Por que Delfim Netto mente
Delfim com Boilesen, o chefão da Oban |
Delfim Netto é, provavelmente, um dos maiores casos de blindagem da
história e um exemplo de sobrevivência política impressionante.
Levou tempo para ele aceitar depor na Comissão da Verdade. Esteve lá no
ano passado. Na versão paulista da comissão, repetiu seu velho refrão
quando perguntado sobre os abusos do regime: não sabia de nada.
“Havia a mais absoluta separação. No meu gabinete nunca entrou um
oficial fardado”, disse. “Não existia nenhum vínculo entre as
administrações”.
Delfim não era um contínuo. Assinou o AI-5 quando era ministro da
Fazenda de Costa e Silva. “Direi mesmo que creio que não é suficiente”,
afirmou naqueles tempos. Ao chancelar o ato, estava ajudando a
suspender o habeas corpus para crimes políticos e contra a segurança
nacional, o que foi fundamental para a indústria da repressão.
Ocupou esse mesmo cargo entre 1969 e 1974, sob Médici. Depois foi
ministro da Agricultura e do Planejamento com Figueiredo. Sobre seu
legado, declarou que “Geisel quebrou o Brasil”. Não ele.
Nos anos Figueiredo, tornou-se uma figura meio pop. Jô Soares tinha um
quadro em que metia uns óculos de lentes de fundo de garrafa, um terno
apertado e o imitava. Num depoimento para o documentário “Muito Além do
Cidadão Kane”, Roberto Civita, da Abril, contava que, em 1980, quando o
grupo tentou uma concessão de TV, a empresa tinha a seu lado “Golbery e
Delfim, os dois homens mais importantes do governo naquela época”.
Declara não ter conhecimento da OBAN, apesar de sua proximidade com
gente como Henning Boilesen, o dinamarquês que presidiu a Ultragás e
financiou a tortura. Mesmo sob censura, o cidadão medianamente informado
tinha noção do que acontecia. Delfim, repito, não era um
contínuo. Depois da redemocratização, foi cinco vezes deputado federal,
virou colunista de jornais e revistas, conselheiro de Lula e absolvido
sem julgamento.
Delfim Netto mente. E impede que se conheça melhor um período importante da história do Brasil.
Albert Speer era conhecido como “o bom nazista”. Arquiteto do Terceiro
Reich, depois ministro do Armamento, querido de Hitler, sempre negou
ter ideia do extermínio em massa dos judeus. Foi julgado em Nuremberg e
preso em Spandau. Publicou uma autobiografia reveladora e doou parte
dos lucros para instituições judaicas de caridade.
Trinta anos após sua morte em 1981, documentos revelaram não apenas que
ele conhecia os campos de concentração como participou de roubos de
obras de arte de judeus.
Não há, hoje, um único edifício ou viaduto de Speer de pé em Berlim. A obra de Delfim está aí.
Kiko Nogueira
No DCM
*comtextolivre
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