Bradley Manning nos deu a verdade
“Nessa semana o vimos de novo na televisão, durante seu julgamento. Acusado de 21 crimes diferentes ele foi condenado a 136 anos de prisão. Seus crimes se resumem num só: ele revelou a verdade sobre a guerra. Ele tirou o véu da mentira, colocou à nu a podridão, o terrorismo, o assassinato frio de homens, mulheres e crianças, gente civil.”
Elaine Tavares
Sempre
fui renitente com os estadunidenses. Aquela coisa do preconceito que a
gente vai madurando dentro da gente e que, por vezes, torna-se
cristalizado e burro. Então comecei a ler os livros de Gore Vidal e vi
que por lá havia vida inteligente. Mais tarde conheci Howard Zinn e,
obviamente, constatei que a história desse povo também é cheia de beleza
e de gente comprometida com a vida, com a verdade, com o bem de todos.
Não dá para confundir o governo e a elite podre com as pessoas de bem,
que assomam em milhares.
Uma dessas tem me
causado tristeza e ternura nos últimos dias. O bravo soldado Bradley
Manning. Sua carinha de menino, ainda cheia de espinhas, caminhando
entre os guardas, com o semblante imutável, definitivamente certo de que
fez o que tinha de fazer. Esse garoto era um analista de inteligência
lotado no batalhão de suporte da 2ª Brigada da 10ª Divisão da Estação de
Operação de Contingência, durante a Guerra dos EUA contra o Iraque.
Mais um desses meninos que são obrigados a servir num país distante,
travando uma guerra que não é deles, em nome de interesses escusos.
E
tal como outros tantos soldados metidos nessas guerras estúpidas,
Bradley viu coisas que não pode suportar. Todas essas denúncias que são
feitas de terror, assassinatos, estupros, violências, torturas. Tudo
isso passou por ele nos dados que manipulava no computador. Premido pela
consciência ele decidiu divulgar os horrores que eram praticados pelos
soldados no Iraque. Seu desejo era singelo: coibir os abusos. Como
qualquer estadunidense comum ele acredita em quase todas as histórias de
“mundo livre”, “democracia perfeita” e todas essas ideologias que o
governo martela todos os dias através dos meios de comunicação e outras
correias de transmissão. Ele sente orgulho em pertencer à armada de seu
país. Por isso era confuso ver o que via. Aquelas imagens que observava
no computador não fechavam com o ideal de mundo perfeito que tinha na
cabeça.
E foi por conta desse soldado que o
mundo pode ver imagens duras como a da morte de uma dezena de civis,
promovida sem qualquer pudor desde um helicóptero. E outras tantas
atrocidades que apareceram no sítio da Wikileaks. Pois tudo o que
Bradley queria é que esse terror tivesse fim. Na sua ingenuidade,
talvez, ele acreditou que o desvelamento da verdade sobre o que
acontecia no Iraque pudesse parar a máquina da morte.
Pois
o jovem soldado não sobreviveu à traição. Um informante que investigava
o caso dos vazamentos de informação conseguiu descobrir que era Bradley
a pessoa que havia desviado os documentos e o entregou às autoridades
estadunidenses. Ao contrário de Julian Assange ou Edward Snowden,
Bradley não teve para onde fugir. Foi preso e ficou confinado em
condições de detenção desumanas. Foi apresentado à nação como um
traidor. Virou o inimigo número um dos EUA. O “mundo livre” não podia
deixar barato o fato de ter tido sua máscara arrancada por um quase
guri. Assim, durante sua prisão, desde 2010, Bradley provou daquilo que
via seus companheiros fazerem com os “inimigos”. Foi submetido a
tratamento desumano. Segundo seu advogado, David, Coombs, Bradley
permanecia trancado, sozinho, na cela, sem que tivesse roupas de cama,
ou qualquer outro objeto pessoal. Até seus óculos foram retirados. Tudo o
que podia fazer era caminhar em círculos dentro da cela vazia. Durante a
noite, era obrigado a tirar toda a roupa e entregar aos guardas. Dormia
apenas com a cueca. Uma suprema humilhação que visava destruir sua
autoestima e seu desejo de viver.
Nessa semana o
vimos de novo na televisão, durante seu julgamento. Acusado de 21
crimes diferentes ele foi condenado a 136 anos de prisão. Seus crimes se
resumem num só: ele revelou a verdade sobre a guerra. Ele tirou o véu
da mentira, colocou à nu a podridão, o terrorismo, o assassinato frio de
homens, mulheres e crianças, gente civil.
E
ali estava ele, agora com 25 anos, sereno, ao ouvir a sentença. Talvez,
dentro do coração, ainda esteja cheio de perplexidade, porque tudo o que
queria era provocar o debate sobre o horror de uma guerra e os excessos
cometidos por seus companheiros. Bradley, ao contrário do que dizem
seus acusadores, queria salvar o seu “mundo livre”, limpá-lo das
manchas. Um garoto ingênuo e sonhador. Cometeu o terrível erro de
tentar salvar seu país. Deveria ser carregado nos braços como um herói
pelo seu povo. Deveria ser reverenciado por outros tantos jovens que,
como ele, partem para os confins da terra lutando em guerras que nem
entendem.
Bradley Manning nos deu as provas da
verdade tão denunciada. Agora vai pagar por isso, na solidão, certamente
submetido a toda sorte de humilhações.
Por
conta disso se articulam em todo mundo comitês de apoio ao soldado que
pedem a sua libertação. É que as pessoas que lutam por um mundo justo
sabem que esse é um dever. Bradley arriscou tudo para nos dar a verdade.
Agora é hora de retribuir esse doloroso presente.
*GilsonSampaio
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