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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, abril 05, 2014

 Mídia entra em campanha contra revogação ou revisão da Lei de Anistia

A maior parte da população brasileira quer a revogação ou a revisão da Lei da Anistia recíproca — 46%, segundo o Datafolha, contra 37% que se opõem — o ex-ministro José Dirceu defende há tempos um plebiscito para deliberação a respeito, proposta que nós de sua equipe publicamos aqui no blog, e a mídia vai na contramão mais uma vez.

Aproveita a passagem dos 50 anos do golpe cívico-militar de 1964 e da implantação da ditadura para, na esteira do material de análise e memória que publica a respeito, entrar em aberta campanha contra qualquer revisão da Lei — revogação, então, não quer nem ouvir falar. Os jornalões vêm com tudo nessa linha editorial contra. O Globo até já publicou um editorial combatendo qualquer alteração.

E vocês estão vendo o argumento a que se apegam, em que se fundamentam? Dizem que a Lei de Anistia foi negociada e pactuada pela nação para abrir caminho à redemocratização. Dizer isso é faltar com a verdade, é manipular, a lei não resulta de pacto nenhum. Foi imposta pela ditadura sob pressão, mas isso não elimina o fato de que foi promulgada por representantes de um regime que não permitia alternância no Poder, controle civil sobre os militares e as decisões governamentais, direito amplo do brasileiro votar e ser eleito e de se associar livremente.

Anistia foi baixada com o Brasil ainda amordaçado

Veio no bojo de uma situação política em que manifestações e passeatas pró-anistia eram violentamente reprimidas, e as entidades da sociedade civil e a própria sociedade, como um todo, eram ameaçadas. Tanto que depois do advento da Lei, continuaram os atentados à bomba — e incêndios — contra bancas de jornais, a entidades que batalhavam pela redemocratização como à OAB nacional, e o atentado do Riocentro.

O Congresso que aprovou a Anistia ainda vivia sob o bipartidarismo artificial imposto pela ditadura e um 1/3 do Senado era biônico, senadores nomeados pelo presidente Geisel, figura criada pelo-general presidente quando fechou Câmara e o Senado em 1977 e decretou o Pacote de Abril. Era, ainda, um Congresso mutilado em seu poderes pelas cassações e pressões que haviam se iniciado no começo da ditadura, a partir de 9 de abril de 1964, quando foi baixado o primeiro dos 17 atos institucionais e 104 atos complementares assinados pelos generais-ditadores.

Como é que essa lei foi pactuada, e com quem, se um lado detinha a força, o poder e o porrete, e o outro era obrigado a dizer amém? Negociada com quem, se contingente numeroso da oposição estava cassado, banido, exilado, nas prisões ou silenciado pelo medo, por pressões, pela tortura, por assassinatos e desaparecimentos políticos?

Argumento de que a Lei foi pactuada é furado

A Lei de Anistia em vigor no país há 35 anos pode ser chamada de tudo, menos de democrática porque não foi negociada coisa nenhuma, não teve o apoio da totalidade da sociedade civil — esta nem pôde opinar. Foi imposta por um ditador e teve, mais que tudo, com essa história do caráter recíproco,  propósito primeiro de anistiar  criminosos e  torturadores agentes da repressão que em nome do Estado agiram como foras da lei, e ainda que a política de repressão tenha sido guindada a uma política de Estado.

É furado, portanto, o principal argumento invocado pelos jornalões, de que não se deve nem se pode mexer na Lei da Anistia e retirar esse seu caráter de benefício recíproco porque ela resulta de um pacto da sociedade para redemocratizar o país. Arrumem outro.

E as Forças Armadas?

Agora, já que estamos falando em anistia, golpe e ditadura, não faz nenhum mal a equipe deste blog perguntar: quem compõe as comissões de sindicância e investigação constituídas pelas Forças Armadas e anunciadas por elas para apurar a tortura e outros crimes, assassinatos inclusive, cometidos em sete quarteis e outras instalações delas em São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Recife?

E por que os militares não constituem comissões de sindicância e investigação mistas, com representantes de entidades que cobram essa apuração, da Comissão Nacional da Verdade, familiares das vítimas torturadas e assassinadas nesses locais? Estas comissões não ficariam mais isentas e imparciais e seus resultados — prometidos pelo ministro da Defesa, Celso Amorim, para daqui a um mês — com maior credibilidade?

*comtextolivre

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