Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, outubro 18, 2014

Mulher feminista é de luta e não vota em Aécio Neves!

Mulher feminista é de luta e não vota em Aécio Neves!

 BY ADRIANA TORRES - Porque relacionar é preciso

Em época de eleições, muito se diz por parte das campanhas eleitorais. Após, raramente se aplica. Um dos motivos é que a campanha vem sendo construída de acordo com a percepção do consumidor – ops, do eleitor. Em uma visão de marketing completamente deslocada da teoria original, constroem-se programas de campanha e até planos governamentais não mais baseados em análises, dados, mas em como angariar mais votos a fim de permanecer no poder. Marketing é um conjunto de estratégias para promover a troca, atendendo as demandas de ambas as partes, não uma relação de ganha -perde!
Com o aperfeiçoamento dos instrumentos de controle social e de acesso à informação, o saber ler nas entrelinhas de cada promessa se torna uma arte. E foi baseando-se nas demandas dos coletivos feministas e na importância da clareza, da mensuração e da objetividade das propostas que essa análise foi realizada.
Em cada proposta relacionada aos direitos femininos, destacando aqui os direitos das lésbicas, transexuais e negras, por serem historicamente ainda mais perseguidas e violentadas, busquei avaliar a pertinência, a qualidade e o alinhamento com as reivindicações dos coletivos feministas, sempre com um bom toque de ironia e humor, que faz parte de nós!
Nas considerações finais foram colocadas as questões ausentes mais relevantes e os principais motivos desse repúdio ao candidato.
Propostas e Comentários do Plano de Governo de Aécio Neves
AN: Elaborar o 4º Plano Nacional de Direitos Humanos, que complete e aperfeiçoe as políticas públicas, em especial os Direitos Humanos, particularmente quanto aos setores mais vulneráveis.
Comentário:Duas das principais reivindicações do plano de Direitos Humanos são a criminalização da homofobia e a legalização do aborto. Nenhum dos temas é citado pelo candidato. Ele poderia ter descrito qual seria o foco desse plano.
AN: Criar Fórum Nacional de Diálogos para que a escuta das reivindicações dos movimentos sociais que lutam pela garantia de direitos de negros, indígenas, ciganos, quilombolas e LGBT sejam efetivados e garantidos
Comentário: Já existem diversos fóruns e conferencias no país. Foi por meio deles que se construiu o PNDH3. E o interessante é que esses fóruns foram regulamentados e ampliados em nível federal pela Política Nacional de Participação Popular, criada em 23/05/2014 e que, por sua vez, foi repudiada pelo PSDB, ao ponto de acusarem o governo de tentativa de golpe contra a democracia representativa.
AN: Criar o programa Nome e Sobrenome para que todos possam ter acesso à documentação civil e trabalhista.
Comentário: Inclusive a possibilidade do uso do nome social? Só pra saber.
AN: Fortalecer, descentralizar e ampliar a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.
Comentário: Como seria essa descentralização? E se vai ampliar é porque é bom, correto?
AN:Fortalecer o Programa Sentinela, que visa à prevenção do abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes e criar condições aos vitimados e suas famílias para o resgate de seus direitos, com acesso amplo a serviços públicos e abordagem multidisciplinar.
Comentário: Com a implantação do SUAS no Brasil, o atendimento anteriormente ofertado pelo Programa Sentinela, foi incorporado ao Serviço de Enfrentamento à Violência, ao Abuso e à Exploração Sexual contra Criança e Adolescentes ofertado pelos CREAS, citados em proposta posterior. E é importante notar que a proposta cita crianças e famílias, e não meninas e mulheres, as principais vítimas do abuso e da exploração sexual. Dados do IPEA mostram que 88,5% das vítimas são do sexo feminino e mais de 92% dos agressores são homens.
AN: Criar Programas de Suporte e Apoio para Pais que tenham dificuldades de lidar com as diferenças apresentadas pelos filhos.
Comentário: Que tipo de diferença seria tratada nesses programas? Fica o questionamento
AN: Universalizar os Centros de Referência Especializada em Assistência Social (Creas), voltados para a atenção e tratamento de crianças vítimas de abuso e exploração sexual.
Comentário: OS CREAS são fruto de parceria entre governos federais/estaduais e municipais. Essa universalização só será possível se todos concordarem. E universalizar não é um indicador mensurável!
AN: Fomentar a criação de comitês comunitários municipais, reunindo mulheres comprometidas com o aperfeiçoamento da democracia, com a promoção da ética, da cidadania,de ações sociais e de combate à corrupção e aos abusos econômicos.
Comentário: O que seriam esses comitês? E como seriam fomentados? Proposta sem muito nexo. Não temos os Conselhos de Políticas Públicas? Os fóruns e demais espaços públicos de participação? Precisamos sim é de cotas para a participação nesses espaços!
AN: Apoiar a criação de escola de tempo integral e a criação de creches que contribuem para liberar os pais para trabalho e/ou estudos.
Comentário: Já existem creches e escolas de tempo integral no Brasil. O que precisamos é de índices melhores de cobertura. E liberar os pais para trabalho? As mães. Quem mais é prejudicada por isso são as mulheres. Olha o machismo!
AN: Os espaços físicos das creches poderão ser utilizados também para a alfabetização de mulheres adultas.
Comentário Podem sim. Os das escolas também. Das Universidades. Das empresas. Que tal uma proposta mais articulada a respeito?
AN: Promover campanhas preventivas de atendimento ao câncer de colo de útero, de mama e DSTs.
Comentário: Já existem. Nesse caso, precisam ser “fortalecidas”, erraram o verbo!
AN: Organizar atendimento especial às mulheres quando portadoras de doenças sexualmente transmissíveis.
Comentário: Que tipo de atendimento especial? Isolá-las em alguma ilha? Muito genérico para entender.
AN: Promover o atendimento integral à mulher e à criança vítimas de violência doméstica.
Comentário: Tão genérico que também não dá para avaliar. A única avaliação é do machismo presente ao repetir “criança” e não “meninas”, ainda mais na parte do programa que se refere aos direitos da mulher!
AN:Criar o Programa Mulheres Protegidas para ampliar as possibilidades de proteção às mulheres que denunciam a violência doméstica  não podem voltar para casa, para perto do agressor.
Comentário: Já existem diversos programas e casas no país com esse objetivo. Seria mais um programa ou vai apenas substituir os existentes?
AN:Estruturar rede atendimento e acolhimento de mulheres por meio de casas abrigos, casas-lares e famílias acolhedoras.
Comentário: Talvez quem escreveu o programa não conheça a atual estrutura que já atende o que a proposta cita. Talvez.
AN: Criar o benefício social de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica, familiar e comunitária.
Comentário: Interessante. Essa é a proposta da PEC 43/2012, de autoria da senadora Marta Suplicy (PT) que está tramitando na Câmara! Podem pesquisar: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106824
AN: Instituir pelo SUS tratamento de correção estética, incluindo cirurgias plásticas para as mulheres vítimas de deformações oriundas de violência doméstica, familiar e comunitária
Comentário: Hummmm… o que seria violência comunitária? o.O
AN:Reestruturar programa de combate à exploração sexual que atinjam meninas, jovens e mulheres no Brasil e no exterior.
Comentário: Finalmente as meninas foram citadas. Porque reestruturar? Quais as falhas do atual programa? E como será feita essa reestruturação?
AN: Criar programas de resgate de mulheres escravas sexuais.
Comentário: Bacana. Que tipo de programa? E como irão definir o que são escravas sexuais sem considerar o termo machismo no documento inteiro?
AN: Implantar o programa Com Licença, Vou à Luta para mulheres com mais de 40 anos sem escolaridade e sem experiência profissional.
Comentário: Que programa é esse? Fomentaria que tipo de trabalho? Perigoso isso!
AN:Encaminhar projeto de lei para que a licença maternidade de mães de filhos prematuros comece a contar a partir da alta do bebê, não considerando o período da internação hospitalar para esse fim.
Comentário: Muito bom, mas já existe uma PEC (58/11) de autoria do Doutor Jorge Silva, do PDT, que institui isso. Tá aqui, ó:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=74CF59E65D81A81D01E8CBF065F9B2AF.proposicoesWeb2?codteor=903246&filename=PEC+58/2011
AN: Organizar a capacitação de educadores nas questões de gênero, visando desconstruir preconceitos e estereótipos.
Comentário: Organizar? Não seria mais fácil criar um programa de capacitação? Ou seria realizar NOVAS oficinas sobre o assunto, já que essas foram feitas pelo governo Lula?
AN: Apoiar as mulheres empreendedoras, com financiamento subsidiado e apoio técnico para a formação das empresas e de cooperativas.
Comentário: Opa, isso já existe no governo federal. Ver site da SPM (Secretaria de Política para Mulheres). Em que pese o candidato ter mostrado seu desconhecimento dessa Secretaria em debate recente na TV, ela existe!
AN: Ampliar as medidas existentes com vistas à eliminação do assédio sexual, da discriminação da mulher no emprego e na ocupação.
Comentário: Como serão ampliadas? Em quanto? Não tem propostas para punir a desigualdade salarial entre gêneros? Ah, o candidato afirmou que vai lutar para que existam salários SEMELHANTES. =p
AN: Construir maternidades em todo o Brasil em parceria com os estados e municípios e garantir recursos para equipe multidisciplinar.
Comentário: Precisamos de mais casas de partos; do fomento ao parto humanizado e de um efetivo controle do excesso de cirurgias cesáreas desnecessárias realizadas no país!
AN: Incentivar a incorporação de mulheres às Forças Armadas, como forma de superação das barreiras de gênero e aproveitamento de sua capacidade como força pacificadora.
Comentário: Essa proposta sintetiza o machismo de todas as demais. O #mimimi característico do macho ao questionar a legitimidade da igualdade, pede para que o serviço militar seja obrigatório também para mulher, quando não deveria ser para nenhum dos sexos. Antes de incentivar a incorporação de mulheres às forças armadas, é preciso primeiro varrer desse universo o MACHISMO, candidato. E nem toda mulher quer ser força pacificadora, isso é estereotipo!
Nota: O programa do candidato traz compromissos e propostas. Os compromissos são genéricos demais até para analisar, por isso apenas transcrevemos as propostas. Até porque não entendemos muito bem a diferença entre um e outro – proposta não é compromisso também?

Considerações finais
Está muito claro para mim que o programa do candidato Aécio Neves não somente não espelha a luta feminista, como é uma bandeira do sistema patriarcal.  Assim como as atitudes do candidato quando em debate com as candidatas mulheres. Dedo em riste, deboche, cinismo e a ofensa travestida na palavra “leviana” mas que qualquer feminista traduz imediatamente para “vadia”, “vagabunda”. Somos todas levianas, candidato. Somos todas vadias. Apenas algumas mais do que as outras, dependendo de sua orientação sexual, de sua cor, de sua idade, de seu peso, de sua nacionalidade.
Não se fala sobre machismo; feminicidio, sexismo. Não existem programas para combater a violência física fora do ambiente doméstico e a maioria das propostas elencadas são baseadas em programas e/ou projetos de lei já existentes.
Fala-se da exploração sexual mas sem reconhecer a importância da regulamentação das profissionais do sexo, a fim inclusive de cercear essa exploração trazendo para formalidade o trabalho das prostitutas que escolheram essa profissão.
Não garante o direito ao próprio corpo e à vida, com o apoio à regulamentação do aborto até a 12 semana de gravidez como recomendado pelo Conselho Federal de Medicina e seu reconhecimento como questão vital de saúde pública.
O direito ao corpo é negado à mulher seja na decisão de ter ou não filhos, seja de exercer ou não a sua vida sexual conforme seus próprios desejos. A gravidez e o filho usualmente se tornam responsabilidade da mulher e só ela é criminalizada, jurídica e moralmente, ao decidir não levar adiante a gravidez. Cerca de 850 mil mulheres abortam anualmente no país, de acordo com estimativas, sendo esta a quinta causa de mortes maternas.
Até mesmo a escolha da forma de parir foi retirada da mulher pelo sistema patriarcal e hoje o Brasil é campeão mundial no número de cirurgias cesáreas, contrariando as recomendações da Organização Mundial de Saúde, aumentado ainda mais a chance de hemorragias, outro fator principal da mortalidade materna brasileira, outro assunto não tratado pelo programa.
Não é de se admirar que a mortalidade materna tenha sido o indicador que está impedindo o Brasil de atingir os Objetivos do Milênio. É um problema de saúde pública complexo e que precisa ser encarado não pela filosofia ou por preceitos religiosos, mas na medicina baseada em evidências, a mesma que hoje serve de base para a defesa do parto humanizado.
Fala da licença maternidade em casos de prematuros, mas não cita a importante medida de se prolongar a licença maternidade para no mínimo 12 meses e a licença paternidade para 30 dias, com sua progressiva alteração para licença parental, ou seja, que possa ser exercida por qualquer um dos pais em decisão a ser tomada pela família.
Promover o empreendedorismo é ótimo, mas de nada adianta se a mulher não tiver como trabalhar e onde deixar a criança. Por isso o tópico sobre o assunto deixa e muito a desejar, já que hoje os números de creches no país são pífios, principalmente em Minas Gerais, onde o candidato foi governador. Em Belo Horizonte, capital do estado, apenas cerca de 20% das crianças de 0 a 3 anos estão matriculadas em creches e, em que pese ser responsabilidade das prefeituras, o apoio do governo federal é vital para mudar esse quadro. Tanto é que o candidato vem cobrando da candidata Dilma o cumprimento da promessa de mais seis mil creches no país conforme sua campanha de 2010. Cobrar e não prometer números em sua própria campanha não é estranho?
O programa do candidato parece ignorar que algumas mulheres são mais subjugadas que as outras. Mulheres negras sofrem mais com o machismo, o racismo e a objetificação; mulheres trans e lésbicas são vítimas de violências como o estupro corretivo, o repúdio do mercado de trabalho e a invisibilidade nas políticas públicas. De acordo com uma pesquisa do NUPSEX da UFRGS, coordenada por Ângelo Brandelli Costa, “comprova-se que o pior do preconceito, no Brasil, não se dá contra a orientação sexual, mas contra a expressão de gênero.”
Não queremos medidas paliativas, queremos igualdade de direitos, o combate sistêmico do machismo e sexismo, da lesbofobia e da transfobia. Queremos ter nossos corpos respeitados, nosso trabalho valorizado e nossos espaços garantidos!
Mulher feminista é de luta e não vota em Aécio Neves!
*MariadaPenhaNeles

Nenhum comentário:

Postar um comentário