Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, março 09, 2013

Como os EUA montaram centros de tortura em todo o Iraque (e o resultado disso)


Nos 10 anos da Guerra do Iraque, um documentário revelador sobre um dos maiores equívocos da História recente.

James Steele (dir.), criador de centros de tortura no Iraque, em sua única foto
Tem coisas que só o bom jornalismo pode fazer por você.

O jornal inglês The Guardian investiu 15 meses numa investigação feita em parceria com o braço da BBC no mundo árabe.

O resultado é um documentário e uma série de reportagens sobre o envolvimento de veteranos das chamadas Guerras Sujas na América Latina na Guerra do Iraque – um dos equívocos mais tenebrosos na história da política externa americana.
Donald Rumsfeld
O personagem central é o coronel James Steele. Sob o comando de Donald Rumsfeld, então secretário de defesa de George W. Bush, e do diretor da CIA, David Petraeus, ele e o coronel James Coffman criaram centros de detenção para lidar com os insurgentes no país. 

Também organizaram milícias paramilitares – o mesmo padrão de atuação usado em El Salvador e Nicarágua nos anos 80, quando os EUA tentaram derrubar governos de esquerda. Steele tinha 58 anos à época e era, oficialmente, um “consultor”.
Ele e Coffman montaram vários centros de detenção, financiados pela administração Bush. O general iraquiano Muntadher Al-Samari — um tipo sinistro, com mais joias pelo corpo que um bicheiro – contou que cada um desses campos tinha seu comitê de interrogatórios, “formado por um oficial da inteligência e oito soldados. Todas as formas de tortura foram usadas para forçar os presos a confessar, como choques elétricos, tirar as unhas e espancamentos”. Segundo Al-Samari, não há provas de que Steele e Coffman participaram pessoalmente de todas as sessões, mas estavam presentes onde elas aconteciam.
Uma década depois, o Iraque é aliado do Irã
Al-Samari disse que as torturas eram rotina. “Eu me lembro de um rapaz de 14 anos que foi amarrado a uma coluna, com as pernas acima da cabeça. Seu corpo estava azul por causa das pancadas que havia tomado com emprego de cabos de aço”. As acusações implicam pela primeira vez o general Petraeus, que renunciou em novembro, em violações de direitos humanos.

O fotógrafo Gilles Peress e o repórter Peter Maass lembram que viram sangue e ouviram gritos desesperados nos complexos. “Alguém gritava: ‘Alá, Alá, Alá!’ Não era êxtase religioso ou algo assim, mas berros de dor e terror”, diz Maass.
A Guerra do Iraque fará 10 anos no dia 20 de março. Rumsfeld disse que ela “libertaria o povo para viver suas vidas e fazer coisas maravilhosas. E é isso o que está acontecendo”. Hoje, o Iraque é um dos maiores aliados do Irã. Na semana passada, o primeiro-ministro Nouri Al-Maliki se recusou a participar do embargo americano por causa do programa nuclear iraniano. Calcula-se que 136 iraquianos foram mortos em fevereiro, 177 em janeiro. No ano passado, foram 4471 civis. Recentemente, uma bomba em Bagdá matou quatro.

Steele vive no Texas, onde dá palestras sobre contraterrorismo.


Por Kiko Nogueira no DCM

Nenhum comentário:

Postar um comentário