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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, março 29, 2013

O CERCO RELIGIOSO AO ESTADO LAICO

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"Quando se legisla sob bases religiosas, abre-se o caminho para todo tipo de intolerância e perseguição religiosa" (W.B Yeats)

“Perseguição não é uma característica original em nenhuma religião, mas é sempre a característica marcante de toda lei baseada em religião, ou religião estabelecida pela lei” (Thomas Paine)
Desde que se tornou República, há 123 anos, o Brasil é um Estado laico ou secular, o que significa que é um Estado que não adota uma religião oficial, nem se confunde com nenhuma confissão religiosa, permite a ampla liberdade de crença e descrença, com igualdade de direitos entre as diversas crenças e “descrenças”. E, acima de tudo, não aceita fundamentações religiosas para definir os rumos políticos e jurídicos do país.

Diferimos, pois, de Estados confessionais, que são aqueles que, embora não se confundam com a religião da maioria, adotam-na como religião oficial, permitindo que ela influa nos rumos do país, além de lhe concederem privilégios. Foi o que aconteceu com o Brasil Imperial e é o que acontece ainda hoje com países como a Argentina, o Paraguai e a Costa Rica, entre outros. E ainda existem as teocracias, nas quais o Estado se confunde com a religião e esta decide os rumos da nação e de seus cidadãos, com os dogmas religiosos pautando as políticas estatais e as relações privadas. É o caso da maioria dos Estados islâmicos, como a Arábia Saudita e o Irã.          

Mas, apesar disso, o laicismo ainda não criou raízes no Brasil. A presença de crucifixos em repartições públicas e instituições escolares, os feriados religiosos, a assinatura, há alguns anos, de uma concordata entre o Brasil e o Estado do Vaticano, na qual se concede privilégios à Igreja Católica  e, mais recentemente, a aprovação, no Rio de Janeiro, de uma lei que estabelece o ensino religioso na grade curricular obrigatória das escolas de ensino fundamental da rede municipal são exemplos disso.

Agora, segundo matéria do jornal O Globo de domingo, mais da metade das escolas públicas brasileiras subvertem a Constituição ao obrigar os alunos a assistir aulas de religião e mesmo a fazer orações. Segundo levantamento feito pelo portal Qedu.org.br, a partir dos dados do questionário da Prova Brasil 2011, em 51% dos colégios há o costume de se fazer orações ou cantar músicas religiosas. De acordo com a reportagem, nas escolas públicas de ensino fundamental que oferecem aulas de ensino religioso (dois terços do total), 49% dos diretores admitiram que a presença nessas aulas é obrigatória. A maior incidência dessas práticas ocorre no Tocantins, onde 73,9% dos diretores admitiram ser comum a prática de cânticos e orações nas escolas. Na sequência, estão os estados de Goiás (67,4%) e Espírito Santo (65,8). Os estados de menor ocorrência são Amapá (35,4%); Rio Grande do Sul (35,1%) e Santa Catarina (34,5%). 
A prática contraria frontalmente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), segundo a qual a religião é uma disciplina facultativa. Como se não bastasse, em 80% dessas escolas não há atividades alternativas para estudantes que não queiram assistir aulas de religião. E a reportagem relata ainda casos de bullying contra alunos praticantes do candomblé ou sem confissão religiosa, levados a cabo inclusive por professores.

Cristina Kirchner e o papa Francisco
Por essas e por outras é que podemos considerar “uma benção” para o Brasil o fato de o Conclave não ter elegido um papa brasileiro. Vocês já imaginaram a pressão que a santa madre igreja católica iria fazer sobre o governo federal para tentar impor sua agenda medieval – combate ao aborto, veto à pesquisa de células-tronco, à camisinha, aos direitos das mulheres, dos homossexuais e de outros “desviantes” – caso isso acontecesse? Para quem duvida, convém prestar atenção nos movimentos da Santa Sé em relação à Argentina. Principalmente agora que Cristina Kirchner disse que o papa Francisco é peronista...
  

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