BY ADRIANA TORRES - Porque relacionar é preciso
Em época
de eleições, muito se diz por parte das campanhas eleitorais. Após,
raramente se aplica. Um dos motivos é que a campanha vem sendo
construída de acordo com a percepção do consumidor – ops, do eleitor. Em uma visão de marketing
completamente deslocada da teoria original, constroem-se programas de
campanha e até planos governamentais não mais baseados em análises,
dados, mas em como angariar mais votos a fim de permanecer no poder.
Marketing é um conjunto de estratégias para promover a troca, atendendo
as demandas de ambas as partes, não uma relação de ganha -perde!
Com o
aperfeiçoamento dos instrumentos de controle social e de acesso à
informação, o saber ler nas entrelinhas de cada promessa se torna uma
arte. E foi baseando-se nas demandas dos coletivos feministas e na
importância da clareza, da mensuração e da objetividade das propostas
que essa análise foi realizada.
Em cada
proposta relacionada aos direitos femininos, destacando aqui os direitos
das lésbicas, transexuais e negras, por serem historicamente ainda mais
perseguidas e violentadas, busquei avaliar a pertinência, a qualidade e
o alinhamento com as reivindicações dos coletivos feministas, sempre
com um bom toque de ironia e humor, que faz parte de nós!
Nas
considerações finais foram colocadas as questões ausentes mais
relevantes e os principais motivos desse repúdio ao candidato.
Propostas e Comentários do Plano de Governo de Aécio Neves
AN: Elaborar o 4º Plano Nacional
de Direitos Humanos, que complete e aperfeiçoe as políticas públicas,
em especial os Direitos Humanos, particularmente quanto aos setores mais
vulneráveis.
Comentário:Duas
das principais reivindicações do plano de Direitos Humanos são a
criminalização da homofobia e a legalização do aborto. Nenhum dos temas é
citado pelo candidato. Ele poderia ter descrito qual seria o foco desse
plano.
AN: Criar Fórum Nacional de Diálogos para que a escuta das reivindicações dos movimentos sociais que lutam pela garantia de direitos de negros, indígenas, ciganos, quilombolas e LGBT sejam efetivados e garantidos
Comentário:
Já existem diversos fóruns e conferencias no país. Foi por meio deles
que se construiu o PNDH3. E o interessante é que esses fóruns foram
regulamentados e ampliados em nível federal pela Política Nacional de
Participação Popular, criada em 23/05/2014 e que, por sua vez, foi
repudiada pelo PSDB, ao ponto de acusarem o governo de tentativa de
golpe contra a democracia representativa.
AN: Criar o programa Nome e Sobrenome para que todos possam ter acesso à documentação civil e trabalhista.
Comentário: Inclusive a possibilidade do uso do nome social? Só pra saber.
AN: Fortalecer, descentralizar e ampliar a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.
Comentário: Como seria essa descentralização? E se vai ampliar é porque é bom, correto?
AN:Fortalecer
o Programa Sentinela, que visa à prevenção do abuso e exploração sexual
de crianças e adolescentes e criar condições aos vitimados e suas
famílias para o resgate de seus direitos, com acesso amplo a serviços
públicos e abordagem multidisciplinar.
Comentário: Com
a implantação do SUAS no Brasil, o atendimento anteriormente ofertado
pelo Programa Sentinela, foi incorporado ao Serviço de Enfrentamento à
Violência, ao Abuso e à Exploração Sexual contra Criança e Adolescentes
ofertado pelos CREAS, citados em proposta posterior. E é importante
notar que a proposta cita crianças e famílias, e não meninas e mulheres,
as principais vítimas do abuso e da exploração sexual. Dados do IPEA
mostram que 88,5% das vítimas são do sexo feminino e mais de 92% dos
agressores são homens.
AN: Criar Programas de Suporte e Apoio para Pais que tenham dificuldades de lidar com as diferenças apresentadas pelos filhos.
Comentário: Que tipo de diferença seria tratada nesses programas? Fica o questionamento
AN: Universalizar
os Centros de Referência Especializada em Assistência Social (Creas),
voltados para a atenção e tratamento de crianças vítimas de abuso e
exploração sexual.
Comentário: OS
CREAS são fruto de parceria entre governos federais/estaduais e
municipais. Essa universalização só será possível se todos concordarem. E
universalizar não é um indicador mensurável!
AN:
Fomentar a criação de comitês comunitários municipais, reunindo
mulheres comprometidas com o aperfeiçoamento da democracia, com a
promoção da ética, da cidadania,de ações sociais e de combate à
corrupção e aos abusos econômicos.
Comentário:
O que seriam esses comitês? E como seriam fomentados? Proposta sem
muito nexo. Não temos os Conselhos de Políticas Públicas? Os fóruns e
demais espaços públicos de participação? Precisamos sim é de cotas para a
participação nesses espaços!
AN: Apoiar
a criação de escola de tempo integral e a criação de creches que
contribuem para liberar os pais para trabalho e/ou estudos.
Comentário: Já
existem creches e escolas de tempo integral no Brasil. O que precisamos
é de índices melhores de cobertura. E liberar os pais para trabalho? As
mães. Quem mais é prejudicada por isso são as mulheres. Olha o
machismo!
AN: Os espaços físicos das creches poderão ser utilizados também para a alfabetização de mulheres adultas.
Comentário Podem sim. Os das escolas também. Das Universidades. Das empresas. Que tal uma proposta mais articulada a respeito?
AN: Promover campanhas preventivas de atendimento ao câncer de colo de útero, de mama e DSTs.
Comentário: Já existem. Nesse caso, precisam ser “fortalecidas”, erraram o verbo!
AN: Organizar atendimento especial às mulheres quando portadoras de doenças sexualmente transmissíveis.
Comentário: Que tipo de atendimento especial? Isolá-las em alguma ilha? Muito genérico para entender.
AN: Promover o atendimento integral à mulher e à criança vítimas de violência doméstica.
Comentário:
Tão genérico que também não dá para avaliar. A única avaliação é do
machismo presente ao repetir “criança” e não “meninas”, ainda mais na
parte do programa que se refere aos direitos da mulher!
AN:Criar
o Programa Mulheres Protegidas para ampliar as possibilidades de
proteção às mulheres que denunciam a violência doméstica não podem
voltar para casa, para perto do agressor.
Comentário: Já existem diversos programas e casas no país com esse objetivo. Seria mais um programa ou vai apenas substituir os existentes?
AN:Estruturar rede atendimento e acolhimento de mulheres por meio de casas abrigos, casas-lares e famílias acolhedoras.
Comentário: Talvez quem escreveu o programa não conheça a atual estrutura que já atende o que a proposta cita. Talvez.
AN: Criar o benefício social de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica, familiar e comunitária.
Comentário: Interessante.
Essa é a proposta da PEC 43/2012, de autoria da senadora Marta Suplicy
(PT) que está tramitando na Câmara! Podem pesquisar: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106824
AN: Instituir
pelo SUS tratamento de correção estética, incluindo cirurgias plásticas
para as mulheres vítimas de deformações oriundas de violência
doméstica, familiar e comunitária
Comentário: Hummmm… o que seria violência comunitária? o.O
AN:Reestruturar programa de combate à exploração sexual que atinjam meninas, jovens e mulheres no Brasil e no exterior.
Comentário: Finalmente
as meninas foram citadas. Porque reestruturar? Quais as falhas do atual
programa? E como será feita essa reestruturação?
AN: Criar programas de resgate de mulheres escravas sexuais.
Comentário: Bacana.
Que tipo de programa? E como irão definir o que são escravas sexuais
sem considerar o termo machismo no documento inteiro?
AN: Implantar o programa Com Licença, Vou à Luta para mulheres com mais de 40 anos sem escolaridade e sem experiência profissional.
Comentário: Que programa é esse? Fomentaria que tipo de trabalho? Perigoso isso!
AN:Encaminhar
projeto de lei para que a licença maternidade de mães de filhos
prematuros comece a contar a partir da alta do bebê, não considerando o
período da internação hospitalar para esse fim.
Comentário: Muito bom, mas já existe uma PEC (58/11) de autoria do Doutor Jorge Silva, do PDT, que institui isso. Tá aqui, ó:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=74CF59E65D81A81D01E8CBF065F9B2AF.proposicoesWeb2?codteor=903246&filename=PEC+58/2011
AN: Organizar a capacitação de educadores nas questões de gênero, visando desconstruir preconceitos e estereótipos.
Comentário: Organizar?
Não seria mais fácil criar um programa de capacitação? Ou seria
realizar NOVAS oficinas sobre o assunto, já que essas foram feitas pelo
governo Lula?
AN: Apoiar as mulheres empreendedoras, com financiamento subsidiado e apoio técnico para a formação das empresas e de cooperativas.
Comentário: Opa,
isso já existe no governo federal. Ver site da SPM (Secretaria de
Política para Mulheres). Em que pese o candidato ter mostrado seu
desconhecimento dessa Secretaria em debate recente na TV, ela existe!
AN: Ampliar as medidas existentes com vistas à eliminação do assédio sexual, da discriminação da mulher no emprego e na ocupação.
Comentário: Como
serão ampliadas? Em quanto? Não tem propostas para punir a desigualdade
salarial entre gêneros? Ah, o candidato afirmou que vai lutar para que
existam salários SEMELHANTES. =p
AN: Construir
maternidades em todo o Brasil em parceria com os estados e municípios e
garantir recursos para equipe multidisciplinar.
Comentário: Precisamos
de mais casas de partos; do fomento ao parto humanizado e de um efetivo
controle do excesso de cirurgias cesáreas desnecessárias realizadas no
país!
AN: Incentivar
a incorporação de mulheres às Forças Armadas, como forma de superação
das barreiras de gênero e aproveitamento de sua capacidade como força
pacificadora.
Comentário: Essa
proposta sintetiza o machismo de todas as demais. O #mimimi
característico do macho ao questionar a legitimidade da igualdade, pede
para que o serviço militar seja obrigatório também para mulher, quando
não deveria ser para nenhum dos sexos. Antes de incentivar a
incorporação de mulheres às forças armadas, é preciso primeiro varrer
desse universo o MACHISMO, candidato. E nem toda mulher quer ser força
pacificadora, isso é estereotipo!
Nota:
O programa do candidato traz compromissos e propostas. Os compromissos
são genéricos demais até para analisar, por isso apenas transcrevemos as
propostas. Até porque não entendemos muito bem a diferença entre um e
outro – proposta não é compromisso também?
Considerações finais
Está
muito claro para mim que o programa do candidato Aécio Neves não somente
não espelha a luta feminista, como é uma bandeira do sistema
patriarcal. Assim como as atitudes do candidato quando em debate com as
candidatas mulheres. Dedo em riste, deboche, cinismo e a ofensa
travestida na palavra “leviana” mas que qualquer feminista traduz
imediatamente para “vadia”, “vagabunda”. Somos todas levianas,
candidato. Somos todas vadias. Apenas algumas mais do que as outras,
dependendo de sua orientação sexual, de sua cor, de sua idade, de seu
peso, de sua nacionalidade.
Não se
fala sobre machismo; feminicidio, sexismo. Não existem programas para
combater a violência física fora do ambiente doméstico e a maioria das
propostas elencadas são baseadas em programas e/ou projetos de lei já
existentes.
Fala-se
da exploração sexual mas sem reconhecer a importância da regulamentação
das profissionais do sexo, a fim inclusive de cercear essa exploração
trazendo para formalidade o trabalho das prostitutas que escolheram essa
profissão.
Não
garante o direito ao próprio corpo e à vida, com o apoio à
regulamentação do aborto até a 12 semana de gravidez como recomendado
pelo Conselho Federal de Medicina e seu reconhecimento como questão
vital de saúde pública.
O
direito ao corpo é negado à mulher seja na decisão de ter ou não filhos,
seja de exercer ou não a sua vida sexual conforme seus próprios
desejos. A gravidez e o filho usualmente se tornam responsabilidade da
mulher e só ela é criminalizada, jurídica e moralmente, ao decidir não
levar adiante a gravidez. Cerca de 850 mil mulheres abortam anualmente
no país, de acordo com estimativas, sendo esta a quinta causa de mortes
maternas.
Até
mesmo a escolha da forma de parir foi retirada da mulher pelo sistema
patriarcal e hoje o Brasil é campeão mundial no número de cirurgias
cesáreas, contrariando as recomendações da Organização Mundial de Saúde,
aumentado ainda mais a chance de hemorragias, outro fator principal da
mortalidade materna brasileira, outro assunto não tratado pelo programa.
Não é de
se admirar que a mortalidade materna tenha sido o indicador que está
impedindo o Brasil de atingir os Objetivos do Milênio. É um problema de
saúde pública complexo e que precisa ser encarado não pela filosofia ou
por preceitos religiosos, mas na medicina baseada em evidências, a mesma
que hoje serve de base para a defesa do parto humanizado.
Fala da
licença maternidade em casos de prematuros, mas não cita a importante
medida de se prolongar a licença maternidade para no mínimo 12 meses e a
licença paternidade para 30 dias, com sua progressiva alteração para
licença parental, ou seja, que possa ser exercida por qualquer um dos
pais em decisão a ser tomada pela família.
Promover
o empreendedorismo é ótimo, mas de nada adianta se a mulher não tiver
como trabalhar e onde deixar a criança. Por isso o tópico sobre o
assunto deixa e muito a desejar, já que hoje os números de creches no
país são pífios, principalmente em Minas Gerais, onde o candidato foi
governador. Em Belo Horizonte, capital do estado, apenas cerca de 20%
das crianças de 0 a 3 anos estão matriculadas em creches e, em que pese
ser responsabilidade das prefeituras, o apoio do governo federal é vital
para mudar esse quadro. Tanto é que o candidato vem cobrando da
candidata Dilma o cumprimento da promessa de mais seis mil creches no
país conforme sua campanha de 2010. Cobrar e não prometer números em sua
própria campanha não é estranho?
O
programa do candidato parece ignorar que algumas mulheres são mais
subjugadas que as outras. Mulheres negras sofrem mais com o machismo, o
racismo e a objetificação; mulheres trans e lésbicas são vítimas de
violências como o estupro corretivo, o repúdio do mercado de trabalho e a
invisibilidade nas políticas públicas. De acordo com uma pesquisa do
NUPSEX da UFRGS, coordenada por Ângelo Brandelli Costa, “comprova-se que
o pior do preconceito, no Brasil, não se dá contra a orientação sexual,
mas contra a expressão de gênero.”
Não
queremos medidas paliativas, queremos igualdade de direitos, o combate
sistêmico do machismo e sexismo, da lesbofobia e da transfobia. Queremos
ter nossos corpos respeitados, nosso trabalho valorizado e nossos
espaços garantidos!
Mulher feminista é de luta e não vota em Aécio Neves!
*MariadaPenhaNeles
*MariadaPenhaNeles
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