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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, outubro 01, 2014

Combate ao racismo é tema de projetos e audiências no Senado

Guilherme Oliveira   


O tema do preconceito racial está em evidência no debate público. O caso da torcedora do Grêmio que chamou o goleiro Aranha, do Santos, de “macaco” durante uma partida da Copa do Brasil em agosto reacendeu discussões a respeito do problema. Mais recentemente, no último dia 12, um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) revelou que o problema do racismo no Brasil é “estrutural e institucionalizado”.
Uma série de projetos em tramitação no Senado tem por objetivo coibir a discriminação racial. Além disso, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa deve realizar uma audiência pública sobre racismo no futebol.
Uma das principais propostas em discussão é a PEC 2/2006, de iniciativa do senador Paulo Paim (PT-RS), que cria o Fundo de Promoção da Igualdade Racial. O fundo seria uma reserva de recursos destinada a financiar políticas afirmativas de inserção do negro à sociedade. A matéria aguarda votação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde tem voto favorável do relator, Vital do Rêgo (PMDB-PB).
Segundo a proposta de Paim, as verbas para o fundo viriam da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), além de parte das contribuições para os Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep).
Outra proposta que trata da destinação de recursos para políticas de promoção da igualdade é o PLS 160/2013, de João Capiberibe (PSB-AP). Ainda aguardando relator na CCJ, o projeto determina a aplicação de pelo menos 5% dos recursos do fundo partidário a programas de estímulo à participação política de afrodescendente.
Empresas que queiram firmar contratos com a administração pública também podem ser obrigadas a instituir programas de promoção da igualdade racial. PLS 234/2008, também de Paulo Paim, exige comprovação desses programas para habilitação em licitações e estabelece que, em caso de empate, seja declarado vencedor o participante que mantiver a iniciativa "mais avançada" nessa área.
Resposta penal
Outras propostas estão mais relacionadas com a criminalização de práticas racistas. O PLS 101/2014, também de João Capiberibe, determina a prisão preventiva em caso de flagrante dos crimes de racismo ou injúria racial. Já o PLS 389/2011, de Vital do Rêgo, propõe a internação de menores infratores que tenham cometido crime de racismo.
Por sua vez, o PLS 13/2004, de Paim, acrescenta a discriminação racial à lista de agravantes de outros crimes. Na mesma linha, o PLS 125/2014, de Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), propõe o agravamento da pena pelo crime de corrupção de menores em caso de racismo.
Outro projeto de Paim é o PLS 337/2003, que caracteriza o crime de prática ou incitação de preconceito racial pela internet. O texto prevê pena de dois a cinco anos de cadeia e multa para esse tipo de conduta.
Audiências públicas
Além dos projetos, o debate sobre combate ao racismo continuará em audiência pública na CDH, como consequência das demonstrações racistas no jogo entre Grêmio e Santos, no dia 28 de agosto. A torcedora gremista Patrícia Moreira foi flagrada xingando o goleiro santista Aranha de “macaco”. O jogador prestou queixa e Patrícia foi levada a depor em uma delegacia. Ela pode ser indiciada pelo crime de injúria racial.
Para a audiência serão convidadas autoridades do governo federal, como as ministras Luiza Bairros, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, e Ideli Salvatti, da Secretaria de Direitos Humanos, e do futebol, como os presidentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, do Grêmio, Fábio Koff, e do Santos, Odílio Rodrigues Filho.
Temas relacionados à inclusão e à tolerância racial são debatidos com frequência no Senado. Em agosto, a CDH promoveu uma audiência para debater formas de efetiva inclusão dos negros na sociedade. Convocada pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF), a reunião contou com a presença de descendentes do político, historiador e jornalista Joaquim Nabuco, um dos principais defensores da abolição da escravidão.
Relatório preocupante
Na últimas sexta-feira (12), a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um relatório em que condena o atual cenário das relações raciais no Brasil. O texto, elaborado por pesquisadores que visitaram o país em dezembro de 2013, afirma que o racismo no país é “estrutural e institucionalizado” e que “hierarquias raciais são culturalmente aceitas”.
“O Brasil não pode mais ser chamado de uma democracia racial”, afirma o documento, que cita estatísticas e indicadores sociais desfavoráveis à população negra, como salários, taxa de mortalidade, expectativa de vida, índice de desemprego, nível de escolaridade e participação no produto interno bruto (PIB).
- O racismo está impregnado nas pessoas há muitos séculos. Não surpreende, já que fomos o último país do continente a abolir a escravidão – diz Paulo Paim.
O senador usa duas palavras de ordem como caminho a ser seguido para mudar a situação registrada pelo organismo internacional: reeducar e punir.
- Está provado que, quando há punição, as próprias pessoas fazem diminuir os casos. Além disso, é preciso mudanças profundas na mentalidade. Isso passa pela sala de aula, pela mídia – explica.
Para Paim, o Congresso tem avançado com a discussão e a aprovação de projetos de lei, mas há espaço para outras atitudes inclusivas na política.
- Os partidos têm poucos negros no primeiro escalão. As leis são importantes, mas todos deveriam adotar práticas exemplares no seu dia a dia – observa o senador, citando a contratação de mais profissionais negros para gabinetes parlamentares como uma iniciativa ao alcance dos colegas.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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