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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, março 21, 2013

Entre o popular do Vaticano, representado por Bergoglio, e o popular bolivariano, representado por Chávez, há uma distância colossal

Imagens latinas: entre Deus e o diabo

 



 

Via Brasil de Fato
Entre o popular do Vaticano, representado por Bergoglio, e o popular bolivariano, representado por Chávez, há uma distância colossal
Roberta Traspadini
Dois grandes acontecimentos marcaram o sentir e o sentido político da América Latina e do mundo neste mês de março.
Por um lado, a morte de Chávez foi apresentada, pela onipotente mídia burguesa, como o fim da tirania na América Latina, restando a morte de Fidel Castro, para pôr fim ao ciclo comunista no continente.
Por outro lado, a eleição do novo papa Bergoglio é apresentada como uma “nova” relação de poder popular da Igreja Católica, cuja imagem imaculada de São Francisco de Assis aparece como a significativa tônica do que virá na ação do novo líder do Vaticano no mundo, a partir da suposta historia humanista deste sujeito com o povo argentino.
Estamos diante de duas espetaculares imagens-fetiches, midiatizadas de forma antagônica: a construção do processo venezuelano como prisão perpétua comunista, caso Chávez se mantivesse vivo e no poder; a libertação teológica franciscana, a partir da gigantesca aparição do novo Papa, cujo poder é, segundo ele mesmo, humanista e popular.
Chega a ser anedótico, o profético projeto burguês-cristão de sociedade: América Latina figura entre o diabo e o salvador. Imagens cujo sentido é fazer o povo tomar partido entre um projeto que mata (comunismo), e outro que ressuscita (cristianismo).
Dessas imagens, os donos do poder vão reconfigurando, aos poucos, através de seus meios de comunicação, um histórico dever frente a noticia, em que a produção do senso comum atinge altos níveis de perversão, criada pelos formadores críticos hegemônicos.
Por trás da morte de Chávez, encobre-se uma situação concreta de mudança social, política e cultural em que o povo venezuelano, o reelege e legitima como líder, em plena despedida física, renovando os votos políticos de participação popular. Uma constatação que não combina com a fantasia de diabo pintada pela grande mídia. Ante os fatos e o mito, aparece a típica imagem do monstro comedor de criancinhas.
Oculta-se o real e redobra-se a condição de revelar mentiras, como se fossem verdades. É o sentido crítico burguês dando a tessitura da restauração social, a partir de uma velha-nova situação política na região.
Por trás da eleição de Bergoglio, a real situação de crise da Igreja Católica na América Latina e no mundo, há décadas, é encoberta. O crescimento do ateísmo e de outras religiões, além dos fatos cotidianos de abuso de poder de padres, bispos e outros sujeitos da cúpula política do Vaticano, desaparecem enquanto fato social concreto.
O discurso de consolidação de uma política evangelizadora mais humana, representada por um líder religioso latino-americano, cuja centralidade é a de cuidar dos pobres, mostra a perigosa relação de poder manipulador da Igreja no cotidiano do povo latino-americano.
E a reprodução fetichista das imagens continua: a despedida do povo venezuelano e latino a Chávez não apareceu na mídia dominante, mas a imagem da eleição do novo Papa segue cotidianamente presente.
Deveríamos fazer algumas perguntas: Por que o processo eleitoral, democrático e popular de Chávez, quando aparece, figura como despótico? Isto não é bem diferente daquilo que ocorreu na Venezuela? Por que uma eleição, cujo processo é apresentado através da cor da fumaça, é anunciada pela grande mídia, com a maior expectativa de mudança para a humanidade? Qual o cheiro da fumaça?
Estas perguntas exigem um aprofundamento sobre o sentido da ação política no continente e o perigo de discursos que não enveredam para práticas que os legitimam.
Entre o popular do Vaticano, representado por Bergoglio, e o popular bolivariano, representado por Chávez, há uma distância colossal: o popular dos números x o popular do protagonismo social.
O popular do Vaticano está centrado no aumento do número de fieis, há décadas em queda no continente latino e no mundo. Um aumento quantitativo que espelhe a reprodução dos valores cristãos, que estejam em consonância com seu discurso antidemocrático de não participação da mulher na política, de integrar os jovens em missões evangelizadoras, e de consolidação de um projeto de sociedade que não permita questionar o dinheiro, o banco, o poder ditador da forma hierárquica como se consolida a economia e a política na história desta religião.
O popular bolivariano tem como centro retornar ao povo o que historicamente lhe foi tirado pelo domínio burguês sobre suas vidas: a participação popular na política, a retomada das empresas públicas estatais, a melhoria das condições de vida de uma sociedade perversamente desigual, além da principal ferramenta de democratização dos meios de comunicação.
Entre o mito de deuses e diabos, restam apenas seres humanos repletos de contradições. Das contradições manifestas, devemos nos posicionar a favor da historia vivida pelo povo venezuelano que, não só chora, como revigora a luta aberta por Chávez e Fidel, sobre a vital construção do projeto popular na América Latina, contra a continuidade do despótico poder divino projetado há séculos sobre o continente.
Roberta Traspadini é professora da ENFF e da UFVJM, e integrante da Consulta Popular.
*GilsonSampaio

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