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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, abril 21, 2014

Eduardo Galeano: “Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é pesadíssima”



Eduardo Galeano: “Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é pesadíssima”


Na Bienal de Brasília, escritor falou a respeito de sua obra mais famosa, As Veias Abertas da América Latina, e sobre o ofício da escrita. “Minha única ambição é ser um escritor capaz de reproduzir a esperança, a razão e a falta de razão deste mundo louco que ninguém sabe para onde vai”
Por Alex Rodrigues, da Agência Brasil
Vencedor de vários prêmios internacionais e com obras traduzidas em diversos idiomas, defensor de propostas contestadoras e frequentemente associado a ideias políticas de esquerda, o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano disse ontem (11), em Brasília (DF), que não voltaria a ler As Veias Abertas da América Latina, seu livro mais conhecido.
“Eu não seria capaz de ler o livro de novo. Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é pesadíssima. Meu físico [atual] não aguentaria. Eu cairia desmaiado”, brincou Galeano, que tem  73 anos, O escritor disse que, em todo o mundo, experiências de partidos políticos de esquerda no poder “às vezes deram certo, às vezes não, mas muitas vezes foram demolidas como castigo por estarem certas, o que deu margem a golpes de Estado, ditaduras militares e períodos prolongados de terror, com sacrifícios humanos e crimes horrorosos cometidos em nome da paz social e do progresso”. E, segundo ele, em alguns períodos, “é a esquerda que comete erros gravíssimos”.
Ainda sobre As Veias Abertas da América Latina, Galeano explicou que foi o resultado da tentativa de um jovem de 18 anos de escrever um livro sobre economia política sem conhecer devidamente o tema. “Eu não tinha a formação necessária. Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas foi uma etapa que, para mim, está superada.”
Autor internacional homenageado pela 2ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura, que começa hoje (11), em Brasília, o escritor disse que, embora algumas das questões abordadas nesse livro continuem “se desenvolvendo e se repetindo”, a realidade mundial mudou muito desde que a obra chegou às livrarias. Hoje, Galeano confessa que não tem interesse em reescrevê-lo ou atualizá-lo.
“A realidade mudou muito. Eu mudei muito. Meus espaços de penetração na realidade cresceram tanto fora, quanto dentro de mim. Dentro de mim, eles cresceram na medida em que eu ia escrevendo novos livros, me redescobrindo, vendo que a realidade não é só aquela em que eu acreditava”,ressaltou o escritor.
“A realidade é muito mais complexa justamente porque a condição humana é diversa. Alguns setores políticos próximos a mim achavam que tal diversidade era uma heresia. Ainda hoje há sobreviventes dessa espécie que acham que toda a diversidade é uma ameaça. Por sorte, não é. Ou seria justa a exigência do sistema dominante de poder que, em escala mundial, nos obriga a uma eleição muito restrita, ridiculamente mesquinha, e nos convida a elegermos como preferimos morrer: de fome ou de aborrecimento”, detalhou Galeano.
O escritor negou a intenção de concorrer a uma vaga no Parlamento uruguaio, o que chegou a ser anunciado pela imprensa local. Garantindo que sua maior ambição é a literatura, Galeano disse que não serve para a carreira política. “Minha única ambição é ser um escritor capaz de reproduzir a esperança, a razão e a falta de razão deste mundo louco que ninguém sabe para onde vai. Ser capaz de entrar nessa realidade que parece ser incompreensível. Isso é algo muito difícil que já me consome todo o tempo.”
Acusando o cansaço da viagem ao Brasil, o escritor evitou responder a algumas perguntas, como o que achava das manifestações populares que tomaram as ruas brasileiras em junho do ano passado; sobre as críticas à realização da Copa do Mundo no Brasil – “este é um tema muito delicado, sobre o qual não é possível se manifestar tão facilmente” – e sobre a persistência de muitas das mazelas apontadas em As Veias Abertas da América Latina. Galeano falou bem do presidente uruguaio José Mujica – “todos o querem” – e brincou com o episódio em que o falecido presidente venezuelano Hugo Chávez presenteou o presidente norte-americano Barack Obama com um exemplar de As Veias Abertas da América Latina.
Aos risos, Galeano disse que nenhum dos dois políticos tinha condições de entender o conteúdo do livro. “Chávez teve a melhor intenção do mundo, mas deu a Obama um livro escrito numa língua que o presidente norte-americano não conhece. Isso foi um gesto generoso, mas também cruel”, disse ele. Sobre outra de suas paixões, o futebol, preferiu não arriscar um prognóstico para a Copa do Mundo. “Não acredito nos profetas. Nem nos bíblicos, que dirá nos esportivos. Assim, o melhor é calar a boca e esperar.”
*revistaforum

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