também produz mais. Em face da estabilidade econômica, acho que podemos ter perfeitamente uma lei planejadora dos aumentos do salário mínimo. Se eu puder ajudar junto ao PMDB, ajudarei.

Valor: Há espaço para mudanças na política econômica brasileira?

Temer: Poderíamos, como o próprio (vice presidente da Caixa Econômica Federal) Moreira Franco incluiu em nosso programa, remunerar o FGTS com uma taxa que não seja tão pequena. Acho que ela comporta uma série de ajustamentos. E tem muito a ver com o lema da nossa campanha, que é “continuar mudando”. A ideia é que o presidente Lula mudou muita coisa e agora nós vamos continuar mudando, aperfeiçoando o sistema.

Valor: Quais os outros pontos, além das questões econômicas, precisam de ajustamentos?

Temer: Um dos problemas básicos do Brasil é a educação. Mais no nível básico do que no universitário. Nós vamos defender que se estenda o sistema do Prouni para o ensino básico. Fiquei impressionado com notícias mostrando que o aluno sai do ensino básico sem saber escrever. Isso é grave. Outro ponto que pretendemos explorar seria um aperfeiçoamento do Bolsa-Família. Num dado momento, o garoto se forma no ensino básico, no ensino médio e daí não tem recursos para começar a vida. Estamos sugerindo que o governo também acrescente ao Bolsa-Família uma quantia a título de poupança para que ele possa dar o passo seguinte.

Valor: Como o senhor avalia a atuação do MST?

Temer: Sou escravo da lei. Não quero desmerecer os movimentos sociais, acho que eles são importantes. Agora, todo movimento social tem que agir nos termos da estrita constitucionalidade e realidade. Se está fora da lei, não há como contemporizar. Quando invade terras produtivas está violando a lei. Não tenho a menor dúvida.

Valor: Qual sua avaliação sobre a saúde, área que esteve no segundo mandato com o PMDB e que nas avaliações do governo não há resultados positivos a apresentar?

Temer: O Temporão (José Temporão, ministro da Saúde) fez um bom trabalho, especialmente no combate às epidemias. Saúde tal como educação é uma área complicada. Ambas são fundamentais. Temos que investir muito financeira e administrativamente.

Valor: O senhor defende a recriação da CPMF?

Temer: No momento não há necessidade. Mas, se for necessário para trazer mais recursos à saúde, eu defenderia o voto a favor.

Valor: Como vê o debate dos royalties do pré-sal?

Temer: É preciso reequacionar a participação de todos os estados e municípios, sem prejudicar os estados produtores, é preciso fazer essa equação.

Valor: E a recriação da Telebrás para atuar no Plano Nacional de Banda Larga?

Temer: Não sou a favor do ingresso do Estado em vários setores, especialmente setores que já estão sendo bem tratados pela iniciativa privada. Agora, em tudo aquilo que houver falta da atuação privada e o Estado puder compensar para estender o serviço a todos os brasileiros, eu acho útil (a intervenção do Estado). O que não quero é que a intervenção do domínio econômico se dê em setores que já estão caminhando, mas que a intervenção possa se dar em setores ainda não encobertos e transitoriamente porque isso também desonera o poder público.

Valor: Como avalia a declaração do candidato a vice na chapa que é sua adversária denunciando as ligações do PT com as Farc?

Temer: Foi uma declaração infeliz dele. A Dilma tem feito uma campanha realmente elevada e acho que pode servir de exemplo para todos que estão disputando. Se mantivermos essa linha, será importante, porque afinal o que eleitor quer saber é quem vai lhe dar conforto.

Postado por Luis Favre

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