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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, outubro 11, 2014

Para Diap, Congresso eleito é o mais conservador desde 1964

Levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) mostra um aumento, na nova composição do Congresso Nacional, do número de parlamentares ligados a segmentos mais conservadores – entre eles, militares, policiais, religiosos e ruralistas.
Na avaliação do analista político do Diap, Antônio Augusto de Queiroz, este será “o Congresso mais conservador desde a redemocratização”.
Para o especialista, “algumas conquistas do processo civilizatório, como a garantia dos direitos humanos, podem ser interrompidas ou mesmo regredir com a eleição de uma bancada extremamente conservadora”.
O Diap mostra crescimento do número de parlamentares policiais ou próximos desse segmento, como apresentadores de programas de cunho policialesco. Ao todo, esse setor contará com 55 deputados, parte dos quais defendeu, na campanha, a revisão do Estatuto do Desarmamento, a redução da maioridade penal e a criação de leis mais rígidas para punir crimes.
Com foco no discurso sobre segurança, o delegado da Polícia Federal Moroni Torgan (DEM) foi o candidato a deputado federal mais votado do Ceará, com 277.774 votos. Em seus programas no horário eleitoral gratuito, ele pedia uma legislação mais rígida. “Já estamos cansados dessa história, o bandido comete um crime e não passa um dia na cadeia. Isso acontece por que a lei é fraca. Isso tem que mudar. Quem deve ter medo das leis é o bandido e não a população.
No Distrito Federal, o coronel da reserva da Polícia Militar Alberto Fraga (DEM) foi o mais votado, com 155.056 votos. No Rio de Janeiro, o atual deputado Jair Bolsonaro (PP), militar da reserva, foi o campeão de votos no estado, com 464.418 votos e segue agora para o sétimo mandato no Congresso Nacional.
Conhecido por suas declarações contra homossexuais e pelos embates na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Bolsonaro deve ter velhos e novos aliados na próxima legislatura.
A bancada evangélica – que teve em Marcos Feliciano (PSC), também reeleito, representante de destaque na legislatura passada – também cresceu e contará, agora, com 52 parlamentares.
Embora nem todos os evangélicos devam ser considerados conservadores, em geral, eles têm tido postura contrária à ampliação do direito ao aborto, à união homoafetiva e à legalização de drogas como a maconha.
O líder do Partido Republicano Brasileiro (PRB) na Câmara, George Hilton (PRB-MG), partido que foi fundado por integrantes da Igreja Universal do Reino de Deus, pondera que as posições não são novas e que esses grupos já vêm ocupando a política institucional. “O país é plural, mas ainda tem uma história muito conservadora. É de maioria cristã. É natural que essa maioria defenda, no Parlamento, os ideais cristãos”, aponta.
Defensor da família, o apresentador Celso Russomano (PRB-SP) foi o deputado mais votado destas eleições. Com 1,5 milhão de votos, ele ajudou a dobrar a bancada do PRB, que passou de oito para 21 deputados na Câmara. “Vai existir nessa Casa um grande embate em relação a esses direitos [humanos]”, avalia Hilton, para quem o partido não deve combater, mas sim defender políticas públicas para as mulheres e outros segmentos.
Já o setor identificado com a defesa dos direitos humanos perdeu parlamentares com longo histórico de atuação na área, como Nilmário Miranda (PT-MG), Domingos Dutra (SD-MA) e Iriny Lopes (PT-ES), que não foram reeleitos. Por outro lado, lideranças como Érika Kokay (PT-DF), Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Chico Alencar (PSOL-RJ) ganharam nas urnas e figuraram no grupo dos mais votados de cada estado.
Para o integrante da coordenação da Plataforma de Direitos Humanos (Dhesca Brasil) Darci Frigo, houve uma mescla entre “o fenômeno de conservadorismo, mas com influência decisiva do poder econômico”. Para garantir equidade no pleito, ele defende a limitação da atuação das empresas nas eleições, por meio de uma reforma política.
Embora aponte que as avaliações são preliminares e que o comportamento do Parlamento dependerá do resultado das eleições presidenciais, Frigo assinala que “os setores mais vulneráveis da sociedade poderão sofrer ataques fortíssimos”. No centro das atenções, de acordo com ele, estão as questões relacionadas aos povos indígenas.
Segundo o Diap, nenhum dos candidatos que se autodeclarou indígena foi eleito para a Câmara dos Deputados. Além disso, dois dos que integram a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas não voltarão à Câmara: Padre Ton (PT-RO), que perdeu a eleição para o governo de Rondônia, e Domingos Dutra (SD-MA), que não conseguiu ser reeleito.
Já a bancada ruralista deve crescer, segundo a Frente Parlamentar da Agropecuária, que reúne os representantes do setor. Hoje composta por 14 senadores e 191 deputados, a frente estima que passará a contar com 16 senadores e 257 deputados.
“O ataque principal vai ser ao conjunto de direitos dos povos indígenas, em especial os ligados à questão fundiária”, afirma o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto. Propostas de emenda à Constituição e projetos de Lei sobre o tema já tramitam e têm gerado resistência por parte desses povos.
Diante do atual cenário, “nós vamos continuar apoiando a incidência direta dos povos indígenas, que não têm representação na Câmara e no Senado, mas que têm feito intervenções diretas por meio de delegações, ao mesmo tempo que procuraremos deputados e senadores que se identificam com a causa e também aqueles que não têm vínculo orgânico com o latifúndio para pedir o apoio para que não haja retrocessos”, antecipa Buzatto.
No caso das mulheres, o problema é a sub-representação. A bancada cresceu 10%, conforme o Diap. Foram eleitas 51 mulheres, cinco a mais do que as 46 que ganharam as eleições em 2010. Pouco, na avaliação do departamento.
Antônio Augusto de Queiroz opina que, para reverter a situação, seriam necessárias políticas efetivas de valorização das candidaturas femininas, como a priorização das mulheres na distribuição do tempo de televisão e garantia de recursos financeiros.
O levantamento do Diap mostra também que a bancada de parlamentares vinculados à defesa dos trabalhadores, como os advindos do movimento sindical, sofreu diminuição. Dos 83 deputados da legislatura anterior, restaram apenas 46, dos quais 14 são novos e 32 foram reeleitos.
O setor empresarial, por sua vez, vai contar com 190 deputados, segundo levantamento parcial do departamento. Em 2010, esse segmento elegeu 246 representantes.
De acordo com o analista do Diap, a diferença no tamanho das bancadas pode levar a retrocessos em relação aos direitos trabalhistas, já que o setor empresarial pode fortalecer a defesa da regulamentação da terceirização “em bases precarizantes, da substituição do legislado pelo negociado, permitindo que os sindicatos possam negociar redução de direitos, e do projeto do chamado Simples Trabalhista, que pode criar um trabalhador de segunda categoria, com menos direitos”, avalia.
Para a socióloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Débora Messenberg, que estuda o Parlamento brasileiro, as diferenças nas representações dos distintos grupos sociais e “a questão central que passa pela ampliação da pulverização dos partidos é decorrência da não realização da reforma política”, defende.
Embora o tema tenha sido alvo dos protestos de junho de 2013 e, inclusive, de propostas da presidenta Dilma Rousseff, a reforma não andou. Dentre as consequências disso, segundo a especialista, estão a manutenção do financiamento privado das campanhas e o distanciamento dos jovens da política.
Os jovens não estão interessados na política institucional, e isso fez com que muitos deles votassem nulo ou branco. Um voto que, na prática, funciona como abertura de espaço para quem está no jogo”, cita a socióloga, destacando que abstenções, votos nulos ou brancos somaram cerca de 29% do total aferido no primeiro turno destas eleições. Os percentuais relativos aos votos que não entram nas contas dos votos válidos aumentaram nas três modalidades.
Para Débora, “a reforma política não vai sair do Congresso”. “Não teve em Congressos menos conservadores, muito menos agora”. Ela aposta que a mudança deverá ser fruto da pressão da sociedade e da atuação do Executivo.

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