Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, março 28, 2013

Maria Luiza Tonelli: Presidenta, crie corvos e eles bicarão teus olhos



Do Viomundo -
Maria Luiza Tonelli: "Queremos o barulho da democracia mas com uma mídia democratizada"
por Maria Luiza Tonelli, especial para o Viomundo
O Brasil teve a mais longa ditadura da América Latina: 21 anos. Passamos por um período de redemocratização iniciado em 1985 e, finalmente, em 1988, com a Constituição chamada por Ulysses Guimarães de constituição cidadã, entramos efetivamente num sistema político de democracia, sob o Estado Democrático de Direito. Nossa democracia ainda é muito jovem, considerando que pela primeira vez o Brasil desfruta de um período de democracia ininterrupta, sem golpes no meio do caminho.
Às vésperas de completar 49 anos do golpe militar que contou com o apoio das classes privilegiadas, da imprensa, de intelectuais de direita, de grande parte da classe média brasileira e dos EUA, ainda estamos longe de viver numa verdadeira democracia em termos de efetiva igualdade de todos perante a lei e do respeito à dignidade humana, corolário da nossa Constituição.
O Brasil é um país constitucionalista, ou seja, um Estado no qual ninguém está acima da lei, nem governantes nem governados. Significa que nenhuma lei pode estar em contradição com a Constituição, bem como a nenhum cidadão ou grupo de indivíduos cabe, sob qualquer pretexto, agir de modo tal que contrarie o que diz nossa Lei Maior, mesmo quando percebemos que há colisão entre direitos.
Isso quer dizer que nenhum direito é absoluto. O direito à liberdade de expressão não é absoluto a ponto de violar o direito à imagem, à privacidade e à dignidade humana. 
Mesmo quando se trata de figuras públicas, o direito mínimo à privacidade deve ser garantido. Estar na condição de agente público não exclui direitos fundamentais e direitos humanos do político como indivíduo e como cidadão.
De modo simplificado, o que podemos dizer sobre a dignidade humana é que todo ser humano deve ser tratado como um fim em si mesmo, não como um meio, segundo a fórmula kantiana.
A dignidade humana é um valor intrínseco ao ser humano, um direito constitucional a ser respeitado e um direito humano que tem como pressuposto o fato de que, por sermos humanos,  todas as pessoas devem ser tratadas com igual respeito.
Trata-se de um valor supremo. Direitos humanos são universais, para todos, pelo simples fato de fazermos parte da espécie humana. É uma conquista da civilização o direito de não ser tratado de forma humilhante e degradante. O direito a não sofrer tratamento cruel, física ou psicologicamente. Mesmo um prisioneiro, pelo simples fato de pertencer à espécie humana, deve receber tratamento digno de modo a ter preservada a sua integridade física e mental.
Foi durante os 21 anos de estado de exceção que surgiram e fortaleceram-se, em termos econômicos e políticos, os grandes meios de comunicação hegemônicos deste país. Mesmo que a Constituição Federal vede o monopólio dos meios de comunicação, apenas seis famílias dominam a chamada grande mídia, concentrada fundamentalmente no eixo Rio-São Paulo.
Além disso, foi durante o período da ditadura que concessões de rádio e TV foram distribuídas para políticos que apoiavam o regime militar. Como verdadeiros latifúndios eletrônicos, através de rádios e TVs pelo Brasil afora, principalmente no Nordeste do Brasil, políticos perpetuam-se no poder, que é passado de pai para filho. Temos então num país de dimensões continentais uma grande mídia nas mãos de seis famílias e seus tentáculos nos estados da federação.
Isso, tudo junto e misturado, significa que quando a mídia se assume oposicionista ela atua fora dos marcos do parlamento, uma vez que além de atuar como porta voz dos partidos de oposição, também se constitui num verdadeiro partido político na defesa de seus interesses e de sua ideologia. Uma mídia que se arvora em ser representante dos interesses da sociedade, como se fosse um quarto poder na república.
Não é por acaso que os donos dos meios de comunicação querem nos fazer crer que regulação da mídia é sinônimo de censura. Não admitem a democratização dos meios de comunicação porque querem manter o monopólio a fim de conservar o poder político e aumentar cada vez mais  sua força econômica. Vale lembrar sempre que os meios de comunicação privados são empresas comerciais; logo, regidas pela lógica do mercado, embora apregoem que atuam na defesa da democracia, em nome da liberdade de expressão e de imprensa. Liberdade de imprensa não é sinônimo de liberdade de expressão. Além disso, devemos nos lembrar que empresas de comunicação são concessões públicas que, portanto, estão sujeitas a regras e normas constitucionais.
A longa preleção acima presta-se, principalmente, a uma questão: pode um meio de comunicação, em nome da liberdade de expressão e de imprensa, através de um programa pretensamente humorístico, expor uma pessoa a um tratamento humilhante, degradante, aviltante, em nome da liberdade de expressão e de imprensa, como fez o CQC com o deputado José Genoíno, sem considerar que se trata de um ser humano com direitos a serem respeitados? Uma mídia que hipocritamente fala tanto em moral e valoriza tanto os “valores da família” não considera que José Genoíno também tem uma família que sofre com tamanho linchamento moral?
Estamos às vésperas de completar 49 anos de um golpe militar que nos impôs 21 anos de ditadura, quando muitos foram mortos, outros perseguidos, presos, torturados barbaramente, simplesmente porque lutavam contra o regime de exceção e defendiam a democracia que nos foi solapada quando um presidente legitimamente empossado no cargo foi deposto pelos militares, saudados pela imprensa em seus editoriais no dia seguinte ao golpe.
José Genoíno, preso e torturado, foi um dos que teve a coragem de lutar contra a ditadura. Pelo mesmo motivo foi perseguida, presa e torturada a mulher que hoje preside este país. Genoíno, hoje achincalhado, é torturado psicologicamente pela mesma mídia que agora defende a democracia.
A presidenta Dilma já disse várias vezes que prefere o barulho da mídia na democracia do que o silêncio da ditadura. Nós não queremos o barulho de uma mídia que não respeita a Constituição nem os direitos humanos, pois no Estado Democrático de Direito ninguém está acima da lei. O que queremos é o barulho da democracia com uma comunicação democratizada. Direitos quando são para poucos já não são direitos, mas privilégios.
A democracia foi inventada pelos gregos há quase dois mil e quinhentos anos como o regime da palavra e assim continua sendo.  Quando a comunicação está nas mãos de poucos não é apenas o direito humano e constitucional ao uso da palavra de todos que está sob ameaça, é a democracia que está em perigo.
Para quem sofreu na alma e na própria carne os horrores da ditadura, como a presidenta Dilma, é compreensível e louvável que defenda a total liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Mas isso não é condição suficiente para que tenhamos uma verdadeira democracia. Sabemos muito bem a quem interessa e o que favorece a desregulamentação da mídia neste país.
A presidenta Dilma deve saber o significado do adágio popular espanhol cria cuervos que te sacarán los ojos.

Maria Luiza Tonelli é advogada, Mestre e Doutoranda em Filosofia pela USP
Leia também:
Leandro Fortes: O nazijornalismo do CQC Patrick Mariano: Frase de jornalista/humorista do CQC é digna de torturador
*Saraiva

Nenhum comentário:

Postar um comentário