É assim que se faz uma Copa do Mundo?
Por Fernanda Sánchez*
Nesta
sexta-feira, o Batalhão de Choque da Polícia Militar invadiu a Aldeia
Maracanã, antigo Museu do Índio, e agiu com extraordinária truculência.
Os policiais jogaram bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, gás
pimenta, bateram nos manifestantes e prenderam ativistas e estudantes. A
Aldeia estava ocupada desde o ano de 2006 por grupos representativos de
diferentes nações indígenas que, nos últimos tempos, diante do projeto
de demolição do prédio (para aumentar a área de dispersão do Estádio do
Maracanã, estacionamento e shopping), vinham resistindo.
As
lideranças indígenas são apoiadas por diversos movimentos sociais,
estudantes, pesquisadores, universidades, comitês populares,
organizações nacionais e internacionais de defesa dos Direitos Humanos,
redes internacionais e outras organizações da sociedade civil. A luta
dos índios e o conflito estabelecido entre o governo e o movimento
resultaram num importante recuo do governo, que diante da pressão social
desistiu da demolição do prédio e passou a defender a sua
“preservação”. A desocupação do prédio foi decretada, com hora marcada.
Os índios, no entanto, continuaram a resistir, apoiados por diversas
organizações.
Certamente
essa posição política ensina muito mais aos cidadãos cariocas e ao
mundo sobre preservação, direitos e cidades do que as violentas ações
que vêm sendo mostradas nos diversos meios. Para os índios e para as
organizações sociais que os apoiam, preservar o prédio vai muito além de
preservar sua materialidade. A essência da preservação, neste caso como
em muitos outros, está na preservação das relações sociais, usos e
apropriações que lhe dão sentido e conteúdo. Seria um exemplo para o
Brasil e para o mundo a preservação da Aldeia Maracanã, o reconhecimento
de seu uso social e a pactuação democrática acerca da reabilitação
arquitetônica do edifício.
Cada vez
que se comete um ato de violência que coloca em risco a integridade de
um grupo social indígena, se esfacela sua cultura, seu modo de vida,
suas possibilidades de expressão. É uma porta que se fecha para o
conhecimento da humanidade, como dizia Levi-Strauss. É essa a Copa do
Mundo que o governo quer fazer? É esse espetáculo da violência, a lição
civilizatória que o Rio de Janeiro tem para mostrar ao mundo? A
política-espetáculo tem um efeito simbólico: mostrar que o avanço do
projeto de cidade, rumo aos megaeventos esportivos, far-se-á a qualquer
custo.
Direitos
humanos, democracia e pactuação estão fora da agenda deste projeto de
cidade. Os manifestantes, em absoluta condição de desigualdade frente à
força policial e seu aparato de violência, lançaram mão de instrumentos
bem diferentes daqueles utilizados pelo Batalhão de Choque: ocuparam o
prédio para apoiar os índios, resistiram à sua desocupação e
manifestaram, no espaço público, nas ruas e avenidas do entorno do
complexo do Maracanã, sua reprovação e indignação frente à marcha
violenta desta política.
*Fernanda Sánchez é professora da UFF e pesquisadora sobre megaeventos e as cidades.
*Mariadapenhaneles
Nenhum comentário:
Postar um comentário