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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, julho 11, 2011

“Meia noite em Paris” ou em nossa alma

Viver olhando o retrovisor ou achar que o passado, não vivido por nós, é sempre melhor cria certa ilusão de presente e futuro, como se a vida real e concreta fosse ruim ou por outro lado de que nossa existência é pouco significativa pois tudo de bom já fora feito ou criado, os gênios, os espetaculares artistas, heróis sobrando ao presente apenas olha pra trás.
O filme “Meia noite em Paris” traz uma profunda reflexão sobre um desejo corrente e comum de reviver uma época gloriosa, muitas vezes influenciada por nossas afinidades eletivas com escritores, cantores, pintores, grandes gênios que de repente freqüentam o mesmo lugar, no mesmo lapso temporal. Fôra assim na Grécia antiga, em particular no Século V e IV anterior a era cristã, ou durante o renascimento na Itália, mas no caso do filme é centrado na Paris do fim dos anos 20 do Século passado.
O fim da primeira grande guerra concentrou em Paris uma constelação de geniais artistas de vários lugares do mundo, era como se ali houvesse a necessidade de se gestar nova esperança à humanidade recentemente destruída pela força irracional da I guerra mundial. Esta reunião informal e a interação destes é uma retomada do Homem sob o animal, as festas as experimentações dão a medida de que algo de bom sobreviveu aos horrores da guerra.
A viagem afetiva, cultural, que nos propõe Woody Allen bate profundamente na alma, pois estamos num momento de extrema mutação da humanidade, os valores éticos e moras estão sendo pisoteados e destruídos pelo desejo desenfreado de poder e riqueza. O sogro do “Tea Party” em contraposição ao futuro genro “abobalhado” (Comunista) sonhador dá a medida dos novos embates da alma humana.
A “fuga” do roteirista, aqui ele se apresenta como alguém que vende a sua alma em troca de dinheiro, mas que vai a Paris numa tentativa de se redimir escrevendo algo além de diversão fast food. A grande fantasia de passar a noite com seus ídolos é nosso reencontro coletivo com o que temos de melhor na humanidade: Cultura, prazer e humanismo. A anabase (descida ao Hades – assim como fizera Dante para reencontrar suas referências) de Gil Pender (Owen Wilson – ou seria o próprio Woody rejuvenescido (?)) é a mais perfeita combinação de reflexão consciente e viagem onírica. Ali Gil Pender vira alguém de valor, ele pode ser ele mesmo.
A mais fascinante viagem é leitura de um livro bem ambientado, mas que genialmente Woody Allen nos dar oportunidade de descer a este mundo, viver, ouvir aqueles gênios como se um de nós fosse. A Catabase (retorno, subida) de Gil é seu perfeito entendimento e, nosso, é claro, de que viver o presente é tão ou mais importante do que ficar preso ao passado. A mensagem de sólida formação cultural, ética do passado nos torna melhores e mais interessantes no presente, podemos ser os continuadores destes. O fio que nos liga e nos molda no presente é o humanismo que jamais perdemos.
Woody Allen nos presenteia com esta obra prima, nossa alma sai cantando do cinema com Cole Porter (Let’s do It) , enamorado com a beleza e sensualidade de Adriana, a caracterização surreal de Dalí, as aulas Gertrude Stein e para fechar a frase do sogro “Tea Party” que manda Gil encontrar “Trotsky”, genial!
*comtextolivre

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