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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, março 22, 2013

A ESTRANHA MORTE DE JANGO


(HD) - A família de João Goulart autorizou a exumação de seus ossos, a fim de que se averigúe a causa de sua morte – atribuída a um ataque cardíaco. O presidente deposto era, desde jovem, cardiopata, e isso facilitou a versão oficial para o óbito prematuro. Jango morreu aos 57 anos. Sobre o assunto tenho depoimentos a dar. O primeiro deles é sobre a personalidade serena de Jango. Conheci-o em seus primeiros meses como Ministro do Trabalho, em visita a Belo Horizonte.
         Como repórter, acompanhei-o em seus encontros com os líderes sindicais de Minas. Eu o veria várias vezes nos anos seguintes, antes de com ele conviver no exílio em Montevidéu. Jango foi fiel à memória de Vargas, a quem dedicava afeto de filho. Suas idéias eram as de Getúlio. A ele devo manifestações fortes de solidariedade naqueles anos sombrios.
         Quando Lacerda morreu, Tancredo Neves comentou comigo suas suspeitas. Era curioso que as três personalidades mais fortes da oposição ao regime militar, e que haviam estabelecido uma aliança para a recuperação republicana do Brasil, morressem uma depois da outra: Juscelino em agosto e Jango em dezembro de 1976, e Lacerda em maio do ano seguinte. “Se todos morreram por acaso, isso só pode ser proteção de Deus ou do Diabo aos militares”.  Como já estivéssemos no processo conspiratório para a redemocratização do país, Tancredo abriu a camisa, mostrou a medalha que trazia no peito, e disse contar com seus santos protetores, entre eles São Francisco de Assis.
         Os inúmeros depoimentos conhecidos mostram que os Estados Unidos não hesitam em livrar-se de seus inimigos, reais ou imaginários, por todos os meios. Quando lhes convêm, contratam sicários para a tarefa sórdida, como fizeram, ainda no festejado governo Roosevelt, ao recrutar o sargento Somoza para matar Sandino e, em seguida, entregar-lhe o governo da Nicarágua. Da mesma forma atuaram, ao apoiar, ostensivamente, o general Pinochet a fim de dar o golpe, bombardear o Palácio de La Moneda e dar fim a Salvador Allende, presidente do Chile. Quando isso não é recomendável, ou não dispõem de assassinos confiáveis, usam seus próprios agentes. Eles o fazem no “interesse da pátria”.
         Conhecer a verdade sobre a morte de Jango, se  ainda é possível descobrir as provas de possível assassinato, 36 anos depois, é um direito de seus familiares, e, mais do que seu direito, direito da nação. Se isso ocorreu, provavelmente os responsáveis pelo assassinato ainda poderão  ser localizados – e pagar pelo seu crime. Se forem agentes estrangeiros, só um vazamento nos revelará a agressão.
         Mas o conhecimento do crime será advertência severa contra aqueles que, em nome da “ordem”, ou de qualquer outra idéia, pregam a supressão da liberdade e submissão dos povos ao terror do Estado ditatorial.

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