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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, abril 03, 2015

EUA - Irãn: o acordo sobre o nuclear



EUA - Irão: o acordo sobre o nuclear

Max 
Pessoal: temos o acordo!!!
Bom, "temos" por assim dizer: ainda deve ser escrito. Mas o Irão está contente e Obama parece uma criança no manhã do 25 de Dezembro. Só israel não está satisfeito, sabe lá porque...
Mas é uma boa notícia. E de vez em quando é bom ter boas notícias.
O Irão, os Estados Unidos e mais alguns figurantes reunidos em Losanna (Suíça) chegaram ao acordo sobre os pontos-chave das negociações acerca do programa nuclear da República Islâmica. A notícia foi do chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, que explicou também o que isso prevê: o Irão não poderá desenvolver uma arma nuclear e todas as sanções irão desaparecer.
O ministro iraniano das Relações Exteriores, Javad Zarif, diz:
O Irão tem sido vítima no passado de muitas, muitas promessas quebradas. Queremos ter a certeza de que isso não aconteça novamente.
Isso enquanto o presidente Rohani comentou no Twitter:
Foram encontradas soluções sobre os parâmetros fundamentais da questão nuclear iraniana. A elaboração [do acordo, ndt] começa imediatamente e terminará em 30 de Junho.
Mais de 3 meses? Mas quem é que escreve este acordo, uma preguiça?
Bom, seja como for eis alguns pormenores:
  • Abrandamento das actividades de algumas instalações nucleares de Teherão.
  • A central de Natanz permanecerá activa para o enriquecimento de urânio
  • A central Fordow (escondida sob uma montanha) será convertida num laboratório para pesquisa no campo da Física
  • O reactor de água pesada em Arak será modificado e o plutónio produzido será transferido no estrangeiro
  • As potências mundiais vai ajudar o Irão a construir um novo reactor em Arak
Conclui a Mogherini:
Hoje fizemos um passo histórico para um mundo melhor.

Felicidade e lágrimas.
A felicidade é aquela dos manifestante nas ruas de Teherão, que vêem assim acabar as sanções.
As lágrimas são de quem tem que ouvir as reacções dos políticos: previsíveis. Nem Obama foge à regra:

É um entendimento histórico, vai impedir a bomba nuclear. Com o acordo o mundo será mais seguro. Depois de meses de trabalho diplomático, chegamos a um bom acordo que atende os nossos principais objectivos.
Mas não é tudo. Obama não brinca em serviço e mostra os dentinhos:
O acordo com o Irão não é baseado na confiança, mas em controles sem precedentes. Se Teherão fazer batota, nós vamos descobri-lo, o trabalho não está terminado aqui.
Sim, sim, tá bom.
A verdade é que este acordo é uma vitória de Teherão e uma necessidade dos EUA. Ambos ficam satisfeitos.
Washington nunca teria conseguido travar o programa nuclear apenas com as sanções e Obama admitiu isso. Uma falta de acordo teria posto os Estados Unidos numa péssima situação: obrigados a intervir mas sem vontade nenhuma, sobretudo agora que a atenção ficou na Rússia, com os Republicanos e israel a explorar a situação para os seus fins.
Também satisfação no Irão: volta no círculo dos "bons" (pelo menos este é o caminho), acaba com as sanções, abdica duma bomba nuclear (admitindo que este fosse um verdadeiro objectivo) acerca da qual nunca esteve tão convencido (israel tem 200/400 ogivas e cada uma custa um rio de dinheiro), fica com um seguro de vida contra Tel Avive. E ainda terá dinheiro do estrangeiro para converter as suas instalações.
Nem a Rússia fica mal, pois apoiou o Irão ao longo dos anos e afinal ganhou: a fronteira Sul está segura.
Tudo somado é um acordo justo.
O Paquistão tem entre 80 e 110 ogivas nucleares e nem aderiu ao Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares. Mas ninguém se queixa. A razão? O Paquistão é um País tranquilo, feito de camponeses e terroristas que vivem em paz com a Natureza, não há perigo. É verdade, de vez em quando há uma guerrinha com a Índia (80-100 ogivas, não aderiu ao TNP), mas são coisas leves, alguns milhares de mortos e depois tudo volta como antes.
O Irão, pelo contrário, é mau. A única guerra foi aquela entre 1980 e 1988: foi uma boa guerra (mais de 1 milhão de mortos), mas não conta porque Teherão tinha sido atacada pelo Iraque de Saddam Hussein (armado pelos EUA). Podemos confiar num País que nunca declara guerra? Obviamente não, é uma atitude bastante suspeita. 
E a propósito de TNP: quem se queixa do acordo alcançado na Suíça é israel (200/400 ogivas e não adere ao TNP) e, em silêncio, a Arábia Saudita: ambos sabem que esta é uma vitória do Irão xiita.
The Times of Israel relata as reacções das autoridades em Tel Avive. O primeiro ministro, Benjamin Netanyahu:
Este é um quadro ruim que vai levar a um acordo ruim e perigoso. Se for alcançado um acordo com base nas diretrizes deste quadro, seria um erro histórico que vai transformar o mundo num lugar muito mais perigoso.
Para tornar as suas palavras ainda mais claras, o simpático Netanyahu publicou no Twitter um hilariante gráfico cujo título é "A agressão iraniana durante as negociações do nuclear":

Já estamos muito além do ridículo, melhor nem comentar.
Depois começam as vozes não oficiais:

O quadro concede o programa nuclear ao Irão, cujo único propósito é produzir bombas nucleares, com a legitimidade internacional. O Irão ainda terá uma extensa capacidade nuclear. Continuará a enriquecer urânio. Vai continuar a sua pesquisa e o desenvolvimento das centrífugas. Não vai fechar, nem uma das suas instalações nucleares, incluindo a instalação subterrânea em Fordow. Isto e muito mais.
A questão de fundo é que este acordo garante a remoção completa das sanções contra o programa nuclear iraniano, garantindo simultaneamente que o Irão mantenha as suas capacidades nucleares.
Não há nenhuma exigência de que o Irão pare a sua agressão na região, o seu terrorismo em todo o mundo ou as suas ameaças de destruir Israel que tem repetido ao longo dos últimos dias. Este acordo reverência os ditames iranianos e não vai levar a um programa nuclear para fins pacíficos, mas sim a um programa nuclear militar.
Mentiras necessárias para justificar a atitude nazi-sionista, tanto no interior quanto no exterior: mas a verdadeira razão pode ser encontrada no Canal 2, onde fala o diplomata Uri Segal:
Se havia a possibilidade dum ataque militar israelita, agora está fora da mesa.
Pois. Nada de guerra por enquanto.
Uma tristeza, não é?
Para acabar, eis o trabalho nos bastidores que começa. O enviado da americana NBC, Richard Engel:

Tivemos uma perspectiva única porque fomos saltitando entre o mundo muçulmano e Israel. Estamos a ver uma aliança, com sunitas, estados árabes e grande aliados tradicionais dos EUA, Egipto, Arábia Saudita, Jordânia, todos a dizer que este é um mau negócio, que o processo recompensa o Irão. E Israel diz exactamente a mesma coisa. E não acontece muitas vezes, no Oriente Médio, de ouvir Israel e o mundo árabe cantando a mesma canção, mas desta vez quando se trata de Irão,certamente o fazem.
O "mundo árabe": Egipto, a Arábia, a Jordânia e, de certeza, as outras monarquias do Golfo. E este seria "todo o mundo árabe"? Parece uma visão um bocado limitada. Será que pode ter alguma influência o facto de Engel ter o pai judeu?
Ipse dixit.
Fontes: Il Corriere della SeraThe Times of IsraelTwitterWikipedia (versão inglesa), Breitbart


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