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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, junho 17, 2010

Carta de Fidel anuncia a Guerra Iminente, mais uma vez USA e abusa / Porque o Socialismo fala Albert Einstein











Reflexões de Fidel...

do blog do Turquinho

A contenda inevitável
(Extraído de CubaDebate)

RECENTEMENTE, afirmei que o mundo esqueceria em breve a tragédia que estava prestes a produzir-se, como resultado da política aplicada, durante mais de dois séculos, pela superpotência vizinha: os Estados Unidos.
Temos conhecido sua forma sinuosa e ardilosa de agir; o impetuoso crescimento econômico atingido a partir do desenvolvimento técnico e científico; as enormes riquezas acumuladas a custa da imensa maioria de seu povo trabalhador e do resto do mundo por uma exígua minoria que, nesse país e nos demais, dispõe e desfruta de riquezas sem limite.
Quem é que se queixam senão os trabalhadores, os profissionais, os que prestam serviços à população, os aposentados, os que carecem de emprego, as crianças de rua, as pessoas desprovidas de conhecimentos elementares, que constituem a imensa maioria dos quase sete bilhões de habitantes do planeta, cujos recursos vitais se esgotam visivelmente?
Como são tratados pelas chamadas forças da ordem que deveriam é protegê-los?
Em quem batem os polícias, armados com todos os instrumentos de repressão possível?
Não preciso descrever fatos que os povos em todos lados, incluído o dos Estados Unidos, percebem através dos televisores, dos computadores e outros meios de informação em massa.
Um bocado mais difícil é desvendar os projetos sinistros daqueles que têm em suas mãos o destino da humanidade, pensando absurdamente que se pode impôr semelhante ordem mundial.
O que é que escrevei nas últimas cinco Reflexões com as quais ocupei o espaço do jornal Granma e do site CubaDebate, entre 30 de maio e 10 de junho de 2010?
Já os elementos básicos de um futuro muito próximo foram expostos com clareza e não têm recuo possível. Os impactantes acontecimentos da Copa Mundial de Futebol na África do Sul, no decurso de uns breves dias, concentraram a atenção de nossas mentes.
Mal temos tempo de respirar durante as seis horas de jogo que se transmitem o vivo e em direto pela televisão de quase todos os países do mundo.
Tendo assistido os jogos entre as seleções de mais prestígio em apenas seis dias, e aplicando meus pouco confiáveis pontos de vista, atrevo-me a considerar que entre a Argentina, Brasil, Alemanha, Inglaterra e Espanha se encontra o campeão da Copa.
Já não resta seleção proeminente que não tenha mostrado suas presas de leão nesse esporte, onde antes eu não via mais do que pessoas correndo no extenso campo de uma rede à outra. Hoje, graças a nomes famosos como Maradona e Messi, conhecedor das façanhas do primeiro como o melhor jogador da história deste esporte e seu critério de que o outro é igual ou melhor que ele, posso já diferenciar o papel de cada um dos onze jogadores.
Conheci também nestes dias que a nova bola de futebol é de geometria variável no ar, mais veloz e rebota muito mais. Os próprios jogadores, a começar pelos goleiros, queixam-se destas novas características, porém, inclusive, os atacantes e os defesas também se queixam, e muito, de que a bola viaja mais rápido, pois a vida toda eles aprenderam a manipular outra. Os dirigentes da FIFA é que decidem sobre o assunto em cada Copa Mundial.
Desta vez transfiguraram esse esporte; é outro, embora continue se chamando da mesma forma. Os fãs, que não conhecem as mudanças introduzidas na bola — que é a alma de um grande número de atividades esportivas— e lotam as bancadas de qualquer estádio, são os que desfrutam imenso e aceitarão tudo, sob o mágico nome do glorioso futebol. Até Maradona, que foi o melhor jogador de sua história, aceitará tranquilamente que outros futebolistas marquem mais gols, a maior distância, mais espetaculares e com maior pontaria que ele, na mesma rede e do mesmo tamanho, do que aquela onde sua fama atingiu patamar tão alto.
No beisebol amador era diferente, os tacos passaram de madeira a serem de alumínio, ou destes novamente a madeira, só estabelecendo determinados requisitos.
Os poderosos clubes profissionais dos Estados Unidos decidiram aplicar normas rígidas com relação ao taco e outros requisitos tradicionais, que mantêm as características deste velho esporte. Realmente, deram interesse especial ao espetáculo e também nos enormes lucros derivados da assistência do público e da publicidade.
No atual turbilhão esportivo, um esporte extraordinário e nobre como o vôlei, que tanto gosta em nosso país, está imerso em sua Liga Mundial, o torneio mais importante desta especialidade cada ano, excetuando os títulos que derivam do primeiro lugar numas competições olímpicas ou campeonatos mundiais.
Sexta e sábado da semana passada, na Cidade Desportiva, de Havana, efetuaram-se os penúltimos jogos que devem ter lugar em Cuba. Nosso time até agora não perdeu nenhum jogo. O último adversário foi nada mais nada menos que a Alemanha. Entre seus atletas tinham um gigante alemão de 2m14 de altura, excelente rematador. Foi uma verdadeira façanha ter vencido todos os set, exceto o terceiro do segundo jogo. Os membros de nossa seleção, muito jovens, um dos quais apenas conta com 16 anos, mostraram uma surpreendente capacidade de reação. O atual campeão da Europa é a Polônia, e o time alemão venceu nos dois encontros com aquele time. Antes destes sucessos, ninguém supunha que a seleção de Cuba estaria de novo entre as melhores do mundo.
Infelizmente, por outro lado, na esfera política, o caminho está prenhe de enormes riscos.
Um assunto ao que me referi antes, entre os elementos básicos de um futuro muito próximo expostos por mim, que não têm recuo possível, é o afundamento do Cheonan, navio insígnia da marinha sul-coreana, que naufragou em 26 de março, em questão de minutos, matando 46 marinheiros e deixando dezenas de feridos.
O governo da Coreia do Sul ordenou uma investigação para conhecer se o fato foi em consequência de uma explosão interna ou externa. Ao comprovar que vinha do exterior, acusou o governo de Pyongyang pelo afundamento do navio. Coreia do Norte apenas dispunha de um velho modelo de torpedo de fabrico soviético. Carecia de qualquer outro elemento, exceto a lógica mais simples. Não podia sequer imaginar outra causa.
No passado mês de março, como primeiro passo, o governo da Coreia do Sul ordenou a ativação dos alto-falantes de propaganda em 11 pontos da fronteira comum desmilitarizada que separa as duas Coreias.
O alto comando das forças armadas da República Popular Democrática da Coreia, de sua parte, declarou que destruiria os alto-falantes tão logo fosse reatada essa medida, que tinha sido suspensa no ano 2004. A República Popular Democrática da Coreia declarou textualmente que converteria Seúl em um "mar de fogo".
Sexta-feira passada, o exército da Coreia do Sul anunciou que a iniciaria tão logo o Conselho de Segurança anunciasse suas medidas, pelo afundamento do navio sul-coreano Cheonan. Ambas as repúblicas coreanas já estão com o dedo no gatilho.
O governo da Coreia do Sul nem sequer podia imaginar que seu estreito aliado, os Estados Unidos, tinha colocado uma mina no fundo do Cheonan, como relata em um artigo o jornalista investigador Wayne Madsen, publicado pelo Global Research, em 1º de junho de 2010, com uma explicação coerente do acontecido. Alicerça no fato de que a Coreia do Norte não possui nenhum tipo de missil ou instrumento algum para afundar o Cheonan, que não pudesse ter sido detectado pelos sofisticados equipamentos do caça-submarinos.
A Coreia do Norte tinha sido acusada de uma coisa que não fez, o qual determinou a viagem urgente de Kim Jong Il à China, no trem blindado.
Quando estes fatos se produzem de súbito, na mente do governo da Coreia do Sul não havia nem há espaço para outra causa possível.
Em meio do ambiente esportivo e alegre, o céu escurece-se cada vez mais.
As intenções dos Estados Unidos são óbvias desde há algum tempo, na medida em que seu governo age obrigado por seus próprios desígnios sem alternativas possíveis.
Seu propósito —acostumados à imposição de seus desígnios pela força—, é que Israel ataque as instalações produtoras de urânio enriquecido no Irã, utilizando os mais modernos aviões e o armamento sofisticado que, irresponsavelmente, a grande potência lhe fornece. Estados Unidos sugeriram a Israel, que não tem fronteiras com Irã, solicitar da Arábia Saudita permissão para sobrevoar o país por um longo e estreito corredor aéreo, encurtando consideravelmente a distância entre o ponto de partida dos aviões atacantes e os objetivos a destruir.
Segundo o plano, que em suas partes essenciais foi divulgado pelos órgãos de inteligência de Israel, esquadrilhas de aviões atacarão uma e outra vez, até esmagar os objetivos.
Em 12 de junho passado, importantes órgãos da mídia occidental, publicaram a notícia acerca de um corredor aéreo concedido pela Arábia Saudita a Israel, prévio acordo com o Departamento de Estado norte-americano, com o objetivo de fazer testes de voo com os caça-bombardeiros israelenses para atacar por surpresa o Irã, que já estes tinham realizado no espaço aéreo saudita.
Porta-vozes de Israel nada negaram, declarando apenas que os mencionados países tinham mais medo do desenvolvimento nuclear iraniano que o próprio Israel.
Em 13 de junho, quando o Times de Londres publicou uma informação extraída de fontes de inteligência, assegurando que a Arábia Saudita divulgara um acordo que concede permissão a Israel para a passagem por um corredor aéreo sobre seu território para o ataque a Irã, o presidente Ahmadinejad declarou, ao receber as cartas credenciais do novo embaixador saudi no Teerã, Mohamad ibn Abbas al Kalabi, que havia muitos inimigos que não desejavam relações estreitas entre ambos os países, "...Mas se o Irã e a Arábia Saudita permanecem um ao lado do outro, esses inimigos abrirão mão de continuarem com a agressão… ".
Do ponto de vista iraniano, segundo a minha opinião, essas declarações eram justificadas, quaisquer que fossem as suas razões para o fazer. Possivelmente não desejava ferir no mais mínimo seus vizinhos árabes.
Os ianques não disseram uma única palavra, o que reflete mais do que nunca seu desejo fervente de varrerem o governo nacionalista que dirige o Irã.
É preciso preguntar agora, quando o Conselho de Segurança examinará o tema do afundamento do Cheonan, outrora navio insígnia da armada sul-coreana; que conduta seguirá depois que os dedos nos gatilhos das armas na península coreana as façam disparar; se é verdade ou não que a Arábia Saudita, de acordo com o Departamento de Estado, autorizou um corredor aéreo para que as esquadrilhas de modernos bombardeiros israelenses ataquem as instalações iranianas, o que possibilita inclusive, o emprego das armas nucleares fornecidas pelos Estados Unidos.
Entre jogo e jogo da Copa Mundial de Futebol, as diabólicas notícias vão deslizando aos poucos, de forma tal que ninguém se ocupe delas.
Fidel Castro Ruz



Porquê o Socialismo?


Será aconselhável para quem não é especialista em assuntos económicos e sociais exprimir opiniões sobre a questão do socialismo? Eu penso que sim, por uma série de razões.

Consideremos antes de mais a questão sob o ponto de vista do conhecimento científico. Poderá parecer que não há diferenças metodológicas essenciais entre a astronomia e a economia: os cientistas em ambos os campos tentam descobrir leis de aceitação geral para um grupo circunscrito de fenómenos de forma a tornar a interligação destes fenómenos tão claramente compreensível quanto possível. Mas, na realidade, estas diferenças metodológicas existem. A descoberta de leis gerais no campo da economia torna-se difícil pela circunstância de que os fenómenos económicos observados são frequentemente afectados por muitos factores que são muito difíceis de avaliar separadamente. Além disso, a experiência acumulada desde o início do chamado período civilizado da história humana tem sido – como é bem conhecido – largamente influenciada e limitada por causas que não são, de forma alguma, exclusivamente económicas por natureza. Por exemplo, a maior parte dos principais estados da história ficou a dever a sua existência à conquista. Os povos conquistadores estabeleceram-se, legal e economicamente, como a classe privilegiada do país conquistado. Monopolizaram as terras e nomearam um clero de entre as suas próprias fileiras. Os sacerdotes, que controlavam a educação, tornaram a divisão de classes da sociedade numa instituição permanente e criaram um sistema de valores segundo o qual as pessoas se têm guiado desde então, até grande medida de forma inconsciente, no seu comportamento social.

Mas a tradição histórica é, por assim dizer, coisa do passado; em lado nenhum ultrapassámos de facto o que Thorstein Veblen chamou de “fase predatória” do desenvolvimento humano. Os factos económicos observáveis pertencem a essa fase e mesmo as leis que podemos deduzir a partir deles não são aplicáveis a outras fases. Uma vez que o verdadeiro objectivo do socialismo é precisamente ultrapassar e ir além da fase predatória do desenvolvimento humano, a ciência económica no seu actual estado não consegue dar grandes esclarecimentos sobre a sociedade socialista do futuro.

Segundo, o socialismo é dirigido para um fim sócio-ético. A ciência, contudo, não pode criar fins e, muito menos, incuti-los nos seres humanos; quando muito, a ciência pode fornecer os meios para atingir determinados fins. Mas os próprios fins são concebidos por personalidades com ideais éticos elevados e – se estes ideais não nascerem já votados ao insucesso, mas forem vitais e vigorosos – adoptados e transportados por aqueles muitos seres humanos que, semi-inconscientemente, determinam a evolução lenta da sociedade.

Por estas razões, devemos precaver-nos para não sobrestimarmos a ciência e os métodos científicos quando se trata de problemas humanos; e não devemos assumir que os peritos são os únicos que têm o direito a expressarem-se sobre questões que afectam a organização da sociedade.

Inúmeras vozes afirmam desde há algum tempo que a sociedade humana está a passar por uma crise, que a sua estabilidade foi gravemente abalada. É característico desta situação que os indivíduos se sintam indiferentes ou mesmo hostis em relação ao grupo, pequeno ou grande, a que pertencem. Para ilustrar o meu pensamento, permitam-me que exponha aqui uma experiência pessoal. Falei recentemente com um homem inteligente e cordial sobre a ameaça de outra guerra, que, na minha opinião, colocaria em sério risco a existência da humanidade, e comentei que só uma organização supra-nacional ofereceria protecção contra esse perigo. Imediatamente o meu visitante, muito calma e friamente, disse-me: “Porque se opõe tão profundamente ao desaparecimento da raça humana?”

Tenho a certeza de que há tão pouco tempo como um século atrás ninguém teria feito uma afirmação deste tipo de forma tão leve. É a afirmação de um homem que tentou em vão atingir um equilíbrio interior e que perdeu mais ou menos a esperança de ser bem sucedido. É a expressão de uma solidão e isolamento dolorosos de que sofre tanta gente hoje em dia. Qual é a causa? Haverá uma saída?

É fácil levantar estas questões, mas é difícil responder-lhes com um certo grau de segurança. No entanto, devo tentar o melhor que posso, embora esteja consciente do facto de que os nossos sentimentos e esforços são muitas vezes contraditórios e obscuros e que não podem ser expressos em fórmulas fáceis e simples.

O homem é, simultaneamente, um ser solitário e um ser social. Enquanto ser solitário, tenta proteger a sua própria existência e a daqueles que lhe são próximos, satisfazer os seus desejos pessoais, e desenvolver as suas capacidades inatas. Enquanto ser social, procura ganhar o reconhecimento e afeição dos seus semelhantes, partilhar os seus prazeres, confortá-los nas suas tristezas e melhorar as suas condições de vida. Apenas a existência destes esforços diversos e frequentemente conflituosos respondem pelo carácter especial de um ser humano, e a sua combinação específica determina até que ponto um indivíduo pode atingir um equilíbrio interior e pode contribuir para o bem-estar da sociedade. É perfeitamente possível que a força relativa destes dois impulsos seja, no essencial, fixada por herança. Mas a personalidade que finalmente emerge é largamente formada pelo ambiente em que um indivíduo acaba por se descobrir a si próprio durante o seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade em que cresce, pela tradição dessa sociedade, e pelo apreço por determinados tipos de comportamento. O conceito abstracto de “sociedade” significa para o ser humano individual o conjunto das suas relações directas e indirectas com os seus contemporâneos e com todas as pessoas de gerações anteriores. O indivíduo é capaz de pensar, sentir, lutar e trabalhar sozinho, mas depende tanto da sociedade – na sua existência física, intelectual e emocional – que é impossível pensar nele, ou compreendê-lo, fora da estrutura da sociedade. É a “sociedade” que lhe fornece comida, roupa, casa, instrumentos de trabalho, língua, formas de pensamento, e a maior parte do conteúdo do pensamento; a sua vida foi tornada possível através do trabalho e da concretização dos muitos milhões passados e presentes que estão todos escondidos atrás da pequena palavra “sociedade”.

É evidente, portanto, que a dependência do indivíduo em relação à sociedade é um facto da natureza que não pode ser abolido – tal como no caso das formigas e das abelhas. No entanto, enquanto todo o processo de vida das formigas e abelhas é reduzido ao mais pequeno pormenor por instintos hereditários rígidos, o padrão social e as interrelações dos seres humanos são muito variáveis e susceptíveis de mudança. A memória, a capacidade de fazer novas combinações, o dom da comunicação oral tornaram possíveis os desenvolvimentos entre os seres humanos que não são ditados por necessidades biológicas. Estes desenvolvimentos manifestam-se nas tradições, instituições e organizações; na literatura; nas obras científicas e de engenharia; nas obras de arte. Isto explica a forma como, num determinado sentido, o homem pode influenciar a sua vida através da sua própria conduta, e como neste processo o pensamento e a vontade conscientes podem desempenhar um papel.

O homem adquire à nascença, através da hereditariedade, uma constituição biológica que devemos considerar fixa ou inalterável, incluindo os desejos naturais que são característicos da espécie humana. Além disso, durante a sua vida, adquire uma constituição cultural que adopta da sociedade através da comunicação e através de muitos outros tipos de influências. É esta constituição cultural que, com a passagem do tempo, está sujeita à mudança e que determina, em larga medida, a relação entre o indivíduo e a sociedade. A antropologia moderna ensina-nos, através da investigação comparativa das chamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode divergir grandemente, dependendo dos padrões culturais dominantes e dos tipos de organização que predominam na sociedade. É nisto que aqueles que lutam por melhorar a sorte do homem podem fundamentar as suas esperanças: os seres humanos não estão condenados, devido à sua constituição biológica, a exterminarem-se uns aos outros ou a ficarem à mercê de um destino cruel e auto-infligido.

Se nos interrogarmos sobre como deveria mudar a estrutura da sociedade e a atitude cultural do homem para tornar a vida humana o mais satisfatória possível, devemos estar permanentemente conscientes do facto de que há determinadas condições que não podemos alterar. Como mencionado anteriormente, a natureza biológica do homem, para todos os objectivos práticos, não está sujeita à mudança. Além disso, os desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos criaram condições que vieram para ficar. Em populações com fixação relativamente densa e com bens indispensáveis à sua existência continuada, é absolutamente necessário haver uma extrema divisão do trabalho e um aparelho produtivo altamente centralizado. Já lá vai o tempo – que, olhando para trás, parece ser idílico – em que os indivíduos ou grupos relativamente pequenos podiam ser completamente auto-suficientes. É apenas um pequeno exagero dizer-se que a humanidade constitui, mesmo actualmente, uma comunidade planetária de produção e consumo.

Cheguei agora ao ponto em que vou indicar sucintamente o que para mim constitui a essência da crise do nosso tempo. Diz respeito à relação do indivíduo com a sociedade. O indivíduo tornou-se mais consciente do que nunca da sua dependência relativamente à sociedade. Mas ele não sente esta dependência como um bem positivo, como um laço orgânico, como uma força protectora, mas mesmo como uma ameaça aos seus direitos naturais, ou ainda à sua existência económica. Além disso, a sua posição na sociedade é tal que os impulsos egotistas da sua composição estão constantemente a ser acentuados, enquanto os seus impulsos sociais, que são por natureza mais fracos, se deterioram progressivamente. Todos os seres humanos, seja qual for a sua posição na sociedade, sofrem este processo de deterioração. Inconscientemente prisioneiros do seu próprio egotismo, sentem-se inseguros, sós, e privados do gozo naïve, simples e não sofisticado da vida. O homem pode encontrar sentido na vida, curta e perigosa como é, apenas dedicando-se à sociedade.

A anarquia económica da sociedade capitalista como existe actualmente é, na minha opinião, a verdadeira origem do mal. Vemos perante nós uma enorme comunidade de produtores cujos membros lutam incessantemente para despojar os outros dos frutos do seu trabalho colectivo – não pela força, mas, em geral, em conformidade com as regras legalmente estabelecidas. A este respeito, é importante compreender que os meios de produção – ou seja, toda a capacidade produtiva que é necessária para produzir bens de consumo bem como bens de equipamento adicionais – podem ser legalmente, e na sua maior parte são, propriedade privada de indivíduos.

Para simplificar, no debate que se segue, chamo “trabalhadores” a todos aqueles que não partilham a posse dos meios de produção – embora isto não corresponda exactamente à utilização habitual do termo. O detentor dos meios de produção está em posição de comprar a mão-de-obra. Ao utilizar os meios de produção, o trabalhador produz novos bens que se tornam propriedade do capitalista. A questão essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz e o que recebe, ambos medidos em termos de valor real. Na medida em que o contrato de trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe é determinado não pelo valor real dos bens que produz, mas pelas suas necessidades mínimas e pelas exigências dos capitalistas para a mão-de-obra em relação ao número de trabalhadores que concorrem aos empregos. É importante compreender que, mesmo em teoria, o pagamento do trabalhador não é determinado pelo valor do seu produto.

O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, em parte por causa da concorrência entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho encorajam a formação de unidades de produção maiores à custa de outras mais pequenas. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser eficazmente controlado mesmo por uma sociedade política democraticamente organizada. Isto é verdade, uma vez que os membros dos órgãos legislativos são escolhidos pelos partidos políticos, largamente financiados ou influenciados pelos capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses das secções sub-privilegiadas da população. Além disso, nas condições existentes, os capitalistas privados controlam inevitavelmente, directa ou indirectamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). É assim extremamente difícil e mesmo, na maior parte dos casos, completamente impossível, para o cidadão individual, chegar a conclusões objectivas e utilizar inteligentemente os seus direitos políticos.

Assim, a situação predominante numa economia baseada na propriedade privada do capital caracteriza-se por dois principais princípios: primeiro, os meios de produção (capital) são privados e os detentores utilizam-nos como acham adequado; segundo, o contrato de trabalho é livre. Claro que não há tal coisa como uma sociedade capitalista pura neste sentido. É de notar, em particular, que os trabalhadores, através de longas e duras lutas políticas, conseguiram garantir uma forma algo melhorada do “contrato de trabalho livre” para determinadas categorias de trabalhadores. Mas tomada no seu conjunto, a economia actual não difere muito do capitalismo “puro”.

A produção é feita para o lucro e não para o uso. Não há nenhuma disposição em que todos os que possam e queiram trabalhar estejam sempre em posição de encontrar emprego; existe quase sempre um “exército de desempregados. O trabalhador está constantemente com medo de perder o seu emprego. Uma vez que os desempregados e os trabalhadores mal pagos não fornecem um mercado rentável, a produção de bens de consumo é restrita e tem como consequência a miséria. O progresso tecnológico resulta frequentemente em mais desemprego e não no alívio do fardo da carga de trabalho para todos. O motivo lucro, em conjunto com a concorrência entre capitalistas, é responsável por uma instabilidade na acumulação e utilização do capital que conduz a depressões cada vez mais graves. A concorrência sem limites conduz a um enorme desperdício do trabalho e a esse enfraquecimento consciência social dos indivíduos que mencionei anteriormente.

Considero este enfraquecimento dos indivíduos como o pior mal do capitalismo. Todo o nosso sistema educativo sofre deste mal. É incutida uma atitude exageradamente competitiva no aluno, que é formado para venerar o sucesso de aquisição como preparação para a sua futura carreira.

Estou convencido que só há uma forma de eliminar estes sérios males, nomeadamente através da constituição de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educativo orientado para objectivos sociais. Nesta economia, os meios de produção são detidos pela própria sociedade e são utilizados de forma planeada. Uma economia planeada, que adeque a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho a ser feito entre aqueles que podem trabalhar e garantiria o sustento a todos os homens, mulheres e crianças. A educação do indivíduo, além de promover as suas próprias capacidades inatas, tentaria desenvolver nele um sentido de responsabilidade pelo seu semelhante em vez da glorificação do poder e do sucesso na nossa actual sociedade.

No entanto, é necessário lembrar que uma economia planeada não é ainda o socialismo. Uma tal economia planeada pode ser acompanhada pela completa opressão do indivíduo. A concretização do socialismo exige a solução de problemas socio-políticos extremamente difíceis; como é possível, perante a centralização de longo alcance do poder económico e político, evitar a burocracia de se tornar toda-poderosa e vangloriosa? Como podem ser protegidos os direitos do indivíduo e com isso assegurar-se um contrapeso democrático ao poder da burocracia?

A clareza sobre os objectivos e problemas do socialismo é da maior importância na nossa época de transição. Visto que, nas actuais circunstâncias, a discussão livre e sem entraves destes problemas surge sob um tabu poderoso, considero a fundação desta revista como um serviço público importante.

Albert Einstein

Einstein escreveu este trabalho especialmente para o lançamento da Monthly Review , cujo primeiro número foi publicado em Maio de 1949. Tradução de Anabela Magalhães.

By: Cidadã do Mundo

do Com Texto Livre

O imperialismo se expande

Zillah Branco *

Enquanto os povos lutam por uma lenta evolução democrática que garanta a sobrevivência em condições mais dignas, o sistema capitalista entra triunfalmente na fase imperialista prevista por Marx e seus seguidores.

Em artigo um embaixador francês Pierre Charasse, faz uma análise clara da “Geopolítica da desaparição do Euro” (divulgado por Carta Maior 9/6/10). Com a assinatura do Tratado de Lisboa as nações europeias reunidas na UE entregaram a defesa militar à NATO e com a independência do Banco Central Europeu cederam o comando das suas finanças nacionais ao FMI. A Inglaterra preservou a sua moeda – libra, que não se esvaiu no Euro – mantendo a velha cumplicidade com os Estados Unidos ( que são o eixo da NATO e do FMI), cumplicidade herdada da ligação evolutiva entre o colonialismo e o imperialismo arquitetada nas conferências de Bretton Woods em Julho de 1944.

Da primeira grande “crise económica” do sistema capitalista (1929) surgiu a estratégia do governo protetor – welfare state – que, a nível nacional garantia empregos à sua população. A nível internacional desenvolvia-se o intervencionismo de um governo com capacidade de liderança e de controle do mercado mundial (base do comércio global) e das relações financeiras. A política de “beggar-thy-neighbor” (empobrece o teu vizinho) provocou espirais inflacionárias, diminuição de produção, desemprego em massa e declínio do comércio mundial aberto ao fluxo de capitais e comércio privados, base do sistema liberal.

Os Estados Unidos não sofreram as destruições causadas pela Grande Guerra às nações ricas da Europa e fortaleceram os seus laços de financiamento tanto na Europa desenvolvida como no Terceiro Mundo empobrecido pelo colonialismo centenário que sugou suas riquezas e miserabilizou suas populações. Foi a oportunidade para o grande salto industrial dos Estados Unidos e seus parceiros europeus. O sonho de Hitler foi absorvido pelo poder capitalista concentrado na nação norte-americana que gerou um formidável poder militar provado com o uso da bomba atómica contra civis japoneses.

A história imperialista do pós-guerra no século XX foi a do combate sem tréguas aos movimentos populares de emancipação nacional, que agitaram os trabalhadores de todo o mundo, e ao sistema socialista implantado na União Soviética, RDA, Polónia, Hungria, Tchecoslováquia, Bulgária, Roménia, China, Coreia do Norte, e mais tarde em Cuba, no Vietnam, no Laos. Os organismos “protetores” (FMI, Banco Mundial e outros manipulados pelos EU) passaram a aplicar os seus projetos de desenvolvimento no Terceiro Mundo de modo a destruir as raízes nacionais e culturais dos povos e subordinar as suas economias ao famigerado “mercado livre”. Semearam a destruição de florestas nativas, as nascentes de água doce; a dependência de povoações camponesas levadas a abandonar a sua economia tradicional; a subordinação das novas gerações engolidas pela cultura ocidental imposta mundialmente pela midia para extirpar os valores tradicionais; a distribuição de drogas e implantação de redes criminosas aliadas ao turismo predador que financia a prostituição e a corrupção generalizadas.

Enquanto sobreviveu a União Soviética - que para fazer face ao poder imperialista desenvolveu-se como potência militar sacrificando em parte as condições que o sistem socialista introduziu no mundo em defesa da vida social democrática e o apoio à luta pela emancipação dos povos, - o relativo equilíbrio de forças limitou a expansão do imperialismo, obrigando os Estados Unidos a tratar as demais nações ricas como aliadas mas independentes.

As nações mantiveram-se politicamente aliadas à potência norte-americana que, na criação de um sistema global, dinamizou a integração multinacional das grandes empresas e criou mecanismos comerciais e militares para exercer, em âmbito internacional, o controle indireto da estratégia capitalista expansionista. Lentamente as nações europeias foram absorvendo a cultura e os produtos norte-americanos como modelos de modernidade. No mundo subdesenvolvido era imposto, pelo Ocidente “civilizado”, o mesmo modelo através de produtos menos elaborados e mais adequados à rusticidade e baixo poder aquisitivo das populações empobrecidas.

Com a implosão do socialismo na Europa minado pelas infiltrações imperialistas, os antigos aliados decidiram criar um poder Europeu unindo as nações do seu continente. Dentro do conceito comunitário foi promovida uma integração de nações ricas e pobres. A União Europeia criou uma moeda única – o Euro – que na competição com o dollar tornou-se mais forte afirmando o valor do velho continente frente à potência moderna. Com algum constrangimento (diante dos movimentos de massas nacionais) cumpriram as funções de aliados nas guerras imperialistas: no Afganistão, na Yugoslávia, no Iraque e cederam bases na Europa para as manobras norte-americanas. A subserviência à única potência mundial levou a UE a aceitar o comando militar da NATO e a criar um Banco Central Europeu independente dos governos nacionais, que integrou o sistema financeiro global subordinado ao FMI. Entregaram as armas e as finanças. Com a crise criada pelo sistema bancário mundial, a moeda europeia rodou e o dollar foi fortalecido, como explicou o embaixador francês Pierre Charasse.

Já em 1916, a partir da análise que Marx e Engels fizeram, no século anterior, do desenvolvimento do sistema capitalista, V.I.Lenine observou o “Lugar do imperialismo na história”. “O imperialismo é, pela sua essência econômica, o capitalismo monopolista ... que nasce da livre concorrência, é a transição do capitalismo para uma estrutura econômica e social mais elevada”. Assinalou as seguintes características: “O monopólio é um produto da concentração da produção em um grau mais elevado do seu desenvolvimento; os monopólios vieram agudizar a luta pela conquista das mais importantes fontes de matérias-primas; o monopólio surgiu dos bancos com a concentração do capital financeiro; o monopólio nasceu da política colonial pela nova partilha do mundo.”

Tudo isto deu origem ao caráter parasitário do capitalismo na fase imperialista que despertará formas de reação violentas quando a sociedade se tornar caótica com a perda de regulação institucional.

Os movimentos de trabalhadores em toda a Europa, a começar pela Grécia que reuniu mais de cem mil pessoas nas manifestações de Atenas e a continuar com Portugal que realizou uma marcha com trezentos mil cidadãos organizados pelos Sindicatos no final de Maio, reavivaram os valores das suas tradições de lutas. Se os governos sucumbiram ao dominio imperialista, os povos terão de conduzir as suas nações com a independência que as dignifica. Assim foi vencido o fascismo que provocou a Guerra Mundial.



do Portal Vermelho

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