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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, abril 02, 2015

Dalmo Dallari: PEC da redução da maioridade penal é inconstitucional


Dalmo Dallari: PEC da redução da maioridade penal é inconstitucional

abril 2, 2015 09:08
Dalmo Dallari: PEC da redução da maioridade penal é inconstitucional

Para jurista, artigo 228 da Constituição, que estabelece a inimputabilidade penal de menores de 18 anos, é cláusula pétrea. “A proposta, além de não ser constitucionalmente aceitável, é socialmente prejudicial para o povo brasileiro, porque vai forçar meninos de 16 anos a ficarem à mercê de criminosos já amadurecidos”
Por Anna Beatriz Anjos
A inconstitucionalidade da PEC 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, foi o maior debate travado durante o processo de aprovação da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, na última terça-feira (31).
Enquanto os parlamentares contrários à PEC argumentam que o artigo 228 da Constituição, que estabelece a inimputabilidade penal de menores de 18 anos, é cláusula pétrea, deputados favoráveis à medida tentam rebater essa ideia.
Na avaliação do jurista Dalmo Dallari, um dos mais respeitados do país, a proposta fere os princípios constitucionais. “Não há nenhuma dúvida de que [a inimputabilidade penal de menores de 18 anos] é um direito fundamental, expressamente consagrado na Constituição, e pronto. Então, dentro dessa perspectiva, [o artigo 228] é cláusula pétrea”, interpreta.
O professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo explica porque não apoia a matéria, que agora tramitará em comissão especial. “A proposta, além de não ser constitucionalmente aceitável, é socialmente prejudicial para o povo brasileiro, porque vai forçar meninos de 16 anos a ficarem à mercê de criminosos já amadurecidos”, pontua.
Confia a seguir a íntegra da entrevista com Dallari sobre a questão.
Fórum – A inimputabilidade penal dos menores de 18 anos pode ser considerada um “direito e garantia individual”, como define o artigo 60 (parágrafo 4º, inciso IV) da Constituição Federal?
Dalmo Dallari – Sem dúvida alguma. É uma garantia das pessoas que têm essa idade, é um direito fundamental do menor de 18 anos, que é impresso na Constituição.
Fórum - Na sua interpretação, portanto, o artigo 228 é uma cláusula pétrea?
Dallari - Uma coisa importante que é preciso levar em conta é que o mesmo dispositivo constitucional que assegura esse direito fundamental prevê a hipótese, a possibilidade, de uma regulamentação especial para pessoas dessa idade. Elas não ficam totalmente livres de qualquer espécie de regulamentação. Não há nenhuma dúvida de que é um direito fundamental, expressamente consagrado na Constituição, e pronto. Então, dentro dessa perspectiva, é cláusula pétrea. Isso faz parte da essência da Constituição.
Fórum - Nesse sentido, o senhor considera, então, que a PEC 171/93 é inconstitucional?
Dallari - Ao meu ver, ela é inconstitucional, porque afeta uma cláusula pétrea, uma norma constitucional, que proclama e garante direitos fundamentais da pessoa humana. Isso não pode ser objeto de uma simples mudança por emenda constitucional.
Fórum - Os deputados contrários à aprovação da PEC 171/93 já anunciaram que entrarão com um mandado de segurança no STF para travar a etapa final da tramitação na Câmara. O senhor dará um parecer para a medida? Acha que isso é o mais sensato a se fazer? 
Dallari – Não fui procurado. Possivelmente, farão isso com base em coisas que já publiquei, em entrevistas, conhecendo a minha posição que é essencialmente jurídica – esse é um aspecto que faço sempre questão de acentuar. Não tenho nenhuma vinculação, e nunca tive, a nenhum dos partidos políticos existentes no Brasil. Faço isso exatamente para preservar a minha independência como jurista. O meu enfoque é essencialmente, exclusivamente jurídico, e desse ponto de vista tenho defendido o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, consagrados na Constituição. Um dos direitos é esse de não ser penalizado se não tiver idade superior a 18 anos.
Fórum – Por que, na avaliação do senhor, a redução da maioridade penal não é a solução para o problema da criminalidade no Brasil? Quais as consequências que pode acarretar, caso aprovada?
Dallari - Acho que está havendo uma certa exploração de um sentimento popular, exploração que até certo ponto é lamentável, porque estão se valendo de um sentimento de insegurança de grande parte da população para adotar ou propor uma providência que essencialmente é maléfica para todo o povo, para a sociedade. E é maléfica por um ponto, por um aspecto que é fundamental: o menor de 18 anos condenado criminalmente será obrigado a conviver em um presídio superlotado com criminosos tradicionais, organizados, poderosos. Fatalmente, esse menino de 16 anos acabará sendo coagido a integrar uma quadrilha. Por isso, a proposta, além de não ser constitucionalmente aceitável, é socialmente prejudicial para o povo brasileiro, porque vai forçar meninos de 16 anos a ficarem à mercê de criminosos já amadurecidos.
Fórum – Na avaliação do senhor, então, essa definitivamente não é a melhor alternativa para sanar as questões de segurança publica do país…
Dallari – Não, de maneira alguma. Além de não ser uma solução, é um prejuízo. Porque fatalmente esses menores acabarão sendo envolvidos, coagidos, para integrarem uma quadrilha. Em lugar da possibilidade de integração, de recuperação social que está prevista na legislação para o menor que tem desvio de conduta, haverá quase que uma entrega desses menores a grupos criminosos.
Eu estive na França, tenho atividades lá, dou aulas. Precisamente neste momento, está sendo preparada na França uma medida que visa à integração social dos menores de 18 anos. O que se está prevendo – e achei muito bom, pretendo divulgar no Brasil – é que se estabeleça um programa de atividade social para os menores. E eles, sob orientação de professores, conselheiros, participem da realização de trabalhos de natureza social. É uma forma de integração social dos menores dando a eles a consciência de seus direitos e também de suas responsabilidades de cidadão. Acho que isso sim deveria ser pensado no Brasil: a adoção de medidas que façam com que o menores participem ativamente da busca de soluções para banalização e injustiça social. Aí sim eles estarão plenamente integrados com muito menor risco de se degenerarem e irem para a criminalidade.
Já tenho até um pequeno livro em que falo sobre a instrução à cidadania, em que aconselho que desde o curso primário seja criada uma disciplina que poderia se chamar “Preparação para a Cidadania” ou “Educação para a Cidadania”, dando às crianças a consciência de sua responsabilidade social. Acho que é esse o caminho.
Fórum – Além da PEC 171/93, há outros projetos em tramitação que pretendem reduzir a maioridade penal. O senhor considera que há um surto de punitivismo no Congresso Nacional?
Dallari – Acho que existe na Congresso Nacional uma parte de parlamentares que não tem exatamente o melhor preparo, que tem uma visão distorcida das relações sociais, do equilíbrio social, da manutenção de normas de convivência. Infelizmente, são parlamentares que só acreditam na disciplina através da imposição, da coação. Não pensam na hipótese da disciplina social através da educação, da preparação para a cidadania. Realmente é um despreparo de uma parte dos parlamentares.
(Foto: Reprodução/Youtube)

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