Dilma manda seguir em frente com a guerra pela audiência
Têm duas funções as cenas lamentáveis nas quais um dos mais importantes líderes da esquerda brasileira, guerrilheiro contra a ditadura que de branda não teve nada, é assediado por um comediante nos corredores da Câmara dos Deputados e, em seguida, ludibriado na sua boa-fé ao receber. com cortesia. um menino e o pai dele, a mando de um programa humorístico na TVBandeirantes. A primeira delas é a prova mais cabal que o Brasil goza de um período esplendoroso quanto à liberdade de expressão, após a luta de milhares de brasileiros e brasileiras contra a censura ditatorial, entre os quais estava aquele homem que quiseram enxovalhar. A segunda serve para mostrar ao grande público o que a mídia conservadora anda fazendo com a liberdade que aquele senhor de cabeça grisalha e aspecto sisudo ajudou o país a construir.
A questão maior que o episódio levanta, no entanto, é a importância de não matar o mensageiro e prestar atenção no que diz a mensagem. Instruídos por seus donos, os brincalhões industriados do CQC fazem o papel do palhaço no espetáculo encomendado por seus patrões. Quem aí já se esqueceu do festim diário nas tardes de julgamento da Ação Penal 470? Se não faz mais ideia do que se está falando, tem o livro do “imortal” Merval Pereira para lembrar, tintim por tintim, tudo o que interessa que seja lembrado pela audiência global. Com outro do jornalista Paulo Moreira Leite, desmentindo-lhe cada palavra, em A outra história do ‘mensalão’. O público para o qual as marionetes que se fazem de engraçadas tentaram ridicularizar o deputado José Genoino é o mesmo que aplaudiu o ‘Domínio do fato’ e colocou dinheiro público no processo, sem uma prova sequer, como mostra o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, supervisor editorial da revista Retrato do Brasil, em uma reportagem que será tema de análise na Corte Interamericana de Justiça.
Tão logo Genoino possa recorrer da sentença a que se vê submetido, a revisão integral do julgamento se fará necessária em uma instância judicial apartada da tentativa de golpe midiático ocorrida no Brasil, em plenas eleições do ano passado. Sorte para os brasileiros que a extrema-direita, patrocinadora da sanha jurídico-televisiva, levou umas belas palmadas nas urnas. A diferença é que, mesmo depois de sofrer sua mais fragorosa derrota na capital econômica do país, o resultado do julgamento na Suprema Corte de Justiça continua válido. E, qual uma ampulheta sinistra, guarda cenas ainda mais lastimáveis do que a execração pública sofrida por Genoino.
A mensagem é justamente essa: o que o bobalhão da corte midiática fez será apenas brincadeira de mau gosto, quando um dos homens mais distintos e corretos que esse país já produziu, coerente com sua história de resistência, for jogado na cela escura do presídio para onde será mandado, caso não lhe seja garantido o direito de recorrer, em liberdade, do destino a que os mais altos magistrados do país o condenaram. Essa, sim, será a imagem a ser estampada nos meios conservadores de comunicação, em riqueza de detalhes. Dias a fio.
O que o bufão travestido de repórter conseguiu produzir, além de um nó na garganta de quem já percebeu a imensa manobra em curso para minar o avanço do Brasil na direção da justiça social e de um Estado pleno para todos os brasileiros, e não apenas para a elite à qual esta Nação verteu sua riqueza, ao longo dos últimos 500 anos, foi a certeza de que algo precisa ser feito, com extrema urgência, para desmontar essa máquina de moer biografias, em nome do capitalismo senil. A medida não será decente e construtiva, como a civilizadaLey de Medios argentina. Nem terá a amplitude daquela comissão de controle da imprensa, votada e aprovada no Parlamento inglês. Muito menos observará a estrutura jurídica que o Congresso europeu aplica a todos os Estados-nação do bloco. A ilustre presidenta já deixou claro que, se algo acontecer por aqui será com vento de través, soprado por milhões de reais pagos aos cofres dos inimigos da democracia pela mesma mandatária da República que aplaude o barulho da imprensa domesticada, até ficar rouca.
Por ser Brasil, não seria fácil ou tranquila a democratização dos meios de comunicação. Como é de costume, será necessária uma nova revolução popular, mas dessa vez sem mortes físicas, espera-se, embora com muito sofrimento moral e lágrimas derramadas pelas noites mal dormidas de um sem-número de jornalistas que passa a integrar a resistência. A luta, no entanto, já é franca. De um lado, a imprensa independente, os ‘blogueiros sujos’ e a sociedade liberta do domínio midiático que só faz aumentar, eleição após eleição. Do outro, o poder bilionário da mídia conservadora, que agora tenta também dominar a internet, última trincheira da resistência contra o poderio das seis famílias que controlam a comunicação no Brasil. Terá que ser na raça, e da única forma possível, diante das graves circunstâncias que envolvem a questão, ainda que essa luta passe a dividir famílias inteiras, levar a tensão aos lares confrontados, roubar a tranquilidade dos brasileiros.
Por mais paradoxal que pareça, a solução para a derrota dos meios colonizados de comunicação foi apontada pela mesma presidenta que entope de dinheiro os canais de rádio e TV, os sites e blogs, os jornais impressos por aquelas mesmas empresas que estiveram a serviço dos conservadores, durante os Anos de Chumbo, lado a lado com os artífices da mais longa e encarniçada ditadura já vivida neste continente. A mesma presidenta que bloqueou o acesso da mídia alternativa aos recursos publicitários federais, para destiná-los quase que integralmente aos cúmplices dos seus algozes, DilmaRousseff apresentou uma alternativa aparentemente simples, quase pueril. Mandou a audiência decidir, por meio do controle remoto, como este país deseja ser informado da realidade que o cerca.
Se for este o único caminho possível, que a audiência seja então o campo da batalha final na guerra pelos corações e mentes do povo brasileiro. E que todos aguentem as consequências, pois dessa guerra não sairá um vencedor, apenas um país mais embrutecido, dividido e hostil.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.
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