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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, abril 06, 2014

DOIS FILMES PARA RECORDAR JOSÉ WILKER (1946-2014)


Nem sempre um grande ator tem seu talento imortalizado em culminâncias da sétima arte. 

José Wilker, que faleceu neste sábado, aos 67 anos de idade, constantemente me dava (a exemplo de Richard Burton) a impressão de ser muito maior do que seus papéis, buscando um personagem à sua altura e nunca o encontrando. 

Burton hoje é lembrado mais por produtos hollywoodescos típicos como Quem tem medo de Virginia Woolf? (d. Mike Nichols, 1966) e não por sua única quase obra-prima, O espião que saiu do frio (d. Martin Ritt, 1965). 

Wilker -coitado!- era tecnicamente perfeito e carismático ao extremo, mas se desperdiçou nos medíocres projetos televisivos e cinematográficos das organizações Globo.

Ganhou muito dinheiro e suas atuações se perderão na poeira dos tempos -ao contrário, p. ex., de um Jardel Filho, que lhe era inferior como artista, mas cujo desempenho em Terra em Transe (d. Glauber Rocha, 1967) deverá indefinidamente continuar sendo um marco do melhor cinema que o Brasil já produziu.

Dos filmes que Wilker estrelou, o principal continua sendo o primeiro Os inconfidentes (d. Joaquim Pedro de Andrade, 1972), no qual compôs um Tiradentes inesquecível.

Depois que passou a jogar suas pérolas para os porcos, nada há de tão destacado. Por exclusão, opto por O homem da capa preta (d. Sérgio Rezende, 1986), num reconhecimento da dificuldade que qualquer ator teria ao se defrontar com um tipo tão bizarro como Tenório Cavalcanti, o deputado pistoleiro da Baixada Fluminense que ocultava uma submetralhadora sob a tal capa preta, foi alvo de vários atentados e responsável por inúmeras mortes.

Aliás, o fato de sair-se tão bem no desafio de personificar figuras históricas díspares como Tiradentes, Tenório Cavalcanti, Juscelino Kubitschek, Lampião e Antônio Conselheiro atesta o quanto tinha de talento e versatilidade. 

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