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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Mubarak renuncia no Egito

O POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO


Após 18 dias de intensos e violentos protestos que tomaram diversas cidades do Egito, o ditador Hosni Mubarak, 82, renunciou ao poder depois de comandar uma ditadura com mão de ferro durante 30 anos. O anúncio foi feito pelo vice-presidente egípcio, Omar Suleiman, na TV estatal. Em poucos minutos, centenas de milhares estavam em festa e aos gritos na praça Tahrir, epicentro das manifestações de oposição.
"Presidente Hosni Mubarak decidir renunciar como presidente do Egito", disse Suleiman, em um breve anúncio, acrescentando que o poder foi entregue às Forças Armadas.
Segundo Suleiman, a decisão foi tomada diante das "difíceis circunstâncias pelas quais o país passa".
A saída de Mubarak solidifica a crise no mundo árabe, sendo a segunda ditadura a ruir na região em menos de um mês. Ainda no dia 14 de janeiro a Revolução do Jasmim levou o ditador da Tunísia, Zine el Abidine Ben Ali, a abandonar o país, em meio ao movimento que se alastrou para outros países, causando protestos na Mauritânia, Argélia, Jordânia e Iêmen.
Após o anúncio, uma explosão de alegria tomou as ruas do Cairo. Centenas de milhares de egípcios agitaram bandeiras, choraram e se abraçaram em celebração. "O povo derrubou o regime", cantavam em coro.
Manifestantes antigoverno tomam as ruas da litorânea Alexandria, segunda maior cidade do Egito, no 18º dia de protestos
AFP
A renúncia ocorre menos de 24 horas depois de fortes rumores de sua saída imediata do poder. Na noite de quinta-feira, Mubarak discursou à nação e disse que passava parte de seu poder a Suleiman, mas permaneceria até setembro - quando estão previstas eleições presidenciais. O discurso de "fico" causou fúria nos manifestantes que marcharam em direção ao Palácio Presidencial aos gritos para que deixasse o poder.
O ditador Mubarak ascendeu na Força Áérea - principalmente pelo seu desempenho na guerra de Yom Kippur com Israel - e tornou-se vice-presidente em 1975. Ele assumiu a Presidência quando islamitas mataram a tiros seu antecessor, Anwar Sadat, em um desfile militar em 1981.
Mubarak se beneficiou de artigos da Constituição egípcia que ditam mandatos presidenciais de seis anos com um número de reeleições indefinidas. Além disso, alterações à lei fizeram com que a vitória de candidatos de outro partido que não o seu fosse praticamente impossível.
Sob denúncias de corrupção e em meio a diversas acusações de abusos de autoridade e prisões tornadas possíveis devido ao estado de emergência, em vigor há 30 anos no país, a imagem de Mubarak deteriorou-se ao longo dos anos.
Aos 82 anos, Hosni Mubarak renunciou ao comando do Egito após três décadas à frente da ditadura no país
Amr Nabil-8.fev.2011/AP
Aliado de Washington na região, o ditador usufruía de boas relações com o Ocidente embora fosse fato conhecido de que seu governo era uma ditadura de mão de ferro.
Mubarak também era bem visto por ter mantido um acordo de paz com Israel, assinado em 1979, país com o qual o Egito travou três guerras.
Nas eleições legislativas de novembro passado, o partido de Mubarak ganhou cerca de 90% dos assentos no Parlamento, que viu a principal oposição islâmica perder todos os seus 88 lugares, garantindo ao partido de Mubarak as decisões do Parlamento e apertando o punho Mubarak no poder.
SAÍDA DO CAIRO
Em uma tentativa de acalmar os manifestantes, Mubarak anunciou dias atrás que não concorreria às eleições presidenciais de setembro próximo, mas alertou que ficaria no poder até lá para evitar o "caos" no país. Ele mandou ainda seu vice, Omar Suleiman, negociar com a oposição --oferta que foi rejeitada. Os manifestantes exigiam que Mubarak deixasse o poder antes de iniciar qualquer diálogo.
Mais cedo, o porta-voz do partido de Mubarak havia confirmado que o mandatário e sua família viajaram para o balneário de Sharm el-Sheikh, no mar Vermelho.
"Ele está em Sharm el-Sheikh", afirmou Mohammed Abdellah, do Partido Nacional Democrático.
Pouco antes, fontes ligadas ao governo informaram que Mubarak e a família haviam deixado o Cairo nesta sexta-feira, mas sem deixar claro qual era o destino.
A TV estatal egípcia informou também que uma importante declaração de Mubarak será transmitida em breve, mas não deu mais detalhes.
A edição digital do jornal pró-governo "Al Ahram" afirma, citando fontes próximas às Forças Armadas, que Mubarak esteve em uma base militar durante as últimas 48 horas para garantir sua segurança.
Guardas presidenciais egípcios observam manifestantes rezando na entrada do palácio presidencial, no Egito
AP
O jornal diz ainda que, "devido à situação na capital, foi impossível para o presidente mover-se com segurança com sua comitiva habitual".
A informação sobre a viagem de Mubarak também foi divulgada pelas redes de TV árabes Al Arabiya e Al Jazeera. Sharm el-Sheikh, localizado no extremo sul da península do Sinai, é o local em que Mubarak costuma receber personalidades estrangeiras e realizar conferências internacionais.
PROTESTOS
Os violentos protestos registrados no Egito por mais de duas semanas registraram quase 300 mortes, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), além da morte de jornalistas e diversos ataques à imprensa.
Iniciadas no Cairo, as manifestações se espalharam por outras cidades, como Alexandria e Suez.
O Exército teve um papel crucial desde o início da crise, por vezes apoiando a população mas em algumas ocasiões também abrindo fogo contra os manifestantes.
Egípcios gritam frases contra o ditador Hosni Mubarak durante protesto na praça Tahrir, centro do Cairo
Pedro Ugarte/AFP
Nesta sexta-feira, centenas de milhares de pessoas fizeram orações na praça Tahrir, onde clérigos traçaram paralelos entre a luta dos manifestantes contra Mubarak e a do profeta Moisés com o antigo faraó. "Que Deus force os opressores para fora!", os clérigos diziam. "Amém, amém", respondiam os fiéis. Depois, seguiram para o palácio presidencial.
Do lado de fora do prédio, homens rezavam atrás de veículos blindados. Os militares não interferiram, apesar de eles terem bloqueado as principais ruas que levam ao palácio, um grande complexo onde Mubarak conduz a maioria de suas tarefas oficiais.
"Abaixo, abaixo Hosni Mubarak!", cantavam os manifestantes. Centenas deles andaram por mais de uma hora para chegar até o palácio na noite de quinta-feira, saindo do epicentro dos protestos, a praça Tahrir, no centro do Cairo.
"Saia! Por que você continua?", gritavam cinco mulheres idosas. "Trinta anos é o suficiente", elas diziam ao ditador, de 82 anos de idade. O número de manifestantes no palácio já era de 2.000 no início da tarde.
"Não sairemos até que Mubarak renuncie e, se Deus quiser, o protesto de hoje será pacífico", disse Yasmine Mohamed, 23, uma estudante universitária. "Tudo ficará bem e ele renunciará com certeza."
Manifestantes antigoverno participam das orações de sexta-feira na praça Tahrir, Cairo, no 18º dia de protestos
Suhaib Salem/Reuters
Um membro de um dos movimentos jovens por trás protestos, que começaram em 25 de janeiro, disse que os manifestantes iriam "tomar o palácio". "Teremos massas de egípcios após as orações de sexta-feira para tomá-lo", disse Ahmed Farouk, 27.
Na segunda maior cidade egípcia, Alexandria, na costa mediterrânea, centenas de milhares de pessoas foram às ruas após as orações. O xeque Ahmed al Mahalawi, em seu sermão na principal mesquita da cidade, pediu aos fiéis para não desistirem.
"Não recuem de sua revolução porque a história não irá recuar", afirmou o xeque em um sermão transmitido pela rede Al Jazeera. Mahalawi disse aos fiéis que eles estavam derrubando um "regime corrupto" que não serve para governar. 
*comtextolivre

O ditador caiu; o mundo árabe nunca mais será o mesmo
por Luiz Carlos Azenha
Estou em Caracas, na Venezuela, mas acompanho pela Telesur, ao vivo, a festa pela renúncia de Hosni Mubarak (a emissora reproduz a imagem da Al Jazeera e tem correspondentes no Cairo e em Damasco).
[É inacreditável que a Venezuela tenha uma emissora pública de alcance regional, que retransmite em espanhol conteúdo da Al Jazeera, enquanto no Brasil o modelo da TV pública parece ser o de copiar mal a Globo]
Seja qual for a composição do futuro governo egípcio, o pilar central da política externa dos Estados Unidos no Oriente Médio desabou com Mubarak. Essa política estava assentada na clientela de regimes autoritários, na exclusão dos partidos islâmicos e numa paz de cemitério com Israel em relação aos direitos dos palestinos.
Qualquer regime que responda mais às ruas que aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos vai reavaliar as relações do Egito com Israel e especialmente a política egípcia de se aliar a Israel para sufocar a faixa de Gaza. Dificilmente será possível manter a política de alinhamento automático a Washington, que no passado incluiu a prestação de serviços sujos (tortura e outros).
Mas o mais animador será a repercussão do que aconteceu no Egito em outros países árabes, da Síria à Jordânia, da Argélia à Arábia Saudita, da Líbia ao Iêmen.
O “wishful thinking” do governo da Venezuela é que renasça o nacionalismo árabe de Gamal Abdel Nasser. Pode ser, talvez até aconteça.
O fato é que a queda de Mubarak transformará o mundo árabe, a política externa dos Estados Unidos e de Israel e deixará clara a hipocrisia dos que acreditam que os direitos humanos dos iranianos, por exemplo, importam mais que os direitos humanos dos egípcios ou sauditas.
http://glaucocortez.files.wordpress.com/2011/02/5415825922_9e3b30a202_b.jpg

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