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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, maio 02, 2013

Como Guantanamo se tornou o que é?

Guantanamo é o Gulag dos americanos
Um livro traz respostas interessantes e perturbadoras.
Guantanamo é o Gulag dos americanos

Quer saber como Guantanamo se tornou o horror que é?
Leia O Menino de Guantanamo,  da escritora inglesa Anna Perera. Uma versão em português foi lançada no Brasil pela Editora Agir.
Neste momento em que escrevo, uma greve de fome dos prisioneiros comove o mundo progressista. Cem dos 166 detestos aderiram ao protesto. Muitos estão sendo alimentados à força. O governo americano enviou  médicos e enfermeiras para ajudar a lidar com o problema.
E Obama, o sorridente e inoperante ocupante da Casa Branca, mais uma vez falou em fechar Guantanamo, uma promessa da campanha de 2008.
O Menino de Guantanamo é uma ficção baseada na realidade. Khalid é um adolescente inglês. Seus pais são paquistaneses, e acabaram indo para a Inglaterra, como tantos conterrâneos, para  fugir da miséria de seu país. Para os ingleses era uma coisa boa, porque os imigrantes representavam mão de obra barata para funções humildes que os nativos não estavam nem um pouco interessados em realizar eles próprios.
Khalid vai visitar a terra dos pais.
Mas havia um fato novo e destrutivo lá. Os Estados Unidos, na chamada Guerra ao Terror, estavam dando um dinheiro considerável a pessoas que denunciassem suspeitos de terrorismo. Era uma cifra que equivalia a meses, talvez anos de trabalho na miséria paquistanesa. Muitas pessoas inescrupulosas, para pegar o dinheiro, fizeram denúncias sem fundamento. Como não havia julgamento, como não havia advogado de defesa, como não havia procedimento legal nenhum, o delator ganhava uma pequena fortuna sem risco de descobrirem que ele mentira.
O acusado ia parar em Guantanamo.
É essa a história de Khalid. É essa a história de cerca de 60 garotos presos no Paquistão e no Afeganistão em situação obscura e enviados a Guantanamo. Pais e mães desesperados simplesmente não voltaram a saber de seus filhos. Na prisão as crianças foram tratadas como “combatentes do inimigo”, para usar uma expressão que vi dita num vídeo, pronunciada por um oficial americano que trabalhava em Guantanamo.
Só que os meninos “combatentes”, como mostraram os vazamentos realizados pelo Wikileaks, eram garotos inocentes como o Khalid do livro de Anna.
O que os Estados Unidos fizeram em Guantanamo é comparável ao que os soviéticos fizeram nos gulags tão bem descritos por Solzenitzen: reduzir o ser humano a nada. Subtrair pessoas do convívio com familiares, amigos, enviá-las a terras distantes e submetê-las a atrocidades.
Recomendei a minha filha Camila vivamente que leia este livro. Disse a ela que sugira aos professores que peçam aos alunos que leiam e discutam.
É uma aula – doída, mas essencial — de história contemporânea.

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