Viajar para fora e voltar falando mal do Brasil
Por Pedro Schmaus
O
brasileiro médio admira sobrenomes. Não estou falando dos tipos comuns
como Oliveira, Carvalho, Santos ou qualquer um da Península Ibérica.
Refiro-me a sobrenomes de pronúncia complicada, provenientes da Itália,
Alemanha ou Japão, coisas como Brauer, Morin, Petrucelli, Leiko, Massini
ou Kimura.
Não
sei onde surgiu esse entusiasmo, mas de fato o pessoal acha lindo. Ter
um desses parece coisa de gente fina e educada. Há orgulho e um senso de
diferenciação, como se os donos desses sobrenomes fossem portadores de
uma nobreza que os meros Silva jamais possuirão. É como se tivesse uma
“ascendência de primeiro mundo”, algo que os torna distintos do resto da
massa miscigenada.
Eu
tenho um colega assim, o Thomas Eichelberger. Ele é brasileiro, mas
descende de alemães. Sempre que pode reclama do Brasil. Acha o país
subdesenvolvido e maldiz o dia em que sua família deixou a Europa. É
doido por um passaporte alemão. Não sabe porque ainda mora aqui, só fala
em se mudar.
Certo
dia estava caçoando de um senhor que falara “pobrema” em uma entrevista
na TV. O sobrenome do homem era Silva e Thomas logo fez piada, dizendo
que só podia ser “um Silva mesmo”. Nisso seu avô escutou a conversa e
soltou o seguinte:
Thomas
meu filho, entenda uma coisa. Nossa família deixou a Europa porque era
paupérrima. Chegamos aqui no Brasil para ganhar a vida na roça, mal
éramos alfabetizados. Para cá não veio gente bem-sucedida ou da realeza.
Você já viu algum rei cruzar um oceano para vir criar galinhas ou
plantar alface? Não seja bobo. Eichelberger pode parecer um sobrenome
especial aqui, mas na Alemanha somos Silva como esse homem na TV.
Milhões
sofrem do mesmo mal de Thomas e não importa se os seus sobrenomes são
considerados diferentes ou não. São pessoas que sempre colocam o Brasil
em uma posição de inferioridade se comparado com o resto do mundo, mesmo
que isso não seja verdade. Gente tomada por um problema que Nelson
Rodrigues chamou de complexo de vira-lata.
No
microcosmo sobre o qual escrevo – o segmento das viagens – podemos
notar esse mesmo complexo em sua melhor forma. Quem conversa com
viajantes internacionais nota que há uma epidemia entre eles. Eu a chamo
de “viajar para fora e voltar falando mal do Brasil”. É quase uma
mania.
Não
estou dizendo que o Brasil está acima das críticas, acho o patriotismo
exacerbado uma idiotice enorme. Críticas são saudáveis e necessárias,
mas quando estão imersas nesse complexo de vira-lata tornam-se parciais e
sem reflexão. É então que ouvimos absurdos inimagináveis, coisas que
testemunhei enquanto estive na estrada.
Como
alguém que reclamou um monte do atraso da bagagem na esteira de
Guarulhos, mas deu de ombros para o fato das rodinhas de sua mala terem
sido quebradas em Dubai. Ou um cara em frente ao estádio Camp Nou
elogiando o Barcelona, afirmando que o futebol espanhol é bom porque lá
não tem corrupção, enquanto segurava um jornal com os detalhes da
maracutaia que o mesmo Barcelona fez na transferência do Neymar.
Já
tive que ouvir gente que viajou para a Índia e voltou afirmando que lá o
transporte público é melhor do que no Brasil, ignorando o fato de que
todo dia 12 pessoas morrem em média só no metrô de Mumbai. Ou que todos
os asiáticos são mais disciplinados que nós, apesar do caos que é o
trânsito da maioria das cidades de lá. Enfim, em qualquer que seja a
comparação, o Brasil sempre está por baixo, não importa se está certo ou
não.
Encontrar
aspectos positivos sobre o Brasil não resolve nossos problemas, mas
ajuda a entender em que grau de desenvolvimento estamos e o que devemos
fazer para melhorar. Nada é mais efetivo para alcançar essa percepção do
que viajar. No entanto, quem sai de casa já tendo certeza de que seu
próprio país não presta, jamais conseguirá criar referências legítimas.
Estará preso a estereótipos, sem entender que os lados positivos e
negativos de um país são também os aspectos positivos e negativos dele
mesmo como indivíduo.
Em
visita ao Vietnã pude entender exatamente como se dá essa relação. É um
país pobre, mas de gente muito orgulhosa por manter sua soberania
frente a franceses e norte-americanos em duas guerras terríveis. Uma vez
em Hanói conversei com um veterano da II Guerra do Vietnã. Eu quis
saber o que ele esperava do futuro de sua nação, se existia um caminho a
ser trilhado rumo ao desenvolvimento. Ele me disse o seguinte:
Seu
país é como seu filho. O que ele faz de certo é mérito seu, assim como o
que ele faz de errado é também falha sua. Ao elogiá-lo, seja lúcido e
evite o exagero. Elogiar demais pode torná-lo indolente. Por outro lado,
ao criticá-lo, seja duro, porém não o ridicularize. Faça sua parte para
ajudar a melhorá-lo, não com deboche ou desprezo, mas sim bons exemplos
e dedicação.
Abraço!
*inversodocontraditorio
*inversodocontraditorio
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